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“Educar é gerar sonhos”
Pedro Ribeiro Nogueira entrevista a Jurjo Torres Santomé
Portal Aprendiz / A cidade é uma escola
Brasil, 5 de Setembro de 2013
http://portal.aprendiz.uol.com.br/2013/09/05/jurjo-torres-educar-e-gerar-sonhos/
Quantos problemas do mundo não partem da forma como estruturamos nossas escolas e o conhecimento? Essa é uma das perguntas fundamentais feitas pelo professor espanhol Jurjo Torres Santomé, que recentemente lançou no Brasil seu livro “Currículo Escolar e Justiça Social”, pela editora Penso.
Santomé, que é diretor do Departamento de Educação e coordenador do grupo de pesquisa em Inovação Educacional da Universidade de La Coruña, aponta em seu livro os “sentidos ocultos” da educação, responsáveis muitas vezes por gerar conhecimentos que alimentam preconceitos, padrões normativos e seres humanos competitivos e pouco solidários.
Uma alternativa, segundo ele, estaria na capacidade das comunidades, escolas, pais e mestres, criarem metodologias que ensinassem os jovens a trabalhar juntos, a respeitar as diferenças e, acima de tudo, pensar sobre o mundo no qual estão inseridos, de forma crítica, porém otimista.
Em entrevista por e-mail ao Portal Aprendiz, o professor ressaltou que seus pensamentos partem da experiência espanhola e que em educação “não há receita mágica”. Mas suas conclusões sobre os papéis desempenhados pela educação formal, livros didáticos e professores, podem ser úteis para pensar a realidade brasileira do ensino. Acompanhe:
Portal Aprendiz: O subtítulo de seu livro encara o currículo escolar como um “Cavalo de Troia”. Qual a ideia por trás de tal afirmação?
Jurjo Torres Santomé: Eu vinculo a ideia do Cavalo de Troia ao papel que desempenham nas aulas – tanto para o alunado como, em numerosas ocasiões, para o professorado – os livros e manuais didáticos usados no ambiente escolar. Se analisarmos detalhadamente os conteúdos desses livros, muitas vezes impostos como obrigatórios, e as interpretações que as editoras fazem deles, encontraremos um mundo completamente segregado e, no caso espanhol, com análises da realidade politicamente muito conservadoras, classistas, sexistas, católicas, racistas, nacionalistas, adultocêntricas, homofóbicas, militaristas, eurocêntricas e infantilizadas. Isso tanto nos textos quanto nas ilustrações. Logicamente o professorado confia na objetividade, rigor científico e neutralidade dessas obras, mas um mínimo de análise de conteúdo faz com que essas dimensões ocultas aflorem, no melhor estilo Cavalo de Troia.
Portal Aprendiz: O senhor afirma que a educação formal no campo muitas vezes serve como uma motivação para o êxodo rural. Como pensar em uma educação rural que não seja mais uma razão para a saída do campo para as cidades?
Torres: Efetivamente, ao menos na Espanha e no resto da Europa, a educação também contribuiu ao êxodo, uma vez que nos conteúdos e as explicações da realidade apresentados aos estudantes, tanto nos livros como demais materiais, a vida urbana é absolutamente dominante. O mundo rural, quando aparece, o faz desde um ponto de vista da pessoa da cidade que, aos finais de semana ou quando está de férias, se dirige ali para descansar e contemplar a natureza e outras espécies de animais. As crianças acabam por conhecer como se vive nas cidades, que trabalhos existem ali mas pelo ponto de vista das classes sociais altas e médias.
«O que é trabalhado em sala convence o aluno que onde melhor se vive é na cidade»
Não são informados, nem nos ajudamos a saber porque a vida é mais dura no mundo rural e nas pequenas cidades que vivem da pesca – assim como nas favelas e bairros vulneráveis. Porque existem menos facilidades para viver com dignidade, menos recursos culturais e educativos, menos médicos, menos opções de trabalho, piores salários etc. Não são incentivados a investigar esse mundo e muito menos a descobrir como se pode melhorar essa realidade injusta. Os recursos informativos que são trabalhados na sala de aula, no fundo, só convencem ao alunado que onde melhor se vive é na cidade e, portanto, que esse é o destino a ser aspirado. Essa situação é justificada pelas necessidades de mão de obra nas fábricas, o que possibilitou, principalmente na Europa, EUA e Canadá, a revolução industrial do século 19 e em grande parte do 20. Mas esta filosofia também foi assimilada em grande medida pelo resto dos países do mundo, já que seus materiais didáticos costumam se inspirar naqueles de realidades mais industriais. Mas, na atualidade, penso que este modelo de megacidades deveria ser revisto, já que as novas revoluções tecnológicas não se baseiam no modelo da construção de grandes fábricas para centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras.
Portal Aprendiz: A escola ensina mais que as disciplinas? Quais são seus sentidos ocultos?
Torres: Sim, de fato, a escola ensina muito mais, tal como tentei demonstrar em meu outro livro, El currículum oculto [O currículo oculto]. É uma temática que reaparece em todas minhas investigações e publicações. Fundamentalmente são aprendizagens não intencionais, ou seja, que não estão no programa do professor de uma maneira expressa. São as consequências das cosmovisões e ideologias nas quais fomos educados e assumimos como “naturais”, “óbvias” e “lógicas”. Uma ideologia, quando se torna hegemônica, se plasma em determinadas práticas, rotinas, tradições, motivações e interesses que, de uma maneira consciente e reflexiva, nós não tratamos de trazer à luz, investigar, analisar e questionar. Esses tipos de tarefas que programamos e que cremos que são educativas pois são partes do “senso comum”, “sempre foram assim”, “aprendi assim”, são as que seguem propondo os livros didáticos.
«A realidade nos mostra que de nossas aulas seguem saindo estudantes muito competitivos, não solidários, não cooperativos, não democráticos»
Isso é que acontece, por exemplo, quando ficamos obcecados com que os estudantes aprendam de memória determinados conteúdos, que realizem certas tarefas em seus cadernos, sem parar para pensar se essa tarefa é importante, sem prestar atenção reflexiva ao porquê, com que finalidade, com quem, com que outros possíveis recursos se poderia contar, que tarefas alternativas poderiam lhe auxiliar a entender melhor e com mais profundidade esse tema de estudo, em que medida está aprendendo a trabalhar em equipe, a pensar criticamente etc.
A realidade quando analisada nos mostra que de nossas aulas seguem saindo estudantes muito competitivos, não solidários, não cooperativos, não democráticos. Estudantes que enganam (ao menos na Espanha seguem enganando seus professoras e professoras ao ‘colar’ nas provas, plagiar trabalhos escolares, mentindo e, o que é mais grave, ocultando suas dificuldades e erros). Isso significa que não estamos educando e sim ‘mal-educando”. Obviamente, nenhum docente tem estes resultados em seu programa, na sua lista de objetivos a conquistar. Por isso batizamos esse mecanismo de “currículo oculto”, ou seja, aquelas aprendizagens que acontecem na aula “sem querer”, o que é ainda mais frustrante quando o que pretendíamos era educar pessoas democráticas, pensativas, críticas e solidárias.
Portal Aprendiz: Como a comunidade, na qual a escola está inserida, pode ajudar a constituir um programa escolar? E os pais? Quais são os impactos de tal participação?
Torres: Para mim está é uma de nossas tarefas urgentes e tema de meu último livro. Todos nós devemos nos dar conta de que educar é parte de um projeto político destinado a construir o futuro da sociedade da qual somos parte. A educação é um dos projetos mais otimistas que existem e temos a obrigação de participar. É um ato de amor à infância e à juventude, pois se trata de lhes ensinar como é o mundo, porque ele é assim, que coisas e produções culturais valem a pena, mas também que desigualdades e injustiçam caracterizam nossa sociedade e, a partir daí, debater como deveria ser, como gostaríamos que fosse nossa comunidade e o mundo em geral.
É lógico que, tanto neste debate – como na tomada de decisões posteriores e implementação de medidas de apoio para tornar realidade essa educação emancipadora e liberadora -, todos temos que nos envolver e colaborar: professores, famílias, organizações comunitárias, outros profissionais e, claro, os poderes locais. Se trata de construir uma comunidade ou cidade educadora, da qual as escolas são seu recurso principal, mas tampouco o único.
É nossa tarefa educativa fundamental aprender a envolver os pais e mães, pois sem sua colaboração, nosso trabalho nas aulas é muito mais difícil e pobre. É importante gerar um clima de otimismo e expectativas altas especialmente com as famílias mais pobres e vulneráveis, e, que todas as crianças vejam sua família com um papel importante neste projeto educativo. Caso contrário, é muito fácil que tenha lugar outro aprendizado oculto bastante injusto: aprender a culpar sua família por todos os problemas e, por consequência, odiá-la. Muitos jovens acabam por desenvolver esse tipo de comportamento, de aprendizado oculto, pois os livros didáticos falam de um modelo de família muito diferente do seu, causando que até sintam vergonha de suas famílias. Infelizmente, ainda temos muitas escolas que não prestam qualquer atenção a essas questões.
Portal Aprendiz: Em 2012, um projeto do governo brasileiro tentou criar uma série de materiais para falar com os jovens sobre homofobia. Ele foi nomeado, por setores religiosos, de “kit gay” e nunca foi levado às escolas. Em sua opinião, como os materiais didáticos influenciam na formação das crianças?
Torres: Este é um bom exemplo dessa agenda homofóbica e de como os livros didáticos funcionam como cavalos de Troia, ao não falar abertamente de tais questões. Pensamos que estes livros contém verdades científicas, coisas interessantes, qualidade, objetividade e tudo mais, pois seriam escritos por pessoas inteligentes ou sábias. Mas não somos educados para analisar criticamente essas informações ali apresentadas, não somos acostumados a pensar que todos os autores e autoras, pesquisadores e pesquisadoras, professores e professoras, enfim, são todos seres humanos com falha, ideologias, crenças, lacunas informativas, interesses particulares, falsas expectativas e deformações no conhecimento que construímos e ensinamos.
«Ocultar que existem pessoas gays equivale a desinformar e converter em homofóbicos todos os seres humanos»
É por isso que uma de minhas pretensões é a de convencer ao professorado de que devem analisar minuciosamente que modelo de realidade e interpretações da ciência e dos modos de organizar e funcionar em nossa sociedade estamos apresentando como objetivas, racionais e científicas. Assim saberemos quais são as visões que silenciamos, ignoramos ou deformamos. Ou seja, é preciso que nós, enquanto docentes, nos interroguemos e ensinemos os nossos alunos a interrogar suas fontes informativas: Quem fala? Quem nunca aparece? Quem deformamos e manipulamos? Quem nós estamos invisibilizando e apresentando como natural? O que estamos ocultando?
Os livros de apoio são uma ferramenta fundamental na construção do “senso comum”, do que merece pena e do que está mau. Ocultar que existem pessoas bissexuais, gays, lésbicas e transsexuais equivale a desinformar e converter em homofóbicos todos os seres humanos, algo que com certeza alguns setores ultracatólicos e fundamentalistas defendem.
Portal Aprendiz: A tecnologia, para muitas pessoas, emerge como salvadora. Como você avalia sua presença na vida dos estudantes e no ambiente escolar?
Torres: A tecnologia é imprescindível como recurso, pois é um instrumento decisivo para nossa comunicação, como recurso informativo e também para intervir sobre a realidade. Mas é um recurso, não um fim da educação. Suas novas linguagens e funções são algo que o alunado deve aprender a dominar e utilizar criticamente. O perigo é converter este recurso na finalidade principal da educação. Não podemos esquecer que essas tecnologias supõem um importante negócio para muitas multinacionais e empresas que as fabricam. E a política dessas corporações passa por nos convencer que se um estudante adquire e sabe utilizar determinado software, navegar, enviar mensagens, postar algo no Facebook ou no Twitter, já está educado. Mas a educação é ensinar a utilizar de maneira reflexiva, crítica e cooperativa estes recursos, tal qual fazemos com escrever no papel, consultar bibliotecas, ler livros, revistas e jornais.
Estamos diante de aparatos que são decisivos em nossa vida, mas queremos que sejam utilizados como recursos que nos facilitam a vida, a nosso serviço, ou seja, não para nos transformar em escravos e, de forma concreta, daqueles que os desenham e vendem. São um recurso a mais, tal como os livros, as máquinas de escrever, os discos, as fitas de áudio e vídeo, os toca-discos, projetores de cinema, televisões, máquinas de xerox etc.
Portal Aprendiz: Como a escola pode trabalhar efetivamente a questão da diversidade humana e cultural?
Torres: É precisamente tornando-a visível e valorizada. Apresentando aos estudantes uma sociedade em que existem meninos e meninas, adolescentes, adultos, pessoas de terceira e quarta idade e pessoas que pertencem a distintas classes sociais e que, portanto, algumas têm mais facilidades e outras sofrem maiores desigualdades e injustiças. Mostrar que há diferentes sexualidades, mas nem todas são tratadas com o mesmo respeito. Que temos diferentes capacidades, mas todos somos necessários e valemos a pena; que existem pessoas com enfermidades psíquicas ou físicas, que pertencem a diferentes etnias ou raças, mas que somos todos iguais e temos os mesmos direitos; que compartilhamos a vida e os recursos de um mesmo planeta e que é nossa obrigação conservar tais recursos da natureza para que também as próximas gerações as tenham a sua disposição. Quer dizer, trabalhando com nossas alunas e alunos no conhecimento e análise das distintas convenções de Direitos Humanos que fomos aprovando como o mínimo necessário para convivência, respeito e colaboração na Organização das Nações Unidas (ONU). Ensinar que essas convenções também precisam ser melhoradas, para incluir ausências bastante graves, como a convenção dos direitos das pessoas homossexuais, o direito à informação e ao conhecimento, os direitos das outras espécies de animais e da natureza etc.
«É verdadeiramente injusto que em pleno século 21 ainda permitamos a existência de colégios que segregam»
Para que tudo isso que afirmei aconteça, precisamos que os estudantes estejam agrupados e trabalhando juntos de um modo inclusivo, ou seja, é verdadeiramente injusto que em pleno século 21 ainda permitamos a existência de colégios que segregam por sexo, por capacidades (escolas “normais” e para “superdotados”, por exemplo), por classe social ou crenças religiosas. Os colégios públicos são o melhor espaço para levar a cabo projetos curriculares antirracistas, antisexistas, anticlassistas, não homofóbicos e laicos. É um espaço privilegiado para aprender a viver, trabalhar e colaborar juntos.
Portal Aprendiz: Como garantir uma formação de professores que contribua com tudo isso?
Torres: Estou convencido de que a melhor estratégia é incorporando todas estas temáticas que venho comentando nesta entrevista nos programas de formação inicial do professorado nas universidades, assim como nos programas de atualização e dinamização dos profissionais que já estão em atividade.
Portal Aprendiz: Você destacaria alguma experiência ou boa prática de educação emancipadora?
Torres: Qualquer projeto curricular ou experiência educativa capaz de gerar sonhos nos estudantes. Uma educação em que meninas e meninos aprendam a conhecer bem como é seu mundo e que ao mesmo tempo os incentive a pensar alternativas, a gerar capacidades de imaginar, inclusive outros futuros melhores. Uma prática educativa que faça o alunado sentir que “sim, podemos”, algo que metodologias mais ativas, baseadas em projetos de investigação, fazem.
«Precisamos gerar capacidades de imaginar, inclusive outros futuros melhores»
Podemos intervir no presente, tal como outras pessoas no passado se arriscaram a fazer. Uma pedagogia do otimismo e do empoderamento se baseia em incindir em todos os assuntos do passado e do presente, vendo que as melhoras da sociedade só foram conquistadas com muitas lutas por justiça. É preciso fomentar perguntas e enfoques que incidam no que fazer, como fazer e onde localizar ajuda, com quais recursos e dando quais passos. E não somente quem fez tal ou qual coisa, onde e como, pois assim é muito mais fácil fomentar a passividade e se sentir à margem e sem poder. Neste sentido, um currículo integral e integrado é uma estratégia indispensável, pois interconecta todas dimensões possíveis de conhecimento e aprendizagem.
Por fim, uma educação emancipadora é sempre muito crítica e, ao mesmo tempo, otimista, pois deve ajudar a nos dotar de confiança para seguir aprendendo e melhorando. Vocês tem aí no Brasil o valioso legado de Paulo Freire e sua pedagogia que caminha nesta direção.
La justicia curricular y la formación del profesorado
Jurjo Torres Santomé
Revista Asociación de Enseñantes con Gitanos, nº 30 (2013) págs. 85 – 94
La preocupación por entender el funcionamiento de los sistemas educativos y, más en concreto, las razones por las que un porcentaje muy importante de niñas y niños son etiquetados como fracasados escolares y expulsados de las instituciones educativas es una de las cuestiones más urgentes de las sociedades del momento presente. No podemos pasar por alto la importancia de la educación y la información en los nuevos modelos de sociedad en los que vivimos.
Estamos ante una temática que, dado que en su trasfondo conlleva interrogarse también acerca del modelo de sociedad que consideramos ideal y, por tanto, al que debemos dirigir nuestros esfuerzos y acciones intencionadas, resulta siempre uno de los temas que más controversias genera. Una prueba de ello la podemos constatar en este mismo curso académico, en el que estamos viendo con notable claridad la agenda oculta de la reforma educativa, la Ley Orgánica de Mejora de la Calidad de la Educación (LOMCE), que el actual gobierno de Partido Popular, presidido por Mariano Rajoy, está planteando como alternativa y que, está iniciando sus trámites y debates en el Parlamento Español de cara a su aprobación definitiva y publicación en el BOE.
Asumir un modelo de sistema educativo implica esperar de él unas determinadas funciones de cara a hacer realidad un proyecto político de sociedad que se considera el más apropiado y lógico en función de las teorías, informaciones, ideales, valores y capacidades que poseen quienes tienen posibilidades reales de participar democráticamente en dicho debate o, en el caso de que éste estuviera restringido o prohibido, de quienes ocupan en ese momento las estructuras de poder político y el gobierno.
Caer en la cuenta de las concepciones políticas, filosóficas y socioeducativas que subyacen a los marcos legislativos es un asunto de suma importancia cuando tratamos de analizar las posibilidades reales y vías de actuación más apropiadas en las aulas y centros escolares. No tomar en consideración estas cosmovisiones que encuadran y orientan los sistemas educativos de cada sociedad, puede llevar al profesorado e, incluso, a las familias y estudiantes a asumir el rol de facilitadores de una especie de perverso e injusto efecto Pigmalión. A considerar como lógico tanto el éxito como el fracaso escolar del alumnado, dado su origen social, económico, étnico o el lugar de nacimiento. Algo que suele acontecer en aquellos sistemas educativos corruptos, dirigidos prioritariamente a facilitar el éxito escolar a los grupos sociales más favorecidos; y, por tanto, cuando tiene lugar el fracaso o abandono escolar de los estudiantes pertenecientes a entornos socioculturales desfavorecidos, muchos docentes y familias menos politizadas, lo acaban viendo como «natural», como si fuera casi imposible romper esa especie de maldición que vuelve inútiles e ineficaces todos nuestros sinceros esfuerzos por cambiar el rumbo de la situación.
¿A través de qué modos, mediante qué tipo de experiencias prácticas en los centros escolares el alumnado perteneciente a los colectivos sociales más desfavorecidos suele acabar con el estigma de fracasado escolar? ¿A través de qué medios injustos y perversos, este tipo de alumnas y alumnos llegan a considerarse como únicos responsables y culpables? Son algunos de los interrogantes inaplazables para toda comunidad educativa y social; de lo contrario equivaldría a asumir como lógico que esas alumnas y alumnos el día de mañana tuvieran que aceptar sin protestar sus destinos, viéndolos además como justos y razonables. Interrogantes como estos deben convertirse siempre en brújula y dinamizadores del trabajo docente, pues estas son cuestiones verdaderamente urgentes en las sociedades del conocimiento del momento presente.
Si analizamos el currículum oculto de muchas de las rutinas que rigen la vida en las aulas, los contenidos de las asignaturas, las tareas escolares, los modelos de evaluación y las interacciones del alumnado y de éste con el profesorado podemos constatar que todavía el sistema educativo, al igual que otras esferas sociales (el mundo laboral, el ámbito de la justicia, las administraciones públicas, los cuerpos policiales, los servicios sociales, …) no prestan la debida atención e, incluso, en bastantes ocasiones llegan a tratar con indiferencia o, lo que aun es peor, con desprecio a aquellos colectivos y personas que viven en la pobreza. El pensamiento psicológico y pedagógico hegemónico, así como la praxis dominante en las aulas fomenta -sin pretenderlo intencionadamente ni el sistema educativo ni, mucho menos, el profesorado- la reducción al silencio de demasiadas niñas y niños, tratando de convertirlos en seres pasivos y resignados.
Las aulas escolares continúan siendo uno de los espacios privilegiados para construir nuestras interpretaciones acerca de la realidad, para abrir nuestro imaginario hacia otros mundos y, de manera especial, para vislumbrar otras posibilidades y alternativas. El currículum explícito y el currículum oculto estimulan, promueven y convierten en obvio, en natural y, por tanto, en neutrales y justas a determinadas explicaciones, conocimientos, realidades y aspiraciones y, simultáneamente estigmatizan, reprimen y condenan a otras.
Todavía en la actualidad, los análisis que venimos haciendo sobre el currículum oculto, por ejemplo, en cuanto a la selección de la cultura con la que trabajan las instituciones escolares, siguen poniendo de manifiesto un crónico y casi patológico silencio en torno a numerosas realidades del presente y de aquellas más significativas del pasado, las que poseen mayores potencialidades explicativas para entender lo que sucede en el mundo del presente. Es demasiado escandaloso cómo se siguen silenciando o deformando y manipulando las explicaciones acerca del racismo, del sexismo, de la homofobia, de la existencia de clases sociales, del neocolonialismo, de la pobreza y marginación, de las injusticias en el mundo laboral, de la realidad cotidiana de las personas con discapacidades intelectuales y/o físicas, de las enfermedades y sus consecuencias de todo tipo, etc. Este tipo de censura informativa está contribuyendo a construir un sentido común en el que estas realidades tan injustas de nuestro tiempo no se perciben, salvo por parte de las personas a las que más directa y explícitamente les afectan. Es de este modo como se facilita con mayor «naturalidad» la perpetuación de las situaciones de opresión y de injusticia que tantos seres humanos vienen sufriendo.
Que esto acontezca en el marco del sistema escolar es algo que debemos considerar como muy grave, pues significa que estamos privando al alumnado de posibilidades de desarrollo de unas capacidades cognitivas y socioafectivas, del acceso a unos conocimientos y procedimientos con los que informarse, juzgar y desarrollar estrategias de colaboración, organización y actuación para resolver los asuntos y problemas más urgentes y vitales, tanto comunitarios como personales.
Una política guiada por principios de justicia social precisa apostar por políticas de redistribución y de reconocimiento; por la redistribución de recursos y de posibilidades. Pues en las actuales sociedades, ni mucho menos rige la igualdad de oportunidades.
Cuando se realiza un mínimo seguimiento de la política educativa de la mayoría de los países es muy llamativa la enorme atención y obsesión con la que los grupos ideológicamente más conservadores vigilan los contenidos que legisla el Estado. Son casi siempre estos sectores conservadores y más fundamentalistas quienes, cuando el Estado no se somete a sus voluntades, le acusan de intromisión e, incluso plantean denuncias de todo tipo para obstaculizar el normal funcionamiento del sistema educativo, alegando que se ataca a la libertad de las familias. Un buen ejemplo de estas prácticas obstruyentes fue la objeción de conciencia que plantearon los sectores más fundamentalistas de la Iglesia católica y del Partido Popular a la asignatura Educación para la Ciudadanía y los Derechos Humanos, durante la legislatura del Gobierno del PSOE que presidía José Luis Rodríguez Zapatero. Suelen ser denuncias subrayando la intromisión del Estado, porque legisla e impone determinados contenidos culturales que se deben trabajar en las instituciones escolares que afectan a la libertad y a la democracia. Este fenómeno llama mucho la atención, pues la verdadera realidad es que nadie como estos grupos conservadores y neoliberales viene imponiendo sus opciones culturales y políticas y, por tanto, beneficiándose de las cosmovisiones culturales con las que los sistemas educativos y las instituciones escolares estuvieron y continúan moldeando el sentido común de la mayoría de la población.
El «sentido común» sociohistóricamente construido explica y sirve de justificación a lo que se considera deben ser los contenidos culturales objeto de atención preferente por parte del sistema escolar; convierte en evidente lo que se puede y podría hacer, así como lo que se debería hacer; y simultáneamente, transforma en ilógicos, irracionales, o imposibles a otras alternativas posibles y reales. Es el peso de este sentido común, construido sobre el silencio de tantas voces, generado y mantenido al margen de lo que se puede cuestionar y debatir, lo que nos permite entender muchas de las resistencias a los cambios e innovaciones en el sistema educativo. Asimismo, en ocasiones, este sentido común hegemónico entra en conflicto con las propuestas de innovación educativa más progresistas, promovidas por parte de los sectores más innovadores del sistema escolar, pudiendo llegar a generar algunas crisis personales y grupales.
El éxito de las organizaciones neoliberales y de las conservadoras y neoconservadoras no es que tengan unos objetivos mejores o más justos que los de las izquierdas, y que por eso incluso reciban más votos en los procesos electorales. Lo que explica sus éxitos tiene más que ver con las mayores posibilidades que disponen a través de sus redes mediáticas para conformar una mentalidad, un sentido común en la mayoría de la población. Bombardeo mediático que facilita el consentimiento y puesta en práctica de los egoístas intereses y metas de esos mismos sectores más poderosos de la sociedad.
Esto explica la existencia de importantes capas de la población que consideran que entra dentro de una lógica racional, y por tanto se considera como de sentido común, que alguien tiene que fracasar en las instituciones escolares. Son muchos años de tradición escolar clasificando, etiquetando al alumnado por medio de toda clase de rutinas e, incluso, recurriendo a instrumentos más o menos sofisticados, como tests de inteligencia, pruebas objetivas de rendimiento, etc. Instrumentos que se disfrazan de objetivos y neutrales y que acaban culpabilizando a cada uno de esos estudiantes; les convencen de que son ellos los únicos responsables de su fracaso. Este tipo de estrategias de etiquetado ignoran los contextos y condiciones sociales en las que se desenvuelve la vida de cada estudiante y la de sus familias.
Años atrás, este tipo de etiquetados se realizaba asumiendo que el destino de cada persona lo decidían las divinidades. Más tarde, a esta pseudoexplicación se fueron añadiendo otras igualmente exculpatorias de las responsabilidades de los seres humanos, como por ejemplo, recurrir a la estructura de la bóveda celeste en el momento de nacimiento de cada ser humano. A continuación, se pretendió fundamentar el éxito y el fracaso en los genes con los que nacíamos; al mismo tiempo, nos dedicamos a culpar al entorno del alumnado, de manera especial al rol perezoso o poco estimulante que venían desempeñando los padres y las madres pertenecientes a etnias y grupos sociales desfavorecidos, etc.
La lógica binaria conservadora y fundamentalista de que si hay “ganadores» tiene que haber “perdedores” se convierte en un mecanismo clave de funcionamiento del mercado capitalista y también de nuestro sistema educativo. Lógica que siempre sirve para disculpar el modelo de sociedad que nos hemos dado, y que es y debe ser cambiable en la medida en que no nos guste. La lógica darwiniana se apoderó de más ámbitos de los que debería.
Los modelos “científicos” del déficit refuerzan esta lógica o determinismo selectivo del sistema escolar. Se asume el implícito de que vivimos en sociedades donde reina la igualdad de oportunidades y que, por lo tanto, todos tenemos las mismas posibilidades, todos arrancamos de la línea de salida con iguales posibilidades; que, al igual que en una carrera olímpica o en el juego de la Oca, sólo podrá haber un vencedor y muchos perdedores. Esto explica que prendiera tan fácilmente la orientación mercantilista que está apoderándose día a día de nuestro sistema educativo.
Uno de los muchos obstáculos que debe salvar cualquier reforma educativa o innovación destinada a hacer frente a estas disfunciones que constatamos en nuestros centros y aulas escolares es la revisión y reconstrucción de los marcos conceptuales y teóricos. Marcos que deberán permitir hacernos conscientes de cómo nuestro propio sentido común no es el más pertinente para entender lo que acontece en los centros y, en consecuencia, para diseñar y evaluar propuestas educativas de intervención más relevantes y significativas para el alumnado; en resumen, para acomodar las finalidades del sistema educativo a las actuales aspiraciones y demandas sociales de mayor justicia social y curricular. En toda política educativa es urgente dirigir mucha mayor atención al currículum, a la vida cotidiana que tiene lugar en los centros escolares; es decir, obligarnos a plantearnos el tema de la justicia curricular.
La justicia curricular es el resultado de analizar el currículum que se diseña, pone en acción, evalúa e investiga, tomando en consideración el grado en el que todo lo que se decide y hace en las aulas es respetuoso y atiende a las necesidades y urgencias de todos los colectivos sociales; les ayuda a verse, analizarse, comprenderse y juzgarse en cuanto personas éticas, solidarias, colaborativas y corresponsables de un proyecto más amplio de intervención sociopolítica destinado a construir un mundo más humano, justo y democrático (Jurjo TORRES SANTOMÉ, 2011).
Formación del profesorado y educación inclusiva
Educar implica enseñar a ser personas críticas, reflexivas, creativas, no seres reproductores mecánicos de “verdades de la autoridad”. Esta es la manera óptima de capacitar a las personas frente a los intentos de adoctrinamiento y al pensamiento dogmático. Ser personas críticas y reflexivas conlleva poner en cuestión opiniones, verdades, tradiciones, … de una manera reflexiva, aportando argumentos y buscando una coherencia ética. Ser seres creativos obliga a saber que los problemas, dilemas, dudas, situaciones en las que nos encontremos tienen múltiples soluciones. Educar en la creatividad exige estimular un pensamiento divergente, soñar, imaginar y poner en acción otras vías de resolución de problemas diferentes a las que son fruto de rutinas.
Esta filosofía educativa requiere que tengamos en cuenta en qué medida en esa concepción crítica y reflexiva quedan o no excluidas culturas y realidades que las concepciones hegemónicas vienen silenciado y/o deformando de un modo escandaloso, como es en el caso que nos ocupa: la realidad y cultura del pueblo gitano. Es por ello que consideramos de gran urgencia que tanto desde las Administraciones educativas como desde las instituciones de formación y actualización del profesorado se apueste con mayor énfasis por modelos de educación realmente más justos e inclusivos.
La educación inclusiva es preciso contemplarla como un proyecto político destinado a identificar y a superar los obstáculos que impiden o dificultan a las personas acceder a las instituciones escolares, participar democráticamente en las aulas y tener éxito. Es un modo de desmontar la arquitectura de la exclusión y de la desigualdad y, simultáneamente de la autocupabilidad y/o autodio de las personas excluídas.
Son demasiados los ejemplos escandalosos en relación con este déficit de reconocimiento de la cultura gitana, de la realidad cultural a la que pertenece un sector del alumnado con el que obligatoriamente es preciso convivir en las aulas. Algunos son auténticos delitos, pero no es un secreto para nadie que en demasiados centros se practican admisiones del alumnado selectivas y claramente racistas, en la medida en que se están tolerando los agrupamientos gueto. Es preciso no olvidar que estamos hablando de una comunidad española, la gitana, que desde hace muchos siglos vive aquí y con la que, obviamente, se convive tanto dentro como fuera de las aulas.
La denuncia de políticas y prácticas discriminatorias contra esta etnia española que realiza un organismo público internacional como la European Commission against Racism and Intolerance (ECRI)[1], perteneciente al Consejo de Europa, es muy contundente. Así, por ejemplo, en su informe del mes de febrero de 2011, la ECRI hace declaraciones y recomendaciones encarecidas como las siguientes:
“Los problemas de la educación incluyen la distribución desigual de alumnos inmigrantes y gitanos y la existencia de escuelas ´gueto`” (pág. 9).
“La ECRI ha recibido informes constantes de la existencia de escuelas ´gueto` de niños inmigrantes o gitanos en algunas partes del país, y de prácticas discriminatorias en el proceso de admisión, que permiten a los colegios concertados seleccionar a los alumnos” (pág. 23).
Recomendación 65. “La ECRI recomienda encarecidamente que las autoridades españolas revisen el método de admisión de los alumnos en centros públicos y privados concertados y tomen otras medidas que puedan ser necesarias para garantizar una distribución equitativa de los alumnos españoles, inmigrantes y gitanos en los diferentes centros escolares” (pág. 23).
Recomendación 72. “La ECRI recomienda encarecidamente que la contribución positiva de la población gitana a la historia y la cultura española debería ser elemento obligatorio del plan de estudios para todos los alumnos en España. Este componente debería figurar también en el programa de formación del profesorado» (pág. 24).
Pero, pese a la publicación del Informe, la realidad hasta el momento presente es que no se le dio la debida publicidad en nuestro territorio, en especial entre el profesorado y entre la propia comunidad gitana. Y tanto el Gobierno central como el de las Comunidades Autónomas parece no haberse enterado de su existencia, pues hasta el momento presente no hemos visto que se estén tomando en consideración las recomendaciones encarecidas que dicha comisión realizó.
Una concepción verdaderamente inclusiva impone prestar mucha atención a la selección de la cultura que presentamos al alumnado para su aprendizaje, para contribuir a su desarrollo individual, a su socialización e inserción como ciudadanas y ciudadanos en la sociedad.
El profesorado tiene que ser muy consciente de que en las aulas trabajamos con una “selección” cultural. De ahí la importancia que los procesos de análisis crítico de la cultura deben tener en los programas de formación inicial y continuada de este colectivo profesional.
La formación del profesorado para trabajar desde una filosofía inclusiva también en este ámbito adolece todavía de importantes déficits, aunque hubo avances muy decisivos.
La preocupación por el alumnado gitano arranca de los inicios de la restauración de la democracia, cuando pequeños grupos de docentes más politizados y, por consiguiente con mayor sensibilidad y preocupación por el alumnado perteneciente a un colectivo muy marginado como era el de etnia gitana. Estudiantes que por primera vez llegabas a las aulas ordinarias (antes o no acudían a las escuelas o permanecían escolarizados en las famosas “escuelas puente”) y que se encuentran sin la preparación, recursos y ambiente adecuado para afrontar este nuevo reto.
Es así como a finales de la década de los setenta surge la Asociación de Enseñantes con Gitanos. Grupos de docentes de las distintas comunidades autónomas que trabajan con este alumnado entran en contacto y van generando dinámicas para compartir problemas, experiencias y formarse en equipo para mejorar la permanencia de este alumnado en el sistema educativo, ofreciéndoles una educación más relevante y de mayor calidad.
La Administración educativa, debido a las presiones de los colectivos docentes más progresistas, comenzó poco a poco a incluir esta línea de acción en sus programas; pero incidiendo casi exclusivamente en programas de ayuda psicopedagógica para facilitar la integración de este alumnado en las aulas ordinarias; mediante el ofrecimiento de cursos de formación y actualización del profesorado en los recién creados Centros de Profesores.
Pero realmente siempre faltó un elemento clave para poder hablar de una escuela verdaderamente inclusiva: la revisión de los contenidos culturales con los que se trabajaba en las aulas, de los contenidos de las distintas asignaturas de cara a constatar qué imagen se ofrecía de la historia, logros y realidades del pueblo gitano. Como máximo lo que se hacía era, aprovechando la experiencia del análisis del sexismo en los materiales curriculares, principalmente en los libros de texto, tratar de aplicar un modelo semejante para constatar la presencia o ausencia de personas de esta etnia en los libros de texto; comprobar qué se decía de ellas, en las rarísimas veces en las que se les nombraba en los libros de texto, en qué asignaturas, y, prácticamente, ahí acababa todo.
Por parte del profesorado más comprometido con el colectivo gitano, junto con algunos miembros de este pueblo, también se fueron construyendo los primeros materiales curriculares en los que se narraba la historia y características de la cultura gitana. No obstante, en la mayoría de los casos eran unidades didácticas para incorporar a mayores a los contenidos obligatorios que legislaban el Ministerio de Educación y las Consejerías de Educación de las distintas Comunidades Autónomas, y que acababan, además, siendo para consumo casi exclusivo de las niñas y niños gitanos que estaban en las aulas en las que trabajaba esta minoría de docentes con mayor sensibilidad política y social.
El reduccionismo psicopedagógico en la formación docente
No obstante, todavía en la actualidad los déficit que constatamos en esta parcela del la formación y trabajo del profesorado son muy llamativos. Desde hace años, los resultados de las investigaciones que sobre esta temática se vienen llevando a cabo están denunciando una notable desatención a la formación cultural del profesorado, y muy especialmente, en el de Educación Infantil y Primaria. En los planes de estudios de su formación universitaria prima de un modo muy llamativo el énfasis en una formación pedagógica y psicológica, dimensiones que son esenciales y que, lógicamente, no deben sufrir ningún recorte; pero es preciso que se amplíe y complete con una mayor formación sociológica y cultural. Si el profesorado tiene también que servir de acicate para apasionar al alumnado por la cultura, por los contenidos culturales que trabaja en las distintas asignaturas que imparte, en buena lógica, tiene que recibir también una relevante y significativa formación en esas mismas áreas de conocimiento. Tradicionalmente, existía el convencimiento de que aquella persona que sabe más de algo es la que reúne condiciones para poder iniciar, divulgar y alentar a las personas más novatas en esa parcela del conocimiento que ella domina. Pero desde hace décadas sabemos que para educar no es suficiente con saber la asignatura que se imparte; sino que es preciso conocer muchas otras cosas que facilitarán el aprendizaje a niñas, nos y adolescentes; por ejemplo, cómo se construye el conocimiento en las mentes del alumnado; de qué manera sus estructuras cognitivas y tipos de inteligencia condicionan las metodologías y recursos a emplear; con qué estrategias podemos motivarlos y mantener su interés; con qué tareas se facilitan aprendizajes, se educa éticamente, etc. Es sobre la base de estas necesidades formativas con la que cobra sentido y utilidad la formación en pedagogía, psicología, didáctica, filosofía y sociología; además de la debida especialización en las disciplinas que cada docente va a tener a su cargo.
El reduccionismo que supone apostar exclusivamente por intervenciones psicopedagógicas, descuidando una profunda revisión acerca de lo qué se dice, qué se omite, qué se distorsiona, qué se exagera, qué se da por sentado sobre la historia, realidad y cultura del pueblo gitano contribuye a culpabilizar al propio alumnado gitano de sus problemas en las instituciones escolares. Una política educativa de este cariz únicamente sirve para pretender asimilar culturalmente a los hombres y mujeres gitanas; obligarles a renunciar a sus identidades e incluso, lo que es peor, “autoconvenciéndolos” de que su cultura es inferior, que incluso ni la etiqueta de cultura merece.
Tampoco la importancia y la realidad del mestizaje cultural que se viene dando como resultado de tantos años compartiendo territorio se acaba de hacer visible en los programas de formación y de actualización docente.
Una cuestión ligada a lo anterior es la ausencia todavía del idioma histórico, el caló o romaní en el sistema educativo. Idioma que debe ofertarse a todo el alumnado, pues el caló es un idioma que es patrimonio cultural del Estado Español y de toda la humanidad. Asumir esta injustica histórica debe servir para hacernos conscientes de la muy reducida disponibilidad de profesorado con el dominio suficiente de este idioma, al igual que de un enorme vacío en cuanto a la existencia en los centros escolares de materiales curriculares, informativos y de creación en ese mismo idioma. Aunque en la actualidad ya hay materiales en esta lengua, su disponibilidad en la mayoría de las bibliotecas escolares es todavía completamente insuficiente. Una política basada en luchar contra la injusticia obliga a tomar medidas contundentes para subsanar esta injusticia con el pueblo gitano.
Otra cuestión que la Administración educativa viene descuidando es la incentivación de las personas gitanas para estudiar carreras universitarias que les animen a ser profesoras y profesores. La existencia de profesorado gitano en los centros escolares ordinarios es una medida de enorme poder educativo por lo que supone de facilitar puntos de referencia para el alumnado gitano, así como de visibilidad para el alumnado payo y de otras etnias inmigrantes de cara a hacerles plenamente conscientes de que todos los seres humanos somos iguales.
A propósito de las nuevas políticas educativas
La urgencia de estas realidades que venimos mencionando nos obliga, asimismo, a prestar atención a las Reformas Educativas actualmente en trámite, pues son las que van a condicionar desde la propia concepción y finalidades del sistema educativo hasta el modelo de sociedad y de persona a considerar como lógico, obvio, natural.
Estamos pasando de un capitalismo “suavizado” por un cierto Estado de Bienestar -preocupado por la desigualdad de oportunidades existente y, por tanto, comprometido con una cierta política de redistribución de la riqueza, de los beneficios y recursos, de reconocimiento y de participación-, hacia un neoliberalismo que conlleva un ataque mucho más frontal al actual Estado de Bienestar. Esto es lo que explica la orientación de las medidas legislativas que vienen tomando los distintos ministerios y consejerías de los gobiernos presididos por el Partido Popular y, en consecuencia la propuesta de Ley Orgánica de Mejora de la Calidad de la Educación (LOMCE).
El actual proyecto de reforma educativa es un claro ejemplo de cómo las políticas conservadores y neoliberales que promueve el Gobierno del Partido Popular que preside Mariano Rajoy, están dejando de ser una estrategia en la lucha contra las desigualdades sociales, culturales y económicas para transformar los centros y aulas escolares en un valioso recurso para satisfacer las necesidades de personal dotado con las competencias técnicas y profesionales, con el capital cultural que precisan las empresas que operan en los nuevos mercados globalizados; o sea, para facilitar y acomodar la consolidación de un capitalismo neoliberal y neocolonialista. Se pretende un cambio radical: pasar de educar ciudadanas y ciudadanos desde y para seguir consolidando el actual Estado de Bienestar, para reorientar por completo y de manera decisiva el sistema educativo de cara a construir las nuevas personalidades neoliberales destinadas a vivir en sociedades neoliberales; o sea, se apostando por instrumentalizar el aparato escolar para formar personalidades “empresarias de sí mismas”, algo que vendría a ser como la solución conservadora a la lucha de clases. Si todos somos empresarios de nosotros mismos, ya no es válida la distinción entre obreros y empresarios, entre explotados y explotadores.
Si para educar a ciudadanas y ciudadanos es preciso garantizar una educación más integral, humanística, científica y artística; ahora para formar para el mundo del trabajo y del consumo se pretende incidir prioritariamente en aquellos conocimientos y destrezas que precisa e interesan al mercado. El proyecto de la LOMCE lo que busca es instruir al alumnado con la mirada puesta en la rentabilidad económica de todo lo que hace y, por tanto, obsesionada con el conocimiento técnico, instrumental y vendible en el mercado de trabajo; seres humanos dominados con preocupaciones economicistas en sus análisis a la hora de tomar decisiones acerca de lo qué estudiar y elegir en el sistema educativo; personas, por tanto, fascinadas con los objetos de consumo, uno de los principales motores de su esfuerzo y de su razonamiento.
De ahí que para llevar adelante este cambio se pretendan recortar las asignaturas que integran las ciencias sociales, las humanidades y las artes, así como el tiempo a ellas destinado. Esta política educativa es la razón de que desaparezcan, entre otras, las materias de Educación para la ciudadanía y los Derechos Humanos y de que se sitúe en el mismo plano para elegir: Valores culturales o Religión. Asimismo, se amplía el currículum obligatorio con los contenidos de educación financiera; contenidos que ya se sometieron a evaluación en las últimas pruebas PISA (2012) que se acaban de aplicar y cuyos resultados deben hacerse públicos en el presente año, 2013.
Pero, lo que no debemos olvidar es que históricamente y todavía en el presente, lo que sirvió para movilizar a la comunidad educativa y a la sociedad en general es caer en la cuenta de que educar es parte de un proyecto de construcción de un futuro mejor que tratará de mantener los logros y la memoria de los fracasos para evitar volver a caer en errores del pasado, superar las ruinas de la historia.
En este sentido, las humanidades, ciencias sociales y las artes son precisamente ese gran testigo crítico de la historia, de la renovación constante de los ideales, intervenciones, logros y construcciones de los seres humanos. Las humanidades, ciencias sociales y las artes, como producto de la cultura, son siempre una tarea política, ya que son el resultado de una mirada selectiva a lo visible y a lo que quienes están en el poder y tienen más poder decisorio pretenden ignorar; son campos del conocimiento en los que cabe siempre la opción de primar a unas voces frente a otras.
Estas áreas del conocimiento estudian el mundo vivido como experiencia, como resultado de voluntades humanas y de condiciones sociohistóricas; no de una manera impersonal, como será el caso en muchas ocasiones en las ciencias experimentales y tecnologías. Las ciencias sociales, las humanidades y las artes contribuyen decisivamente a dar sentido, a explicar ideales y frustraciones humanas. Es esta modalidad de reflexividad la que nos permite entender conceptos, saberes, valores, técnicas, procedimientos, … que dan sentido a nuestra existencia, que iluminan nuestras producciones técnicas, científicas, políticas, artísticas y sociales.
Si cercenamos estas dimensiones en los contenidos curriculares obligatorios en el sistema educativo, estaremos ante un tipo de formación con la que educaremos personas que asumirán como muy difícilmente subsanables las injusticias presentes en el mundo actual y, por tanto tampoco en el futuro. Considerarán las desigualdades sociales como obvias, fruto de determinismos genéticos o religiosos, o debidas a causas derivadas del azar, pero tendrán demasiadas limitaciones para comprender de qué manera las políticas y legislaciones vigentes favorecen preferentemente a determinados colectivos sociales y personas, y perjudican a otros.
Con este tipo de políticas educativas y con la amplificación y, normalmente, la manipulación mediática con la que se explican a la ciudadanía para lograr su consentimiento, aprenderán a ver a la economía como el único motor y razón de ser de las decisiones y medidas a implementar. La política, la filosofía, la ética y, en general, las ciencias sociales y humanas se mostrarán como ámbitos del saber de menor importancia. Todos los interrogantes que se lleguen o no a hacer sobre el porqué de lo que acontece en nuestras sociedades estarán demasiado condicionados por la estructura de contenidos culturales que el sistema educativo les presenta a las nuevas generaciones como más relevantes y pertinentes; por los procedimientos y destrezas que van desarrollando en su paso por las aulas, por los dilemas morales que se le vayan planteando y los modos de pensarlos y enfrentarlos.
Es obvio que con este tipo de énfasis economicista y positivista en el currículum, que ahora se pretende, se dificulta al alumnado poder cuestionarse y hacer frente a cualquier situación de injusticia y de privilegio.
Estamos ante una visión instrumental y economicista de todo cuanto se estudia en las aulas; una educación que impide otras problematizaciones y visiones más completas e interdisciplinares acerca del verdadero significado, valor y funciones del conocimiento y, en general, de la educación de cara a construir otras sociedades más democráticas, justas y solidarias.
De la mano de las reformas educativas que se vienen promoviendo en las últimas décadas estamos permitiendo una educación al servicio de una intensa despolitización, claramente individualista, tratando de aislar a cada estudiante-ciudadano, de incapacitarlo para verse en comunidad, corresponsable del presente y futuro de su comunidad.
Este énfasis mercantilista se trata de disimular recurriendo a palabras que en el actual momento de crisis económica tienen cierto atractivo y resultan muy convenientes, pero, lo que es más importante, tratando de interpretarlas muy sesgadamente; o sea, instrumentalizándolas para ponerlas al servicio de los sectores económicos más poderosos. Es importante resaltar cómo estamos siendo bombardeados con términos empresariales entre los eslóganes y conceptos con los que el Ministerio de Educación, las grandes corporaciones empresariales y las fundaciones filantro-capitalistas tratan de buscar nuestro consentimiento en la reorientación neoliberal y conservadora de los sistemas educativos. Este es el caso de palabras de moda en la actualidad en los discursos educativos con los que estos organismos tratan de forzar la aceptación de las nuevas reformas educativas neoliberales, tales como: empleabilidad y cultura del emprendimiento.
Tanto el discurso de la empleabilidad como el de la cultura del emprendimiento, en el marco en el que se pronuncia, nunca pone en cuestión el actual sistema productivo capitalista y, por tanto, tampoco el vigente mercado laboral. Esta filosofía, en consecuencia, va a condicionar decisivamente la educación que los sistemas educativos ofrecen, sus contenidos culturales, metodologías didácticas y modos de evaluación.
Pero, tampoco podemos obviar el fuerte rechazo social del que la LOMCE viene siendo objeto desde sus primeros borradores. Prácticamente todos los sectores -profesorado, estudiantes, familias, organizaciones políticas, sindicales y sociales- vienen denunciado este cambio de rumbo que los grupos más conservadores y neoliberales pretenden darle al sistema educativo.
La apuesta por el optimismo curricular
Es preciso asumir perspectivas pedagógicas que superen los discursos y modelos que ponen el acento principal en el déficit. Obviamente, existen estudiantes a los que las instituciones escolares les cuesta más entenderlos, motivarlos y proponerles proyectos curriculares apropiados a sus capacidades actuales, intereses y conocimientos previos. Pero esto significa que estamos ante situaciones que requieren de un profesorado y de la colaboración de especialistas pertinentes que traten de detectar con mayor precisión cuáles son las características y puntos fuertes y débiles de cada estudiante en concreto; partiendo siempre de que esas barreras que en este momento concreto obstaculizan determinados aprendizajes, tiene que ser posible superarlas; que precisamos ensayar otras estrategias diferentes a las que veníamos utilizando, hasta dar con otras más eficaces.
Lo que no podemos consentir son expectativas negativas sobre las posibilidades de superación de cada persona; algo que contradice las metas del conocimiento científico. La ciencia siempre progresó sobre la base del optimismo; de que es posible resolver cualquier problema, cualquier reto; únicamente es cuestión de investigar y ensayar hasta dar con el método adecuado. De lo contrario, lo que estamos haciendo es adoptar modelos de predestinación en las vidas individuales o la existencia de un código genético determinante del éxito y fracaso social de las personas. Asimismo, implica estar apostando por modelos de culpabilización, de un exagerado individualismo en el que cada persona tiene siempre su futuro en las manos; o sea, estamos reforzando la injusta e inmoral lógica del «sálvese el que pueda»; culpando y responsabilizando de su situación a las personas de los colectivos más desfavorecidos, con mayores déficits. Sería cada una de esas personas la culpable de su situación de menesterosidad y, por tanto, de que su educación tenga toda clase de déficits.
Una parte importante del alumnado problemático en los centros, con modelos de conducta antisocial, no podemos ignorar que pertenece a familias desfavorecidas económicamente y socialmente, o que están pasando por complejas circunstancias de índole interpersonal, social, médico o laboral. Suele ser frecuente la realidad de chicas y chicos que viven, en muchos casos, en primera línea esas enormes tensiones; que se sienten rechazados o infravalorados en su propio ambiente vecinal e, incluso, familiar y que, a continuación, sienten que en las escuelas a las que asisten tampoco son bienvenidos. Estas vivencias negativas no hacen más que acumularse en sus vidas, lo que les lleva rápidamente a verse como seres fracasados y, en consecuencia a buscarse salidas alternativas, no importando que sea sobre la base de la violencia y/o de un amplio abanico de comportamientos disruptivos.
Tengamos muy presente que mediante el estudio de los contenidos curriculares tal y como son incorporados y tratados por la gran mayoría de los libros de texto con los que se trabaja en nuestros centros escolares, las niñas y niños gitanos, aunque no sea de manera intencional, van a ser objeto de las distintas manifestaciones en las que se manifiestan y reproducen las desigualdades: falta de presencia y de reconocimiento. Es preciso ser muy conscientes, y por tanto poner remedio inmediatamente a la carencia de recursos informativos y educativos en los centros en los que aparezcan destacadas las aportaciones de su cultura en los que su historia sea tratada con rigor y con respeto. Debido a que una buena parte de este tipo de estudiantes además viven de situaciones de pobreza y sus familias poseen un bajo capital cultural, sus modales y aspecto físico tampoco les hacen ser estudiantes que reciban suficiente cariño, cuidados, apoyo y solidaridad tanto por parte del resto del alumnado como también, en demasiadas ocasiones por parte del profesorado (Kathleen LYNCH, John BAKER y Maureen LYONS, 2009). No acostumbran a ser el tipo de estudiantes que reciben mayor atención y durante más tiempo, por el contrario es muy frecuente que sean quienes sean objeto de miradas dirigidas a vigilancia y de sospecha. Sin embargo, nunca debemos olvidar que siempre que el profesorado se vuelve consciente de estas situaciones los problemas comienzan a solventarse con mucha mayor celeridad. Necesitamos cortocircuitar los efectos perversamente reproductores del sentido común clasista, racista, sexista y homófobo que fuimos construyendo en nuestro propio paso como estudiantes por el sistema educativo.
Una institución escolar comprometida con la justicia curricular obliga a que el ejercicio profesional del profesorado se rija activa y reflexivamente con principios éticos como: integridad e imparcialidad intelectual, coraje moral, respeto, humildad, tolerancia, confianza, responsabilidad, justicia, sinceridad y solidaridad (Jurjo TORRES SANTOMÉ, 2009, págs. 74 – 75).
Ser optimista ante las posibilidades de la educación requiere de buenos profesionales que sepan diagnosticar y comprender las causas y condiciones sociales, culturales, políticas, laborales y sanitarias que están haciendo más difícil y problemática la vida cotidiana de los niños y niñas pertenecientes a familias que están pasando por mayores dificultades. El profesorado, no puede pasar por encima de los problemas, sino que debe ayudar a las chicas y chicos a articular sus respuestas. Las distintas opciones para hacerles frente serán más eficaces mediante un conocimiento político de las dificultades y de las oportunidades. También es importante que el alumnado que crece en situaciones de pobreza pueda apreciar el duro esfuerzo y trabajo que se necesita llevar a cabo para salir de esa situación; pero debe, igualmente, poder visibilizar que hay instituciones, organizaciones sociales y muchas personas -entre ellas el profesorado- que están trabajando a su lado, de sus familias y vecinos para ayudar a hacer frente a estas injustas situaciones.
Vivimos en un mundo donde el ejercicio de los derechos y obligaciones de la ciudadanía requiere de personas con información, conocimientos, procedimientos suficientes y relevantes para comprender e intervenir a nivel local, nacional y mundial; seres humanos activos, críticos, conscientes de sus responsabilidades. Y en la conquista de esta meta el sistema educativo tiene y debe desempeñar un papel fundamental.
Si realmente en nuestras aulas se trabaja con un currículum optimista, mediante el que se aprenden a ver las estrategias utilizadas por otros países y colectivos sociales que en otros momentos históricos fueron objetos de situaciones de discriminación muy semejantes a las que vino y continua soportando el pueblo gitano, las nuevas generaciones aprenderán también que sus problemas tienen solución y, por tanto, a articular acciones realmente eficaces en esa dirección.
Asegurar y perfeccionar la democracia conquistada es un proceso permanentemente abierto y que requiere de una ciudadanía informada, educada, alerta y utópica, con fe en el futuro, porque desde hoy trabajamos para garantizarlo.
Bibliografía
LYNCH, Kathleen; BAKER, John y LYONS, Maureen (Comps.) (2009). Affective Equality. Love, Care and Injustice. New York. Palgrave, 2009.
TORRES SANTOMÉ, Jurjo (2009). La desmotivación del profesorado. Madrid. Morata, 2ª edic.
TORRES SANTOMÉ, Jurjo (2011). La justicia curricular. El caballo de Troya de la cultura escolar. Madrid. Morata.
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[1] ECRI – Cuarto Informe sobre España. 8 de Febrero de 2011) www.coe.int/ecri
http://www.coe.int/t/dghl/monitoring/ecri/country-by-country/spain/ESP-CBC-IV-2011-004-ESP.pdf
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“ La justicia curricular y la formación del profesorado”
Jurjo Torres Santomé
Revista Asociación de Enseñantes con Gitanos, nº 30 (2013) págs. 85 – 94
Asociación de Enseñantes con Gitanos
http://aecgit.pangea.org/
“Los profesores tenemos que aprender que todos somos racistas, sexistas, homófobos …”
ANA LÓPEZ entrevista a Jurjo Torres Santomé
Escuela. Núm. 3.914 (1.232) 15 de septiembre de 2011, págs. 32 – 33
El catedrático Jurjo Torres Santomé lleva años analizando en sus libros los distintos aspectos del sistema educativo. Su última obra, “La justicia curricular. El caballo de Troya de la cultura escolar” lo revisa desde un punto de vista más global, dejando de lado cuestiones específicas para ir a la propia razón de ser de ese sistema educativo.
En este libro se analizan las principales transformaciones que están aconteciendo en la actualidad, los mensajes que esas transformaciones están enviando a la escuela y las repercusiones sobre los materiales curriculares.
¿Cómo nace esta obra?
Desde hace años estoy no- tando en falta un debate sobre el sentido y la finalidad del sistema educativo y sobre lo que debe aprender el alumnado en un mundo cada vez más dinámico. En las últimas décadas hubo muchas transformaciones. Aprendimos a vivir en la globalización, el mundo tiene menos fronteras y en todos los grandes campos del conocimiento, en todas las esferas de la sociedad, se están produciendo cambios muy radicales.
Hablo en concreto de grandes revoluciones, transformaciones de muchísimo calado en el conocimiento, en la tecnología, en las relaciones humanas, en los valores… Y hay que ver en qué medida el sistema educativo se está enterando de esto, le está dando una respuesta y está preparando a ciudadanos que viven en ese mundo.
¿Lo está haciendo?
Yo me dedico a analizar muchos materiales curriculares y llevo años obsesionado con la inadecuación y descontextualización del mundo real. Como este tipo de cambios se están agudizando y cada vez son mayores, los conocimientos deben actualizarse. El sistema educativo debe estar continuamente revisando los contenidos, ya que la formación académica se limita a unos años y la producción de nuevos conocimientos es enorme.
Es necesario el debate de qué contenidos quitar y qué contenidos añadir. Si hay cosas nuevas que hay que aprender, igual también hay cosas antiguas de las que se puede prescindir. Lo único que sabemos es cuantos estudiantes aprueban o fracasan, y le echamos la culpa a todo, pero igual hay que ver si esa cultura que decimos que es tan básica, lo es realmente, o si el alumnado lo vive así. Este debate nos urge.
De aquí se desprende que los contenidos curriculares no han evolucionado lo suficiente…
No. Curiosamente, en las carreras universitarias se introdujeron muchas titulaciones. Si comparas el catálogo de titulaciones de hace 15 años con el de ahora, no se parecen en nada. Han surgido muchos campos de conocimiento nuevos y cada año surgen más, pero en el sistema educativo no se introducen. Se sigue pensando con los esquemas más disciplinares y se siguen reproduciendo los mismos esquemas que estudiamos hace muchos años, como si fueran grandes certezas, en un mundo donde las certezas están cada vez más en disputa.
El sistema educativo debe adaptarse a la democratización de la sociedad que se ha producido en los últimos años. Muchas voces que estaban silenciadas, como la de las mujeres, los pueblos del tercer mundo, lo niños… han empezado a tener peso, y el sistema educativo debe escucharlos. Pero los libros de texto siguen siendo de un eurocentrismo brutal, una mirada que explicaba el colonialismo, pero que no explica una sociedad que tiene que ser democrática, respetuosa, igualitaria, diversa …
¿Esto es a lo que se refiere con justicia curricular?
La justicia curricular trata de ver en qué medida esos contenidos son justos y contribuyen a hacer una sociedad más justa, si son contenidos que favorecen más a determinados colectivos o pueblos, o al revés, los silencian y los atacan… En el libro voy analizando cada una de las doce revoluciones que se están produciendo y como cada una de ellas le está mandando mensajes a la institución escolar y nos está obligando a repensar.
En el sistema educativo es donde nos enseñan a ver el mundo, donde nos lo explican y nos capacitan para intervenir sobre él. Por lo tanto, hay que ver si realmente estamos ayudando a los estudiantes a comprender el mundo en el que viven.
Muchos niños no encuentran en la escuela las explicaciones a las dificultades o a las situaciones personales que viven, no se sienten representados e incluso llegan a pensar “que desgracia de familia tengo”. Se crea un lenguaje que no explica el fracaso porque se cree que a los niños no se les puede hablar de las injusticias, pero ellos las viven y al salir de clase tienen que volver a la realidad y encontrar explicaciones a sus preguntas. Por lo tanto es muy fácil que busquen unas explicaciones que no les da la escuela, y que son incorrectas y falsas.
¿Y cómo se puede resolver esto?
El objetivo es ayudar a pensar mostrando todas las perspectivas, no ocultándolas, y utilizar las materias para hablar de la realidad. Siempre hubo tendencia a pensar que hay determinadas materias que son asépticas, pero puedes enseñar matemáticas hablando de la realidad: los costes que afronta una familia en relación al salario, lo que se puede comprar… Por ejemplo, en el sistema educativo no se aprende lo que es el mundo laboral, lo que es la política, lo que implica votar…
En el libro habla de doce revoluciones, ¿hay alguna de ellas que tenga más influencia sobre el sistema educativo?
Todas la tienen. Hay tendencia a creer que lo único que está pasando en el mundo es el cambio tecnológico, pero también hay una revolución en las relaciones sociales. Por ejemplo, en el siglo XX se aprobaron un montón de cartas de derechos y todos los colectivos que se organizaron tuvieron éxito y consiguieron que la ONU le reconociera una carta de derechos: las personas indígenas, los discapacitados… Cada una de estas cartas establece que el sistema educativo tiene ciertas obligaciones, pero pregunta al profesorado cuántas conocen o cuáles están pendientes y se están reclamando.
¿Cómo debe trasladarse esa revolución social a la escuela?
Tenemos que aprender a vernos de otra forma diferente a la de antes, ser conscientes de que todos somos iguales y aprender a relacionarnos de igual a igual.
Uno de los grandes aprendizajes que tuvimos que hacer los hombres fue el de relacionarnos con las mujeres de esta manera. Toda la ciencia y toda la política nos decía que las mujeres eran seres inferiores, pero se fue luchando por la igualdad y demostrando que las leyes eran machistas y se apoyaban en ideas falsas. A partir de ahí hubo que aprender a relacionarse de igual a igual, y el sistema educativo fue uno de los instrumentos clave en este sentido.
También hay que aprender a relacionarse con el alumnado. La Carta de Derechos de la Infancia dice que los niños son ciudadanos desde el momento en el que nacen, que tienen voz y hay que escucharlos. Sin embargo, una de las palabras que más escucha un estudiante en el sistema educativo es silencio. Se les anula.
Es una consideración de la infancia basada en su propia etimología, Infancia viene de la palabra latina “infans” que significa “el que no habla”, hasta el vocabulario nos traiciona. Es necesaria aprender a tratar a los niños como iguales y para eso el sistema educativo debe repensarse.
Esto supone también un cambio de estrategia entre el profesorado…
Sí, es necesario darse cuenta de esta nueva visión y empezar a emplearla en la formación del profesorado. En las nuevas facultades se está empezando a estudiar este tipo de cosas, pero aún queda mucho.
Una revolución social es eso, aprender a relacionarse con colectivos que hasta el momento considerábamos desiguales o incluso inferiores. Hay que cambiar el chip y para eso lo primero es saber quiénes son y asumir que estamos llenos de prejuicios y debemos reeducarnos.
Lo primero que tenemos que aprender el profesorado es que todos somos racistas, sexistas, homófobos, porque nuestra sociedad es así … Dejar de serlo implica una pereza intelectual muy fuerte, y lo lógico es que pensemos que no lo somos, pero lo más inteligente es reconocer que sí, estar alerta, autoanalizarnos y neutralizarlo.
No somos máquinas y no tratamos a todos los alumnos igual, tenemos preferencias, intereses, simpatías, y solo cuando nos demos cuenta de que hay unos estudiantes que nos caen mejor y otros peor, que con algunos nos comunicamos mejor y con otros peor, podremos elaborar una estrategia para neutralizarlo y estimular a ese alumnado con el que nos cuesta más relacionarnos.
Decía antes que la revolución tecnológica no es la única que está ocurriendo, sin embargo es cierto que está ahí y que Internet es actualmente un importante canal de información y comunicación, ¿de qué manera influye sobre el sistema educativo?
La labor del sistema educativo es enseñar a analizar todo ese exceso de información que nos aporta Internet, y capacitarlos para sacarle provecho.
La cultura de la memorización tenía sentido en una sociedad donde el acceso al libro era más difícil y la memoria era la forma de transmitir el conocimiento de generación en generación. Hoy en día no hay que estar tan obsesionados por el olvido, ya que la información está ahí. El sistema educativo tiene que ser consciente de que si hay máquinas que hacen algo no hay que esforzarse tanto por hacer esas tareas. Es decir, hay que usar los cerebros humanos para hacer algo que las máquinas no pueden hacer: analizar, juzgar la información, detectar los sesgos, saber lo que es relevante y lo que no lo es…
Una de las tareas más importantes que tiene ahora mismo la educación es enseñar con qué criterio juzgar la información, ya que en la tarea de proporcionarla rivaliza con otras instancias que lo hacen mejor. Si te quieres informar sobre algo tienes muchos canales temáticos, revistas, museos, películas… con información más actualizada y amena. Sin embargo, fuera de la escuela, no hay otro instrumento que nos ayude a analizar y reflexionar sobre esa información.
Si la escuela solo está para proporcionar información, soy el primero que dice que cerremos las instituciones.
Entonces el libro de texto, que si- gue siendo la pieza fundamental en la escuela, no tiene sentido…
El libro de texto en el sentido tradicional no tiene sentido. En una sociedad de la información, trabajar con una única fuente informativa no tiene sentido, esto nos hace personas dogmáticas. Dejamos de ser dogmáticos cuando podemos contrastar esas informaciones con otras. Hay que aprender a trabajar con muchos libros, con versiones diferentes, para que los alumnos aprendan a valorar y contrastar. Aprendes a ver que un canal de información te manipula cuando lo comparas con otros.
El sistema educativo tiene que prever que las informaciones están construidas por seres humanos, que tienen intereses, están condicionadas y que pueden estar equivocadas, por eso hay que contrastar. Una escuela que trabaja solo con libros de texto, trabaja con la biblia, y esto hace personas dogmáticas.
Una vez más vuelvo al profesorado, ¿está preparado para este cambio?
Hablar del colectivo del profesorado en general es muy perverso, es un colectivo donde hay de todo. La cuestión es que deben estar preparados, y si no lo están, las autoridades deben tomar medidas para que lo estén.
El sistema educativo pone de moda cosas, filosofías, modelos … y tendrá que mirar si el profesorado está preparado, incentivarlo y apoyarlo para que trabaje de esa forma.
¿Y la familia? ¿Qué papel juega en todo esto?
También hay que aprender a revisar la relación con las familias. En las instituciones de formación del profesorado no se acostumbra a explicar que rol juegan, nadie nos capacita para hacer una entrevista a una madre o un padre y no sabemos relacionarnos con ellos. Podemos hacer preguntas inconvenientes, que no son necesarias, o que agreden … No de manera consciente, sino porque no sabemos hacerlo de otra forma.
Además, es importante tener en cuenta que hoy en día todas las madres y los padres han pasado por el sistema educativo. Esto implica que tienen una experiencia del pasado que no tenían los padres de hace años, que mitificaban la escuela. Ahora no, han pasado por la ella y han tenido unas determinadas vivencias, buenas o malas.
Como profesor, es importante que me relacione con las familias sabiendo esto, intentando aproximarme a ellos y buscando su colaboración. Nos falta mucho este tipo de tacto, entre otras cosas debido a que la carrera de profesor es muy corta y en cuatro años no da tiempo a aprender toda la cantidad de conocimiento que necesitas para ejercer esta profesión. No precisamos de menos formación que un médico.
De todas formas tampoco se debe caer en la parentocracia.
¿A qué se refiere?
En el sistema educativo siempre ha sido importante el papel de las familias y se cayó en una especie de parentocracia. Se está dando peso a las familias y se olvida que esos niños son ciudadanos. Una persona que no tiene hijos no debe desinteresarse de la educación, ya que ahí se están educando los ciudadanos que viven contigo y que en un futuro tendrán responsabilidades. Esta preocupación tiene que ser de toda la sociedad.
Además, cuando decidimos como padres tomamos decisiones más egoístas que cuando decidimos desde un punto de vista social, ahí somos más generosos. El sistema educativo tienen que hacer ver a la sociedad que todos somos corresponsables de la educación de los ciudadanos más jóvenes, y que tiene que haber una participación más activa sobre el sistema educativo.
En conclusión, ¿qué persigue con este libro?
Lo que pretendo es resituar en el sistema educativo determinadas tareas que se nos están olvidando, que hay que ver de una forma integral. Parece que el sistema educativo solo tiene la finalidad de colocarte bien ante el mundo laboral, por eso los centros bien valorados son los que tienen buenos resultados en PISA, pero PISA solo mide tres criterios y hay muchas otras cosas que no mide.
Las lagunas del sistema educativo se detectan porque existe debate. Por lo tanto, habrá que ver si se está produciendo este debate.
15 de septiembre de 2011
“Los profesores tenemos que aprender que todos somos racistas, sexistas, homófobos …”
Ana López entrevista a Jurjo Torres Santomé
Periódico ESCUELA, Núm. 3.914 (1.232) 15 de septiembre de 2011, págs. 32 – 33
La reforma educativa y la psicologización de los problemas sociales
Jurjo Torres Santomé
Universidade da Coruña
En VV. AA. (1991). Sociedad, Cultura y Educación. Homenaje a la memoria de Carlos Lerena Alesón. Madrid. Edit. Centro de Investigación y Documentación Educativa (CIDE – Ministerio de Educación y Ciencia) y Universidad Complutense de Madrid, págs. 481-503.
Una de las notas características de todos los programas de reforma es que ofrecen estilos particulares de lenguaje, rituales y ceremonias con la clara pretensión de favorecer un sentimiento de que las cosas van a ir a mejor, tanto entre los propios profesionales y usuarios como entre el público en general. La dramaturgia de la que se acompaña debe contribuir a reforzar la creencia en los procesos institucionales y en la competencia profesional; presenta a las organizaciones sociales que la plantean como progresistas, atentas a las necesidades de sus consumidores y usuarios y con capacidad para dar una respuesta adecuada a sus demandas. La habilidad para generar nuevos simbolismos en torno a los que conseguir grados de afiliación es muy importante para la estabilidad de las instituciones y para seguir manteniendo su credibilidad. (J. W. Meyer y B. Rowan, 1977). La continua regeneración de ilusiones entre los miembros de cualquier sociedad es una meta prioritaria para las distintas Administraciones públicas que la gobiernan, en el caso que nos ocupa, para la Administración Educativa. Crear y devolver periódicamente las esperanzas a los administrados es un imperativo primordial para no producir un desmoronamiento de esa Administración y poner en peligro el Gobierno de ese pueblo.
La Reforma del Sistema Educativo del Estado Español cabe pensarla desde esta óptica de corrección de los grandes desajustes que en este momento caracterizan a la esfera de la educación y la de, por lo tanto, insuflar esperanzas, engendrar unas expectativas positivas ante los problemas que los distintos colectivos sociales (profesorado, alumnado, sindicatos, empresarios, y la sociedad en general) vienen diagnosticando y padeciendo día a día.
Aunque no podemos olvidar pensar que también son muchos los que detectan muchas más dificultades en el sistema educativo de las que a éste le corresponden. Vivimos épocas en las que está de moda el concentrar todas nuestras iras en las instituciones educativas, dejando más de lado otras instituciones y, lo que es más importante, otras Administraciones que quizá tienen y necesitan decir mucho más. El peligro de volver a reinventar el mito de la educación como compensación de todas las desigualdades sociales está a la vuelta de la esquina y esto es clave tenerlo en nuestro punto de mira, pues aunque es obvio que el sistema educativo tiene grandes problemas no es menos importante que nunca como en este momento histórico hubo un exceso tan notable de «sobreeducación». La inmensa mayoría de puestos de trabajo están ocupados por hombres y mujeres con un exceso de destrezas y conocimientos para satisfacer las demandas de tales lugares de trabajo.
Es necesario abrir un debate acerca de cuáles son las funciones de la escuela en el mundo concreto que nos toca vivir, cuáles son las demandas a las que debe dar cumplida respuesta, qué contenidos culturales: conceptos, teorías, valores, destrezas, actitudes, hábitos son los que es necesario fomentar, qué clases y grupos sociales son los que deben participar en este gran debate, etc. Estos son algunos de los interrogantes a los que en este país todavía no se dio una respuesta satisfactoria. Aunque el Ministerio de Educación y Ciencia pretendió iniciar este Debate pienso que la mayoría de los ciudadanos y ciudadanas de este Estado podríamos coincidir en que estuvo muy lejos de ser algo más que una mera enunciación y preparación de la temática a discusión. Las causas de ello no me voy a parar en detectarlas, primero porque no ¿reo que las tenga todas localizadas y segundo por falta de espacio. De todos modos, si quisiera dejar clara mi opinión de que en tan poco tiempo (apenas un año) no se puede hacer un debate como el que sería preciso realizar y peor todavía si éste se lleva a cabo casi exclusivamente a base de «conferencias». Algunos países catorce años después de iniciar el Gran Debate, como el que inició en el Reino Unido en 1976 el primer ministro James C: allegan, que dio origen a una gran confrontación de puntos de vista entre asociaciones profesionales (y no sólo de enseñantes) y colectivos sociales de lo más variado acerca de qué metas y contenidos culturales debe favorecer la escuela, todavía siguen con tal discusión, aunque ahora ya muy cansados, especialmente después de la aprobación de su Acta de Reforma de la Educación de 1988.
Un debate tan poco estimulado (y quizá también tan poco estimulante) como el que en el Estado Español se está llevando a término corre el peligro de no hacer otra cosa que favorecer una concepción de que las reformas educativas no son otra cosa que mixtificaciones lingüísticas y poco más, y, lo que es peor, seguir perpetuando un sentimiento de fatalismo ante las posibilidades de transformación de la realidad. Quizá una probable explicación de esta pobreza se encuentre en la poca incentivación de prácticas escolares innovadoras en el interior de las instituciones educativas, en los escasos estímulos para su análisis y confrontación con otros modelos teóricos y prácticos, en la ausencia de un análisis crítico de lo que en las aulas se favorece y lo que la sociedad demanda. Esta ruptura entre los legisladores y los profesionales que día a día trabajan en las escuelas puede hacer creer a los políticos que con sólo establecer un pequeño debate y a continuación legislar, se llega a transformar la realidad.
La renovación de un sistema educativo de cara a alcanzar un mayor nivel de calidad no es consecuencia directa ni exclusiva de una manifestación de tales deseos vía su publicación en documentos oficiales. La innovación curricular es el resultado de un entramado de medidas e intervenciones en el sistema de enseñanza que de una manera simultánea y coordinada van creando, poco a poco, las condiciones apropiadas para favorecer una mejora en los procesos de enseñanza y aprendizaje que tienen lugar en los centros y aulas escolares.
Las medidas legislativas y administrativas pensadas para incidir en el ámbito educativo se acostumbran a concebir, en la mayoría de las ocasiones, con aires de paternalismo, excesivamente proteccionistas, incorporando múltiples compromisos para el futuro, sin embargo sus autores y/o promotores acostumbran a dar por concluida su tarea una vez finalizada la redacción de esa legislación o recomendación de turno.
El recurso a concentrarse prioritariamente en discursos de justificación y de promesas, con la utilización de lenguajes más o menos tecnicistas y tratando de actualizar terminologías ya muy usuales, es algo que a la larga acaba por agobiar a los políticos y legisladores restándoles un tiempo que resultaría más eficaz si se destinase a planificar y desarrollar medidas de acción más directa. Este esfuerzo de redacción se agota en la producción del discurso y nunca llega a traducirse a la acción práctica. Por otra parte, los destinatarios de tal legislación, que empiezan ilusionándose con el futuro que se les promete, terminan por desesperarse y convertidos en escépticos en la medida que no acaban de ver acciones resolutorias de alcance que se dejen notar en el desarrollo de su trabajo cotidiano.
Es necesario incidir más directamente con actuaciones encaminadas a Influir en lo que sucede en el interior de los centros escolares y de las aulas. Esto se puede lograr a través de decisiones dirigidas en varias direcciones, principalmente mediante la introducción y aprovechamiento de recursos didácticos diferentes a los que en este momento dominan la vida de las profesoras, los profesores y del alumnado, los libros de texto, y también estimulando la actualización del profesorado, así como, promoviendo otras formas de organización y gestión de los centros docentes más acordes con las metas educativas que se le asignan a las escuelas e institutos.
Corremos el peligro de asumir, en la práctica real, que la clave de un cambio cualitativo en educación está exclusiva o prioritariamente en escribir una serie de documentos, más o menos voluminosa, con la pretensión de trasladarlos luego al Boletín Oficial del Estado o al de las Comunidades Autónomas; en desarrollar aquí una serie de intenciones y sus correspondientes justificaciones de una forma más o menos coherente y acertada y juzgar que eso es suficiente. Interviniendo de una manera similar estamos reproduciendo, una vez más, un modelo de pensamiento e innovación meramente burocrática.
Esta clase de pseudoinnovación se queda en la superficie de la realidad, preocupada sólo, en muchas ocasiones, por la modificación del lenguaje empleado por el profesorado cuando tiene que comunicarse con la Administración. Así, por ejemplo, todo puede terminar reducido a una mera sustitución terminológica en las programaciones que la Inspección exige y/o revisa. De esta forma, donde antes se escribía «programación» ahora se puede llegar a transformar en Proyecto Curricular de Centro, pero únicamente en sus dimensiones lingüísticas; que lo que antes eran los Programas Renovados ahora se les denomine Diseño Curricular de Base, y acaben reducidos a un documento más, etcétera.
Un ejemplo de cómo el BOE, por sí solo, transforma poco la vida en el interior de las aulas lo podemos tener en el Real Decreto de Derechos y Deberes de los Alumnos (28 de octubre de 1988) que es consecuencia del desarrollo de la Ley Orgánica del Derecho a la Educación de 1985. Este Real Decreto hasta el momento no pasó de ser un discurso de intenciones e incluso, lo que también es muy significativo, los propios destinatarios la desconocen. ¿Qué estudiante sobre la base de tal legislación reclamó algo, protestó por la conculcación de sus derechos? ¿Qué alumna o alumno pidió ejercitar su derecho a la libertad de pensamiento y conciencia a la hora de las evaluaciones reclamando que no se le exija defender teorías científicas que no comparte, o conocimientos culturales que atentan contra convicciones ideológicas, morales o religiosas que ella defiende? Está claro que mientras tal Ley no se traduzca en medidas que lleven al profesorado a trabajar con otras estrategias de enseñanza y aprendizaje y con otros recursos didácticos, así como con otras fórmulas de participación y gestión de los centros docentes, que estén acordes con la filosofía que esta ley propugna, la realidad permanecerá inamovible.
LA LEY GENERAL DE EDUCACION, UNA INNOVACION BUROCRATICA
El peligro de las llamadas innovaciones burocráticas, las innovaciones educativas hechas a través del BOE sin ir acompañadas inmediatamente de medidas prácticas que las hagan comprensibles, sin posibilidades reales de traducirse en las actividades cotidianas que tienen lugar en los centros escolares, es algo que se puede constatar muy fácilmente echando una ojeada histórica a los sistemas educativos de cualquier país.
Circunscribiéndonos al Estado Español, a la famosa Ley General de Educación (LGE) de 1970 y al diagnóstico de la realidad educativa de aquel momento histórico, que se plasmó en el Libro Blanco de 1969 que sirvió de fundamentación a la Ley, podemos ver como ya se recomendaban muchas medidas capaces de transformar cualitativamente el Sistema Educativo, pero que en la práctica se acabarían «deformando» de manera muy significativa.
Entre tales recomendaciones prácticas estaba, por ejemplo, la enseñanza individualizada, cuya traducción a la realidad se desvirtuó totalmente a través de la tan peculiar «cultura de las fichas».
Otra máxima que, asimismo, resultó un principio vacío, que apenas si servía para adornar estilísticamente un discurso, fue la de que cada niño y cada niña son algo único, que tienen ritmos de aprendizaje peculiares, aptitudes y rasgos de personalidad propios, experiencias vividas diferentes, expectativas idiosincrásicas ante lo que se espera de cada uno y cada una de ellas, etc. En la práctica, no obstante, se siguió considerando cada aula como un todo homogéneo, donde todos los alumnos y alumnas son iguales en sus ritmos de aprendizaje, en sus intereses y motivaciones; se presupone que vivieron las mismas experiencias, saben lo mismo y tienen idénticas expectativas. En una proporción muy significativa, las aulas continuaron rigiéndose a través de la medición y etiquetado de las niñas y niños utilizando como rasero el grado en que éstos se acomodan a los contenidos que el libro de texto exige, y cualquier desajuste con el ritmo ordinario de la mayoría del alumnado es fácil que se penalice desviando con gran celeridad, por no decir «frivolidad», al «desajustado» a las aulas de educación especial. Estas aulas para una parte muy importante de los escolares y las escolares vienen a significar un estigma del que no se podrán desprender durante mucho tiempo.
Otros ejemplos de «innovaciones burocráticas» son también las propuestas metodológicas como: la globalización, para de esa manera acomodarse mejor a las peculiaridades del alumnado y facilitarles un acercamiento significativo a la cultura y a la experiencia humana del ambiente que les rodea, recomendación que, sin embargo, la dictadura de los libros de texto convirtió en un eslogan vacío de contenido; o propuestas como la necesidad de la enseñanza en equipo, como decisión derivada de la enseñanza activa y que acabó traduciéndose en la práctica, en la mayoría de las ocasiones, en algo capaz de cambiar sólo la decoración de las aulas. Así, especialmente en esta última década, comienza a ser una rutina bastante generalizada el agrupar las mesas en forma de pequeño círculo, cuatro o cinco mesas juntas, pero en cambio las actividades que se solicitan del alumnado son del mismo tipo que las que se pedían cuando los pupitres estaban alineados uno detrás de otro. Esta forma de alineación «militar» de los pupitres surge en una época en la que abiertamente se argumentaba, principalmente los jesuitas, que el trabajo de los alumnos debía ser no sólo de carácter individual sino competitivo y se hacia necesaria, por consiguiente, una distribución espacial que impidiese el «copieteo».
Todo lo referente a los materiales didácticos y a la conveniencia de utilizar recursos variados quedó en papel mojado. Afirmaciones como que «se utilizarán ampliamente las técnicas audiovisuales» (art. 18.1), o «… se facilitará a los escolares el acceso a cuantas instituciones, explotaciones y lugares puedan contribuir a su formación» (art. 18.2), o «… las Bibliotecas, Museos, Archivos y otras instituciones científicas y culturales, cooperarán al logro de los objetivos del sistema educativo y permitirán el acceso gratuito a sus fondos documentales, bibliográficos y culturales» (art. 12.3), etc., muchos docentes actuales y politices pensarán que nunca fueron escritas con rangos de Ley. Lo cual demuestra como es fácil que las intenciones queden en letra muerta, si no se presta atención a otras medidas prácticas y directas.
La defensa de la organización por ciclos tampoco pasó de ser otra etiqueta más para hacernos creer que modernizando el lenguaje se transforma la realidad.
Y, por supuesto, también en la LGE podemos encontrar una defensa de la profesión docente, con frases textuales como las siguientes: «En el profesorado de todos los niveles recaerá la responsabilidad más honrosa y difícil de la reforma, y su proverbial dedicación profesional hace augurar una colaboración inteligente y decidida que permitirá alcanzar los nuevos ideales educativos» o «… Se pretende también mejorar el rendimiento y calidad del sistema educativo. En este orden se considera fundamental la formación y perfeccionamiento continuado del profesorado, así como la dignificación social y económica de la profesión docente» (el subrayado es mio. Preámbulo de la LGE). Estas ufirmaciones hoy ya nos suenan a gastadas cuando salen de la Administración; en muchas ocasiones resuenan en todos los oídos de las profesoras y profesores como los falsos «piropos» que se lanzan a los que ocupan puestos marginales por aquello de la motivación, para calmarlos y frenar sus reivindicaciones con promesas que nunca llegarán a buen puerto.
Lógicamente esto no quiere decir que idealicemos dicha Ley fascista, pues tal ley se encontraba atada y vigilada por controles antidemocráticos como eran «la conformidad con lo establecido en los Principios del Movimiento Nacional y demás Leyes Fundamentales del Reino» (art. 1.1 de la LGE).
Ahora no deseamos sino demostrar que redactar y aprobar leyes nunca es suficiente, se precisa un decidido esfuerzo para hacerlas realidad. Esfuerzo que debe iniciarse ya antes de redactar la Ley, una vez que se tienen claros los diagnósticos de lo que se quiere modificar para que el sistema educativo mejore; que no se deben aplazar las intervenciones hasta la aprobación de la Ley, pues eso supone retrasar la corrección de aquellos fallos de los que ya estamos bastante seguros.
Pensemos que la Ley de Reforma del Sistema Educativo ya lleva dos periodos legislativos elaborándose y todavía no se aprobó, sin embargo creo que ya se podían haber tomado muchas más medidas prácticas como las de estimular la creación de materiales para las aulas, bibliotecas temáticas para uso del alumnado, supresión de la legislación de aprobación de libros de texto, realización y difusión de colecciones de vídeos con sugerencias metodológicas, elaboraciones de proyectos curriculares, planes de formación del profesorado en los propios centros, mayores dotaciones de enseñantes de apoyo, aprobando medidas realistas de dignificación profesional como las de hacer realidad el cuerpo único de docentes, etcétera.
Una intervención para mejorar la calidad del sistema educativo centrada en los BOEs, corre el peligro de quedarse a nivel de propaganda electoral, pero lejos de una implantación real.
EL LIBRO BLANCO Y EL DISEÑO CURRICULAR BASE: SUS PRESUPUESTOS Y SUS OLVIDOS
En el proyecto a debate de «Diseño Curricular Base» para el Estado Español se plantean, a mi modo de ver, tres tipos de problemas previos antes de entrar en una discusión pormenorizada de lo que especifica para cada nivel y cada área de conocimiento y experiencia. El primero es que esta especificación de los contenidos, que deben incorporarse en el currículum que se planifique y desarrolle en los centros escolares, va a depender también de su aceptación por las Comunidades Autónomas con competencias en educación, aunque el Gobierno central tendría mecanismos para su imposición. Sin embargo, muy acertadamente, éste decidió que tal elaboración debe partir de un pacto entre las distintas Comunidades Autónomas y él mismo.
En esta dinámica de consenso que promueve el MEC hay que tener presente que pueden interferir factores electoralistas que terminen por «viciar» tal propuesta. Una estrategia de negociación de estas características corre el peligro de que cada Gobierno Autónomo o Central trate de forzar una politice de «diferencialismos». Fácilmente se puede caer en una situación en la que los niveles de colaboración y aceptación estén siempre dependiendo de la correlación de fuerzas politices existentes en un momento dado en cada Comunidad; esto convierte esta clase de legislación en algo bastante frágil.
Este ámbito de decisión es el lugar donde los politices y burócratas de turno tienden a intervenir más para tratar de dejar alguna huella. Con lo cual es lógico que se nos vuelva a plantear la duda de si es necesaria tal especificación de contenidos y si no seria mejor dejarlo mucho más abierto para que los profesores y profesoras, en colaboración con equipos de especialistas, pudiesen desarrollar con mayor libertad sus currícula. No olvidemos además que estos listados apenas son leídos por el profesorado que, en muchas ocasiones, se entera de ellos indirectamente, a través de los materiales didácticos que se encargan de su traducción práctica a las aulas; éstos son, en una proporción abrumadora, exclusivamente los libros de texto.
Habría que preguntarse también hasta qué punto el hecho de que los mínimos curriculares se traten de pactar con las Consejerías de las Comunidades Autónomas no fue ya la causa de que para la elaboración de este DCB se siguiese, en gran medida, el modelo que antes había encargado la Comunidad Autónoma Catalana; de esta forma una de las Comunidades más enfrentadas al Gobierno central no podría poner demasiadas pegas.
El segundo problema estriba en que en este momento, cuando salen a debate los contenidos culturales básicos que es necesario trabajar en los centros docentes, estas propuestas educativas especificadas para los distintos ciclos y etapas del sistema educativo, aunque suponen una mejora muy importante con respecto a las que se recogen en los actuales Programas Renovados, sin embargo no son fruto de análisis rigurosos de la situación de la realidad práctica de tales programas en las escuelas e institutos de todo el Estado. El sistema educativo español no dispone hasta el presente de ninguna institución ni de una política de investigación educativa dedicada a diagnosticar el éxito, el fracaso o el grado de adecuación de la propuesta contenida en los Programas Renovados.
Carecemos de estudios criticas sobre lo que viene aconteciendo en cada una de las áreas de conocimiento y experiencia de los curricula que en esta última década se estuvieron desenvolviendo en los centros españoles. Vemos como en otros países tales informes son realizados periódicamente y con una participación muy amplia de todos los colectivos implicados. Prueba de ello son informes como: el Cockcroft (1985) sobre la enseñanza de las matemáticas, o el Plowden (1967) acerca de la enseñanza primaria en el Reino Unido, el Bullock (1975) en torno a la enseñanza y el aprendizaje de la lectura y la escritura de la lengua inglesa, el Warnock (1978) sobre la situación de la educación especial, también en el Reino Unido, el Swann (1985) referido a la educación multicultural, el Kingman (1988) sobre el lenguaje, etc. En España estos estudios nunca gozaron de suficiente estímulo en los planes de investigación de los Gobiernos de turno, únicamente en los últimos años se inició muy débilmente este camino, aunque referidos generalmente a cuestiones más amplias, pero también necesarias, como son los problemas generales de etapas educativas como pueden ser la secundaria (Fernández Engaita, M., 1987), el ciclo superior de la EGB (Gimen, J. y Pérez, A., 1986), la problemática de la educación especial, etc., pero faltan todavía informes rigurosos sobre los contenidos culturales que se enseñan o no y lo que aprenden nuestros alumnos y alumnas en los ciclos de etapas como la Educación Preescolar, la EGB, el Bachillerato y la Formación Profesional.
Un tercer problema tiene que ver con la amplitud de los mínimos curriculares que debe dictar la Administración Educativa Central. Estos contenidos culturales especificados en el Diseño Curricular Base pese a que en general están bien planteados y redactados, son excesivos en su amplitud como para etiquetarlos de «mínimos obligatorios» para todo el Estado Español. ¿Es necesario detallar tanto estos mínimos como para elaborar cuatro gruesos volúmenes sólo para la Etapa Infantil, Primaria y Secundaria Obligatoria? ¿No hay otra manera de ser mucho más escuetos circunscribiéndose exclusivamente a lo más esencial e imprescindible y, por lo tanto, confiar más en la capacidad y responsabilidad de los profesores y profesoras? ¿Cómo se puede estimular la profesionalización del colectivo de docentes y la autonomía de los centros educativos si apenas queda lugar para la participación de los interesados (enseñantes, alumnado y los distintos grupos sociales de esa comunidad en la que está inserto el centro)? Tengamos presente que una de las formas más interesantes de fomentar la participación y la asunción de responsabilidades en las instituciones escolares pasa, irremediablemente, por disponer de posibilidades para intervenir con espíritu crítico y de colaboración en la discusión y posterior consenso acerca de lo que en ese centro escolar concreto se debe enseñar y por qué.
Esta propuesta tan minuciosa que formula la Administración Central vuelve a caer en el famoso modelo de innovación educativa «centro‑periferia», en la que es un pequeño colectivo (el que controla el poder) quien dictamina lo que merece la pena, lo que es la cultura indispensable para poder ser ciudadano, y obliga a los demás grupos que no tienen ese poder a tratar de hacerlo realidad en las aulas (un problema distinto es que esto se consiga).
Otra cuestión que abunda en la amplitud de los bloques temáticos propuestos tiene que ver con los años de vigencia que se le calculan a esta legislación. Si la Ley General de Educación tiene vigencia veinte años después de su aprobación, es lógico pensar que esta nueva legislación vaya a tener como mínimo otros veinte años de vida, y como, por otra parte, el desarrollo científico y cultural de las sociedades no se va a detener, es asimismo razonable pensar que cuánto más detallados sean los contenidos culturales que se proponen como indispensables para toda propuesta curricular, mucho antes va a ser preciso modificar esta legislación para actualizarla y acomodarla al ritmo de los avances que en la sociedad se vayan produciendo.
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A) Justificaciones tecnocráticas en el Libro Blanco y en el DCB
Otro problema a contemplar radica en las justificaciones del Libro Blanco para la Reforma del Sistema Educativo y en el Diseño Curricular Base y en las recomendaciones de carácter general que establecen.
La futura Ley de Ordenación del Sistema Educativo, así como el correspondiente Diseño Curricular Base que le acompaña, insisten excesivamente en argumentaciones y soluciones de corte psicológico, olvidando otras más sociológicas y, especialmente, pedagógicas. Así, se nos quiere convencer de las razones para establecer etapas y niveles educativos acudiendo a la psicología, como argumento decisivo, cuando en esa misma ciencia podemos encontrar escuelas y autores para justificar cosas incluso contradictorias. Todos sabemos que existen escuelas psicológicas que, por ejemplo, dicen que el niño no debe separarse en sus primeros años de la madre, con lo cual los gobiernos que no quieran invertir en la Educación Infantil se encontrarían legitimados en esa decisión; o que el papel de las madres es clave y de este modo plantear la educación infantil a cargo de mujeres y sin mayor preparación, pues bastaría con el «instinto maternal» y éste no se aprende.
Recurrir a psicologizar las cuestiones educativas quiere decir, entre otras cosas, que los valores sociales, las dimensiones culturales que consideramos importantes y las posibilidades humanas las podemos derivar o establecer consultando a la psicología.
Frente a un planteamiento psicologizante, que se limita a traducir principios psicológicos en prescripciones educativas, pienso que sería preferible optar por una propuesta que comenzase analizando las situaciones sociales y educativas y sus problemas más urgentes, y seguidamente interrogar a todas aquellas ciencias que pueden aportar alguna ayuda, incluida, por supuesto la psicología de aprendizaje y la del desarrollo, con el fin de seleccionar de ellas aquellas informaciones y sugerencias que por su relevancia es aconsejable tener presente en las actuaciones didácticas.
Es obvio que recurrir a una ciencia con exclusividad sirve, en muchas ocasiones, para disfrazar bajo la capa de razonamientos científicos lo que no son otra cosa que intereses políticos, decisiones que pueden beneficiar a un gran número de ciudadanos y ciudadanas, a colectivos sociales con intereses más o menos legítimos, etc., pero al mismo tiempo, atentan o no hacen suficiente hincapié en la defensa de grupos sociales más desfavorecidos y marginados.
El lenguaje de la teoría y la práctica de la educación, al igual que el de las reformas educativas, cuando se expresa recurriendo en exclusiva a una terminología científica y tecnicista corre varios peligros. Este lenguaje tecnocrático no sólo define direcciones en términos profundamente antiutópicos, sino también es incapaz de referenciar todo lo que actualmente hacen los administradores y el profesorado en el sentido de poner de relieve los principios y valores que estructuran sus creencias y su trabajo. Es un lenguaje que ignora su propia parcialidad, que rehusa abordar las asunciones ideológicas que subyacen en su visión del futuro, y que aparece como incapaz de comprender su propia complicidad con aquellas relaciones sociales que subyugan, infantilizan y corrompen. Es un lenguaje que en su búsqueda de control, certeza y objetividad no puede vincularse con nociones de solidaridad, comunidad, o vida pública. Es, asimismo, un lenguaje que reduce a los administradores, profesorado y estudiantes a empleados y a malos teóricos, que aleja a las escuelas de sus conexiones más vitales con la vida pública, y que muy a menudo no únicamente define la enseñanza de manera instrumental sino también en términos de lo que está permitido. Se desprofesionaliza a los profesores y profesoras y se empobrece al alumnado mientras que aparentemente se propone su enriquecimiento (Freire, P. y Giroux, H. A., 1989).
Esta política que no acostumbra a hacer totalmente explícitas sus intenciones políticas y a la que solemos denominar con el calificativo de tecnocratismo se caracteriza porque no contribuye a una toma de decisiones sociales y económicas tendente a paliar o compensar las desigualdades detectadas. No es la política la que se tiene que amoldar a la ciencia, sino al revés, es la ciencia la que tiene que buscar el modo de dar cumplida solución a los problemas y necesidades que los seres humanos sentimos.
Argumentos tecnocráticos son, por ejemplo, los que se esgrimen para justificar el inicio de la escolarización obligatoria. Esta se quiere defender sobre la base del grado de desarrollo alcanzado por el niño o la niña, o, más textualmente, argumentando que no es aconsejable comenzar la obligatoriedad antes «por el papel todavía preponderante que en esta etapa educativa (la Infantil) desempeña la familia» (p. 93. Libro Blanco para la Reforma del Sistema Educativo, 1989). Se omiten, por lo tanto los condicionamientos más económicos como son el ajustarse a las posibilidades económicas y a los recursos materiales y humanos de los que dispone el Estado para proporcionar un acceso a una educación, con suficiente calidad, a todos los ciudadanos y ciudadanas.
Igual pasa con las argumentaciones de cuestiones aparentemente más apolíticas como las metodológicas. Tratar de defender una metodología globalizada o integrada en la enseñanza infantil, primaria y secundaria sobre la base de la estructura psicológica del alumnado es también mostrar una insuficiencia argumental desde la política. No olvidemos que una fragmentación disciplinar permite también ocultar problemas y soluciones a las cuestiones sociales. Así una determinada línea de investigación científica sirve para solucionar directamente un problema, pero puede tener aplicaciones, complicaciones y consecuencias más peligrosas y nocivas no fáciles de captar a primera vista. Un ejemplo lo tenemos en cómo para justificar la llamada «guerra de las galaxias» se estimulan líneas de investigación muy de vanguardia, con gran bombo publicitario y, en muchas ocasiones también, ocultando su verdadera finalidad. Al igual que la política Taylorista en la organización y producción empresarial sirvió y sirve para acrecentar la explotación humana, asimismo la presentación del conocimiento y la experiencia humana al alumnado de una manera fragmentaria e inconexa, puede ser útil para anular su capacidad critica.
Un documento ministerial como es el Diseño Curricular Base en el que se quieren justificar todos los contenidos culturales que se consideran condición «sine qua non» para considerarse una persona educada, preparada para vivir en una sociedad concreta como es la nuestra, no me parece muy apropiado que caiga en un discurso reduccionista preocupado casi exclusivamente por decirnos cómo aprenden los niños y niñas, qué peculiaridades psicológicas poseen, cómo motivarlos, etc. Y esto no me parece conveniente por tres razones principalmente:
1º. Es una manera de decir en voz alta que el propio MEC no cree que los profesionales dedicados a la educación, profesores y profesoras y especialistas en pedagogía y psicología, principalmente, tengan tales conocimientos y destrezas. Equivale a expresar veladamente una desconfianza de las instituciones de formación del profesorado que, conviene recordarlo, dependen de ese mismo Ministerio de Educación o de las Consejerías de Educación en el caso de las Comunidades Autónomas que ya tienen transferidas las competencias en educación. Detenerse proporcionando tal información presupone que los destinatarios de esta propuesta la desconocen, en cuyo caso seria más prioritario elaborar, por una parte, un plan de urgencia para modificar tales instituciones de formación y por otra, tomar una serie de medidas prácticas por vía de apremio para actualizar a ese cuerpo docente que no conoce tales conceptos y teorías. Un discurso similar contribuye a afirmar la descualificación del profesorado y a afianzar un discurso paternalista por parte de la Administración que nos va diciendo, mediante documentos similares a este que comentamos, todos los conocimientos científicos que precisamos para desarrollar nuestras obligaciones laborales.
2º. El propio Ministerio de Educación se convierte. en el paladín defensor de unas teorías psicológicas de la educación de corte constructivista que hoy son aceptadas por una mayoría y que, en mi caso particular, vengo defendiendo desde hace tiempo; sin embargo a nadie se le oculta que la libertad de cátedra y conciencia exige respetar a aquellos otros profesionales de la educación que defienden unas teorías diferentes, por ejemplo, más conductistas o neo‑conductistas, psicoanalíticas, etc., siempre y cuando ello no comporte riesgos irreparables en la educación que reciben sus alumnos y alumnas. Además, no está de más recordar que vivimos en momentos históricos donde todas las ciencias y campos de conocimiento, y concretamente los psicológicos y pedagógicos, sufren revisiones más o menos profundas a un ritmo bastante vertiginoso; por lo tanto, hacer estas opciones ahora supone que quizás más pronto de lo que sería deseable se tengan que ir introduciendo modificaciones al ritmo de los avances en tales campos de conocimiento.
A fin de cuentas lo que importa en esta propuesta del MEC son los contenidos culturales con los que creemos que las alumnas y los alumnos deben entrar en contacto en sus diferentes periodos de escolarización. Las formas metodológicas y las justificaciones que se empleen deben ser fruto de recomendaciones de las instituciones de formación y actualización del profesorado y de la propia reflexión y experiencia de los profesores y profesoras, no de un Ministerio.
En general, no creo que tenga que ser el Gobierno, sea el que sea, quien tenga que servir de aval para defender o atacar ideas científicas. La historia nos recuerda cómo cuando el Gobierno o la Iglesia se ponen a defender unas ideas científicas frente a otras los resultados no acostumbra». a saldarse con el signo positivo para el avance de esa corpus de conocimiento, ni para la convivencia en general.
Hace no todavía muchos años la psicología conductista fue el lenguaje técnico que sirvió para avalar una pedagogía fuertemente individualista y ahistórica y, por lo mismo, conservadora; psicología que sobre la base de «despistar» al profesorado ante los verdaderos problemas educativos, como son el análisis critico de la cultura que en la escuela se tenía que reconstruir y cómo contribuir a ello, llegaba a agobiarlo con tareas penepolianas de tratar de encontrar verbos lo suficientemente precisos que facilitasen la comprobación de las conductas visibles y medibles y su etiquetamiento a través de una evaluación sumativa. Esta psicología llegó a generar una cultura escolar en la que se imposibilitaba de hecho la problematización de los valores que acompañaban a tales objetivos conductuales. La obsesión por la eficiencia, en palabras de J. Gimeno impedía que las dimensiones políticas y las cuestiones morales y de valor aflorasen (Gimeno, J., 1982).
En estas dos últimas décadas también otra escuela psicológica, la psicología constructivista, mucho más interesante que otros modelos anteriores, corre muchas veces el riesgo de servir de coartada en manos de los nuevos gestores tecnocráticos para políticas conservadoras. Desde esta corriente psicológica los hombres y las mujeres construyen su conocimiento a través de interacciones con el medio y, de manera fundamental, a través de los intercambios con otros seres humanos. Sin embargo esta psicología al concentrarse más en los procedimientos, en cómo los alumnos y las alumnas construyen y modifican sus esquemas de pensamiento, corre el riesgo de creerse favorecedora de prácticas escolares más neutrales. Las creencias, los intereses de los diferentes grupos sociales, los de los propios docentes y del mismo alumnado, tienen el peligro de ser silenciadas si únicamente nos concentramos en este constructivismo psicológico. Las condiciones sociales en las que esos sujetos viven e interaccionan, las causas de ello, cómo se puede generar una praxis y una conciencia transformadora, etcétera, son, muchas veces cuestiones relegadas en los momentos de reflexión teórica o todo más enunciadas esquemáticamente, tipo frase tópica, pero que las personas no llegan a comprender, de ahí que no sientan la misma necesidad de profundizar y extenderse en su aclaración.
Cuando se utiliza con un sobreénfasis este modelo psicológico constructivista se cae en la pretensión de elaborar un modelo educativo de corte universalista, más preocupado en lograr una validez en cualquier comunidad o contexto social. Se tiene entonces la necesidad de no plantearse todas aquellas otras cuestiones referidas a las relaciones sociales en las escuelas, el valor de las definiciones que las instituciones educativas hacen de lo que es el aprendizaje; los problemas de autoridad, legitimidad y control de las dimensiones culturales y, por consiguiente, de valor que se localizan día a día en los centros y aulas. No se problematizan si existen o no y por qué variaciones en las concepciones de lo que se considera conocimiento válido, de lo que es el trabajo escolar, sus implicaciones para otras dimensiones sociales; cómo las condiciones externas a las escuelas influyen en las propias instituciones educativas; cómo las ideologías profesionales y cómo los mismos enseñantes perciben las demandas de la comunidad; cuáles son, cómo se manifiestan y producen las contradicciones dentro de las interacciones cotidianas en los centros escolares, etcétera.
3º. Existe un detenimiento muy preponderante en explicaciones y argumentaciones psicológicas, parándose a examinar menos las pedagógicas y desconsiderando de manera prácticamente total lo que hoy se agrupa bajo la denominación de sociología del curriculum.
En el escaso espacio dedicado a hablar de los supuestos sociológicos de curriculum, se llega a reconocer que «la escuela tiene un fuerte carácter conservador en la medida en que se limita a reproducir las relaciones sociales existentes» (el subrayado es mío; p. 25 del Diseño Curricular Base. Educación Primaria. 1989), y no se detiene, sin embargo, a desarrollar más un aspecto que debía ser la obsesión de cualquier gobierno progresista. Si la educación no puede compensar plenamente las desigualdades sociales, sí puede paliar algo y, lo que es muy importante, contribuir a crear una conciencia colectiva preocupada por luchar contra cualquier situación de marginalidad e indefensión.
Este lapsus ideológico en los análisis del DCB es también el responsable de que a la hora de considerar los tratamientos de la diversidad, la «diversidad de los alumnos» (p. 44, op. cit.) y las alumnas, ésta se restrinja a la «capacidad para aprender y la motivación para aprender» definida desde la psicología, cayendo en una explicación escapista que no se atreve a hablar claramente de cómo los contenidos culturales y los valores contribuyen continuamente a diferenciar y a establecer barreras entre los variados grupos de estudiantes.
Se recurre en demasía a implícitos, a dar por sabidas cosas que la práctica demuestra que son el verdadero talón de Aquiles de las prácticas escolares. Por el contrario todo el DCB enfatiza mucho más y se detiene sin preocuparse de llenar hojas y hojas en explicar y ejemplificar lo que son los distintos conceptos psicológicos y algunos pedagógicos que el texto destaca. Curiosamente tales conceptos en su mayoría ya aparecían en la Ley General de Educación elaborada por el gobierno de Franco. De este modo se demuestra una vez más como la psicología, cuando se utiliza demasiado en solitario, sirve para disfrazar problemas o, por lo menos, para que la forma de decirlo sea tan «delicada» que nadie se dé por enterado.
Todas las tecnocracias si tienen algo de lo que abusan es precisamente de la psicologización de los problemas. Esta es una manera de desviar la atención de los verdaderos problemas, en la medida que, aunque en algunas ocasiones una lectura muy atenta permita descubrir que «pueden» estar ahí, es tal la sutileza empleada en la argumentación que la mayoría de las personas no acostumbra a darse por enterada. Una prueba de ello está en que a los autores de una Ley como la del 70, elaborada en una Dictadura, no les importó recurrir a terminologías como las que ahora se vuelven a concretar y, por supuesto, a actualizar.
Esta psicologización de la política educativa elaborada por el MEC se deja traslucir también cuando se determina qué tipo de profesionales componen los llamados «equipos de ayuda a la experimentación curricular» y donde aparecen como miembros además del profesorado, los «psicólogos, sociólogos y asistentes sociales» (p. 213 del Libro Blanco) y se produce un olvido, a mi modo de ver difícilmente justificable, el de los pedagogos.
Un panorama como este quizá no refleje otra cosa que una manera de subirse al carro de lo que viene llamándose el pensamiento postmoderno, donde los disfraces y/o la debilidad de las argumentaciones sirven como soporte de políticas de corte inmovilista, especialmente en lo referente a tratar de garantizar la igualdad de oportunidades o, más claramente hablando, la defensa de todos los seres humanos desfavorecidos y marginados por las formas dominantes de organización social.
B) Olvidos ideológicos en el Libro Blanco y en el DCB
En aras de una «modernización» del sistema educativo existe una tendencia a dar por sentado que existe una coincidencia en lo que este término representa; a asumir de manera implícita que todos los grupos sociales tienen una visión consensuada de los valores e intereses que guían el progreso, que toda la sociedad coincide en la definición de lo que es el «progreso». Por lo tanto, si esto es así, lo que resta por hacer es un problema técnico: hallar los medios para vehiculizar esas ideas de modernización que van a contribuir a mejorar cualitativamente el sistema.
La cultura de la escuela es todavía de corte más bien tradicional, sobre todo si establecemos comparaciones con la forma en que esos campos culturales allí reconstruidos están en la sociedad, y en este caso se trata de que un Estado un tanto paternalistamente apueste por especificar y avalar qué puede o no valer para dentro de las aulas sirviéndose para ello de su capacidad para legislar.
A la hora de educar se parte siempre de que existe algo de valor que consideramos que el alumnado necesita conocer o desarrollar. Por consiguiente, será obligatorio pararse a reflexionar acerca de las implicaciones ideológicas de los conocimientos culturales y las destrezas que juzgamos necesario favorecer, así como de las estrategias de enseñanza y aprendizaje que son más coherentes con los objetivos propuestos. Es precisamente en estas dimensiones donde la política educativa debía pararse a argumentar y explicar mejor.
Si los objetivos de la educación van en la dirección de contribuir a formar personas activas, críticas, democráticas y solidarias, el Gobierno necesita explicitar claramente qué grupos de ciudadanos y ciudadanas se vienen encontrando en franca desventaja dentro de los centros educativos y de las aulas; por qué y cómo se puede contribuir a aminorar semejantes injusticias para con tales colectivos sociales. Es en estos diagnósticos y en las propuestas subsiguientes donde el signo político de los gobiernos se tiene que notar.
Un gobierno de izquierdas debe insistir mucho más en las dimensiones sociológicas del currículum, en denunciar cómo funcionan el currículum explícito y el oculto para reforzar desigualdades sociales, cómo se legitiman ciertas formas culturales y se descalifican o ignoran otras. cómo se genera el fracaso educativo, a qué colectivos sociales afecta y hasta qué punto es verdadero fracaso o un fracaso artificial que sirve para legitimar formas y grupos culturales y económicos, cómo se tergiversa la realidad, cómo se propagan el sexismo, el racismo, y en general las falsas expectativas y los prejuicios que acostumbran a funcionar contra los grupos sociales más desfavorecidos. Aquí es donde es apremiante concentrar los esfuerzos, si no queremos estar favoreciendo a las de siempre y tratando de convencer a los demás de que si no tienen éxito la culpa no la tiene el sistema educativo y social, sino ellos mismos.
Este reduccionismo en los análisis puede afectar de una manera muy importante al éxito de algunas de las propuestas más valiosas de la Ley. Así la Ley de Reforma y el propio Diseño Curricular Base ponen gran énfasis en la comprensividad, o sea en la no segregación en especialidades durante toda la escolarización obligatoria, hasta los dieciséis anos, pero el éxito de una medida tan progresista como es esta va a estar condicionado por la interdependencia de tres variables, al menos:
1. De la acomodación de las propuestas de trabajo a las capacidades e intereses de las alumnas y alumnos; del respeto y la adecuación a la estructura psicológica de los distintos estudiantes. Punto este en el que incide mucho la propuesta del Diseño Curricular Base.
2. De un cuerpo de profesionales capaces de trabajar con metodologías didácticas y de evaluación adecuadas, así como de una disponibilidad de recursos materiales (bibliotecas, medios audiovisuales, talleres, laboratorios, etc. ) suficientes.
3. De la cultura que se valore, que se construya y reconstruya en los centros educativos. Aspecto éste prácticamente ignorado en la propuesta y que creo merece una reflexión en un documento que viene firmado por un gobierno socialista.
No podemos olvidar que en el sistema educativo actual la cultura que se trabaja viene sesgada por dimensiones de clase social, de género, de raza, de conflicto entre nacionalidades, etc., y eso merece una consideración, y más en un documento donde el peso de la psicología es tan abrumador. Son especialmente los libros de texto los encargados de sesgar y manipular la realidad, al concentrarse en determinadas interpretaciones de la realidad y ocultar otras, al prestar atención a ciertos fenómenos, teorías y valores e ignorar otros, etcétera.
No podemos pasar por alto que realidades culturales tan importantes como las del mundo gitano no aparecen contempladas en estos documentos de política educativa; sin embargo, es un colectivo de alumnos y alumnas que está presente en los actuales centros de enseñanza del Estado Español, y que debería estar más aún, pues este grupo social tiene todavía en la actualidad una falta de escolarización muy notable. ¿Cómo vamos a interesar a este estudiantado gitano por la vida escolar cuando se encuentran aquí ante una realidad extraña que los ignora y que además, muchas veces, contribuye a propagar una buena cantidad de prejuicios sobre sus formas de vida y sus valores?
Los valores de esta raza son algo a lo que es necesario prestar mayor atención. La escuela tradicional unas veces ignora toda esta cultura, y otras presenta todo lo gitano como una estigma, algo que es preciso ocultar o exterminar. Tengamos presente que todavía en este mismo año, 1989, el 24,7 % del alumnado español y el 16,3 % del profesorado piensan que los gitanos no son ciudadanos españoles, según las conclusiones de una investigación que el antropólogo T. Calvo, de la Universidad Complutense de Madrid, presentó en las IX Jornadas de Enseñantes con Gitanos, celebrada en Zaragoza. Este mismo profesor constató como una vez revisadas 41.000 páginas de libros de texto de las diferentes etapas del sistema educativo español, EGB, BUP, y Formación Profesional, tan sólo aparecían 17 citas sobre la minoría gitana y referidas a los siglos XVI y XVII.
Habría que revisar decididamente y poner freno a esa política de «desviar», sobre la base de falsas expectativas, a las aulas de educación especial a los miembros de este colectivo.
Un Diseño Curricular Base debe prestar atención muy detallada a todo el tratamiento de las cuestiones multiculturales; esbozar cómo se producen las discriminaciones en este ámbito, cómo se pueden prevenir y corregir, etc. Una mínima sensibilidad política sería suficiente para caer en la cuenta de este olvido y propugnar una serie de medidas prácticas capaces de reorientar y paliar esta situación.
Algo similar ocurre con las culturas de las nacionalidades que integran el Estado Español. En los materiales educativos que son moneda de uso corriente dentro de nuestras escuelas las ocultaciones, cuando no las deformaciones, que se encuentran sobre lo que es Galicia, el País Vasco, los Países Catalanes, Canarias, etc., exigen una llamada de atención importante. Los actuales libros de texto, aprobados por el Ministerio de Educación y las Consejerías de las Comunidades Autónomas, no vigilan adecuadamente estas temáticas. Parece como si aceptasen la existencia de una cultura universal y ahistórica, al margen de las realidades concretas, una especie de «cultura inmaculada»; esto en el fondo a lo único que favorece es a una reproducción de las desigualdades y conflictos actuales.
Hasta el presente en los materiales curriculares de uso más frecuente cuando se ofrecen datos referidos a las realidades idiosincrásicas de las nacionalidades del Estado Español éstos se exponen sin desarrollar, en forma de «píldora», o descontextualizados. Las cuestiones de mayor actualidad como pueden ser los conflictos lingüísticos, los problemas y reivindicaciones culturales y socioeconómicas ligadas a la especificidad de cada Comunidad Autónoma, es bastante generalizado el obviarlas. En el caso que algún libro de texto opte por tocar alguna de estas cuestiones lo acostumbra a hacer de manera tan condensada que su utilidad se limita a cumplir los requisitos mínimos necesarios para responder exclusivamente en algún que otro concurso de televisión.
Un DCB propuesto por el Gobierno del Estado necesita recalcar estos problemas y no dejarles exclusivamente al arbitrio de las consejerías de las Comunidades Autónomas. Todos los alumnos y alumnas del Estado precisan de contenidos culturales que les ayuden a comprender esta forma de organización del Estado, para que los prejuicios acerca de cada una de las nacionalidades por parte de los que no son miembros de ellas puedan desaparecer y la comprensión, respeto y colaboración entre los distintos pueblos llegue a ser la norma. Las profesoras y los profesores precisan también de ayudas para colaborar en esta tarea, y en la redacción definitiva de estos documentos es preciso que aparezcan contempladas.
La discriminación sexista, es algo que también los proyectos a debate del Ministerio de Educación y Ciencia, pasan rápidamente por alto, apenas un par de líneas. En este sentido resulta paradójico que un organismo gubernamental como el Instituto de la Mujer no tenga más incidencia en documentos programáticos a nivel educativo como son éstos acerca de la cultura imprescindible para poder considerarse capacitado para actuar como ciudadanos y ciudadanas responsables, libres y solidarias, que en el fondo es la otra forma de llamar a los Mínimos Curriculares que obligatoriamente se establecen para el conjunto del Estado Español. Esta «cultura sin poder», que es la femenina, necesita de esfuerzos claros y no meramente implícitos, para que sea factible recuperar un valor que se le niega. Las prácticas rutinarias del día a día en las aulas siguen reforzando una «cultura del marujeo» o de la superficialidad a la hora de reflexionar sobre el lugar de la mujer en el mundo.
En los últimos años, el Instituto de la Mujer viene llamando la atención, con gran insistencia, sobre la discriminación que por razón de género se está favoreciendo a través de los materiales, metodologías y formas de evaluación de los currícula que se desenvuelven en el interior de las aulas. Para ello convoca ayudas a la investigación, elabora informes y recomendaciones, pienso que muy acertadamente. Sin embargo, a estas cuestiones tan vitales para favorecer una auténtica igualdad entre las personas y que deberían ser parte importante de las notas que más claramente tendrían que identificar una política socialista, apenas se les presta la atención que deberían. Incluso una recomendación tan clara como es la que viene haciendo ese Instituto, y en general casi todas las organizaciones progresistas del mundo, como es la de cuidar el lenguaje, preocupándose de dejar de manifiesto la existencia del mundo masculino y del femenino, en estos documentos programáticos se hace caso omiso de ella “en aras de la sencillez del texto” (p. 18. DCB) según una nota a pie de página del Diseño Curricular Base; en el Libro Blanco ni siquiera una nota explica el olvido.
Tenemos un sistema educativo donde los estereotipos sexistas cruzan la inmensa mayoría del material didáctico que existe en los centros y aulas escolares; unas veces en forma de texto, otras de imagen o gráfico, en muchas ocasiones de manera explícita y en otras más implícita, tratando de pasar desapercibida, pero siempre surtiendo efecto. En las mismas áreas de conocimiento y experiencia y en las disciplinas que ocupan la vida cotidiana de los centros docentes las actividades y formas de trabajo que se proponen contribuyen, en muchas ocasiones, a determinar el día de mañana formas sexistas de elección y organización de las profesiones y ocupaciones laborales y de ocio. Los llamados currícula ocultos juegan casi siempre en contra de la mujer y, por supuesto, sin plena consciencia por parte del propio profesorado. Es, por tanto, obligación del Ministerio de Educación y Ciencia denunciar y dar los pasos necesarios para tratar de corregir tales disfunciones en el sistema educativo; necesita, entre otras medidas, sensibilizar y preparar a los profesores y a las profesoras para que puedan cuidar sus comunicaciones verbales y no verbales, las actividades que planifican, tanto académicas como extraescolares, los materiales que sugieren, las formas de evaluación, etc., en relación con esta problemática. El propio MEC tiene obligación de vigilar los materiales que se aprueban y/o se comercializan para ser usados en las aulas y alertar para que no incorporen mensajes sexistas, si de verdad quiere cooperar en garantizar una igualdad de oportunidades para las chicas y los chicos.
Otro tanto podríamos decir acerca de las peculiaridades que comporta la atención al mundo rural. No podemos pasar por alto que la escuela reproduce un mundo exclusivamente urbano, por regla general. Por lo tanto, pienso que un documento programático de estas características debe detenerse muchísimo más en tratar esta problemática, especificar cómo la escuela actual está difundiendo modelos urbanos y, al mismo tiempo, presentando a la sociedad rural como algo exótico, «bucólico», ignorando las características y los problemas idiosincrásicos que políticas excesivamente urbanas contribuyen a crear y/o incrementar.
El mundo, de los suburbios y barriadas de las grandes ciudades es otra de las realidades que a los ojos de la escuela tampoco parece existir. La cultura que en estos ámbitos se crea, la llamada «cultura popular», y de la que forman parte expresiones tan ricas como las que se condensan bajo la etiqueta de «culturas juveniles», son también ignoradas, cuando no castigadas, por la cultura académica.
La llamada igualdad de oportunidades no dejará de ser un eslogan vacío a menos que todas estas dimensiones se lleguen a convertir en verdaderas obsesiones a las que prestar atención por parte de las políticas de cualquier gobierno que se quiera hacer merecedor de la etiqueta de progresista, y más si a la que se aspira es a la de socialista.
Y, es obvio, que un discurso predominantemente de corte psicológico, más centrado en un individuo «universal», descontextualizado en sus dimensiones más sociales e históricas, sin hablar muy claro de realidades y problemas como son éstos a los que venimos haciendo referencia, no se puede decir que vaya con buen pie a la conquista de tales méritos.
CONCLUSION: SIN EMBARGO, HAY ESPERANZAS
Llevamos muchos años con promesas ministeriales de estimular la renovación en educación, de mejorar la calidad de lo que se viene haciendo en el interior de las instituciones educativas y se corre el peligro de cansar al profesorado, en la medida que únicamente le ofrezcamos discursos con lenguajes más o menos técnicos y actualizados. Discursos y lenguajes que al principio desconciertan y generan alguna curiosidad, hasta que se ve que no son otra cosa que lenguajes, sin el acompañamiento de recursos suficientes para traducir tales mensajes a la práctica.
Vivimos en un Estado donde la escuela sigue permaneciendo un tanto aislada de su entorno. Son muy pocas las actividades que se realizan fuera de los muros del centro escolar e incluso cuando éstas tienen lugar, en no raras ocasiones, difícilmente se incardinan todo lo coherentemente que sería deseable en el continuum del currículum que se desenvuelve en las aulas. Aunque cada vez es mayor el número de escuelas que incluyen dentro de su trabajo curricular las visitas a museos, zoos, playas y montes, fábricas, mercados, plazas, efe. (y máxime una vez que el problema de la responsabilidad penal parece estar ya solucionado), sin embargo quedan trabas importantes sin solucionar, como son las de los costes que tales visitas acarrean, sobre todo si las instituciones escolares no están en los centros urbanos donde estas ofertas se encuentran. Hasta el momento es bastante frecuente que los costes económicos tengan que salir del bolsillo de las familias, pues no es fácil que de los escasos recursos de que disponen los colegios e institutos puedan apartarse partidas para cubrir tales desplazamientos. Es digno de reseñar que ya bastantes ayuntamientos están empezando a atender estas demandas, pero es necesario que la Administración Educativa se manifieste con mayor énfasis acerca de la necesidad de salir más de las aulas.
También es preocupante la insuficiencia de dotaciones de bibliotecas, laboratorios, talleres con un adecuado instrumental, polideportivos cubiertos (especialmente en el norte de la península donde la lluvia acostumbra a inutilizar en muchísimas ocasiones el poco espacio que para juegos y deportes disponen las alumnas y alumnos), etcétera.
Es necesario, asimismo, estimular a las empresas editoriales a publicar materiales educativos que hasta el momento no vienen haciendo. Las bibliotecas de aula apenas existen en nuestros centros educativos y suelen estar dotadas de manera bastante deficitaria, a no ser en el ámbito de la literatura infantil y juvenil donde es necesario reconocer el enorme esfuerzo de edición que en los últimos años se viene haciendo y que está dando ya buenos frutos (cada vez se editan más y mejores obras literarias, tanto en sus dimensiones de calidad literaria como de presentación en un formato atractivo). Creo que en este momento las innovaciones educativas más frecuentes e interesantes están girando alrededor de la literatura infantil y juvenil, lo cual es coincidente con este «boom» editorial.
Sin embargo, carecemos de una oferta de obras de divulgación en los restantes ámbitos del conocimiento y de la cultura. Es difícil encontrar colecciones de divulgación con diferentes niveles de profundización y con suficiente calidad. Las monografías y revistas dedicadas a la historia, geografía, matemáticas, música, pintura y escultura, física, química, educación para la salud, ecología, pacifismo, efe. con un lenguaje y un nivel adecuado al alumnado de los diferentes niveles del sistema educativo, y especialmente de la Enseñanza Primaria, es algo que está todavía por conseguir y es aquí donde está una de las claves principales para una transformación de la calidad de la enseñanza y del aprendizaje.
Por otra parte, es también necesario hacer un gran esfuerzo en la formación y actualización del profesorado para que los recursos que se disponen ya y los que puedan ir apareciendo, se empleen sacándoles el máximo rendimiento; que su uso se convierta en algo cotidiano y necesario para poder reconstruir el conocimiento y la experiencia humana. Hoy podemos ver como existen colegios de EGB que poseen laboratorios, mejor o peor dotados, cuya existencia se reduce a un espacio físico con un letrero en la puerta de acceso, pero cuyo interior es prácticamente desconocido y misterioso para los alumnos y alumnas; también existe algún que otro centro que dispone de una biblioteca, pero donde su utilización es demasiado escasa. Es claro que si las prácticas educativas que tienen lagar en el interior de las aulas no necesitan de estos recursos no se les sacará partido aunque estén incluso dentro de tales aulas.
En estos momentos la propuesta de Ley de Ordenación del Sistema Educativo se nos presenta acompañada de una memoria económica y con las promesas de que por dinero no va a quedar. Esta es una noticia muy importante para la educación en el Estado Español y debemos procurar que tal promesa se cumpla. No podemos dejar pasar más tiempo esperando.
La derecha política va a atacar la Ley, especialmente en uno de sus aspectos más progresistas, el alargamiento de la comprensividad hasta los 16 años, está haciendo críticas también para conseguir más dinero para sus centros privados, etc. Es necesario que la izquierda y todos los sectores progresistas del Estado defiendan una Ley que en líneas generales tiene una dimensión progresista y mucho más si después de finalizado el debate se incorporan las críticas que aquí esbozamos, se rehace el discurso, especialmente en el Diseño Curricular Base, y se hace más hincapié en poner el sistema educativo al servicio de una verdadera igualdad de oportunidades.
Hay que hacerle ver al Gobierno que no puede caer en contradicciones en su propio discurso. Así no es de recibo que, por una parte, se hable de incrementar los presupuestos económicos destinados a educación y por otra se habla de «ajuste». ¿Cómo olvidar que en este mismo año uno de los recortes presupuestarios más duros afectó al propio Ministerio de Educación y Ciencia, y muy especialmente, a las partidas destinadas a Formación del Profesorado? Esto no creo que vaya en la línea de hacer creíble la Reforma.
Es necesario exigir que todas las medidas progresistas que aparecen por escrito en los documentos a debate se traduzcan a la práctica y no queden en papel mojado; es una responsabilidad histórica de la izquierda y de todos los grupos progresistas del Estado.
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Jurjo Torres Santomé
1990
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Jurjo Torres Santomé
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Resumo
Em tempos de crise ou de reestruturação dos mercados, da produção, distribuição e consumo de bens o sistema educativo é considerado particularmente importante para o desenvolvimento económico das nações. Este artigo analisa o processo de crescente naturalização da relação entre educação e mercado, bem como as políticas educativas neoliberais de escolha que reforçam, cada vez mais, uma sociedade hierarquizada, onde a igualdade de oportunidades se converte num ideal cada vez mais distante. Para combater estas políticas dominantes, o artigo defende a ideia de uma democracia dialogante, onde as salas de aula são convertidas em espaços onde se garante a liberdade para expressar ideias e convicções. Somente aí se recupera a verdadeira razão de ser da escola: a de um espaço onde se aprende a ser cidadãs e cidadãos, a analisar informada e criticamente o que está ocorrendo na sociedade e a criar disposições e atitudes positivas de colaboração e participação na resolução de problemas colectivos.
Abstract
In times of crisis or restructuring of market, production, distribution, and consumption of goods the educational system is regarded as particularly important to the economic development of the nations. This article analyzes the process of growing naturalization of the relation between education and market, as well as the neo-liberal educational policies of choice which increasingly reinforce a hierarchic society, where equality of opportunities is converted into an ever more distant ideal. To fight these dominant policies, the article defends the idea of a dialogic democracy, where classrooms are converted into spaces where freedom to express ideas and convictions is guaranteed. Only then is the true raison d’être of the school recuperated: a space where one can learn not only how to be a citizen and to analyze in an informed and critical way what is happening in society, but also a site where one is encouraged to create positive dispositions and attitudes towards collaboration and participation in the resolution of collective problems.
A instituição escolar é considerada de vital importância no desenvolvimento económico das nações e na construção dos mercados transnacionais. Este voltar a cabeça para o sistema educativo é mais acentuado em momentos de crise ou de reestruturação dos mercados, da produção, distribuição e consumo de bens. Em tais momentos, os discursos oficiais e as linhas de trabalho promovidas pelos Governos e pelas Administrações Educativas quase sempre passam também a ocupar-se das funções que é mais urgente que desempenhem as instituições escolares bem como dos conteúdos que se devem trabalhar nas aulas.
As instituições escolares e o professorado chegam assim a converter-se num dos nós gordianos das causas e soluções para os problemas que as economias nacionais e internacionais têm colocados. Os bombardeamentos discursivos insistem uma e outra vez em estabelecer ligações directas entre sistemas educativos e produtividade dos mercados. Uma inquestionável naturalização desta interligação, quando não um movimento unidireccional da esfera da educação à económica, vai converter-se no miolo da insistente propaganda com que se tratará de promover e condicionar a filosofia das reformas educativas e das intervenções políticas em educação. Estas serão apresentadas na base de argumentos que manifestam a sua urgência e razão de ser uma vez que só assim se podem sanar as maldades ou perversidades da esfera económica, do mundo da produção, distribuição e consumo. Estamos perante uma linha de argumentação que se vale de argumentos implícitos perversos para derivar para as aulas e instituições de ensino as explicações das crises ou fracassos económicos e sociais.
As crises económicas, e inclusivamente a conflituosidade social, não é infrequente que sejam explicadas por alguns sectores sociais mais directamente vinculados aos poderes político-económicos dominantes como fruto de uma descida dos níveis escolares, de que nas aulas certos conhecimentos e destrezas elementares já não se trabalham; daí as numerosíssimas queixas que em qualquer parte se ouvem denunciando que os rapazes e raparigas actuais já não sabem coisas que as pessoas de maior idade consideram imprescindíveis. O movimento do “regresso ao básico” apoia-se nesse mar de lamentações que procura reclamar uma maior disciplina nas escolas e nas aulas e a insistência nas aprendizagens das quatro regras para ler e escrever, algo que nunca encontra opositores; mas esquecem-se, no entanto, de insistir também no desenvolvimento de destrezas, de análises, avaliação e crítica, bem como do trabalho nas aulas de outros conteúdos culturais com maior poder de mobilização social, de outros conteúdos que possam dotar cada cidadão e cidadã de um maior caudal de recursos para corrigir as disfunções das sociedades do presente.
Num modelo de sociedade onde apenas poucas pessoas podem participar na tomada de decisões acerca dos modos de produção, distribuição e consumo, não é de esperar que o debate democrático sobre os conteúdos, as destrezas, os procedimentos e os valores que é preciso fomentar nas novas gerações acabe por ser uma das disciplinas prementes. Normalmente será algo que se furtará à sociedade, para passar a ser decidido por grupos de pessoas um tanto ocultos (na medida em que os seus nomes não se tornam públicos).
Convém também não esquecer que os discursos conservadores em educação para poderem levar por diante as suas reformas, também conservadoras, costumam recorrer a estratégias que têm por fim criar um certo pânico social. Para isso, insistem maçadoramente em que os níveis educativos estão a baixar, que os alunos que neste momento se encontram a finalizar a sua escolaridade obrigatória não sabem nada, que lhes faltam conhecimentos, procedimentos e valores que as gerações anteriores aprenderam a dominar. As falsificações da realidade estão na ordem do dia, pois oculta-se que nunca os níveis educativos estiveram tão altos como actualmente. “Como explicar a contradição flagrante entre a elevação contínua e espectacular dos produtos da actividade humana nos mais variados campos (ciência, tecnologia, nível de vida…) e o irresistível declive do nível intelectual das novas gerações?” (Baudelot & Establet, 1990, pág. 19). Chama poderosamente a atenção o facto de não ser costume tornar explícito que agora, nos países ocidentais, toda a população está escolarizada e que cada vez são mais as pessoas com alguma certificação ou título académico. Não se pode afirmar, e muito menos de forma alarmista, que os trabalhadores e trabalhadoras actuais possuem défices na sua formação que os impedem de desenvolver com eficácia uma boa parte dos postos de trabalho disponíveis. Pelo contrário, é fácil encontrarmo-nos perante uma situação historicamente nova, em que são muito frequentes as situações de pessoas com uma sobre-especialização, que estão desempenhando ocupações laborais de categoria inferior às que lhes corresponderiam se atendêssemos aos títulos e certificados académicos que possuem; ocupam lugares para os quais se requereria um título académico de menor nível.
Desde a crise do petróleo da década de setenta, até a partir de instituições economicistas como a OCDE (1991, pág. 22) se constata o falhanço da fórmula “a mais educação, mais prosperidade” e, portanto, não é justo deitar todas as culpas às instituições escolares, numa sociedade com um mercado de escasso emprego e precárias condições laborais. Mesmo assim, era evidente que a educação não estava directamente conectada com a mobilidade social. Na informação internacional da OCDE, titulada “Escuelas y calidad de la enseñanza”, reconhece-se de forma expressa a falta de coerência nas contínuas queixas do mundo empresarial, já que “são agora muito mais numerosos do que anteriormente os alunos que saem da escola com alguma forma de qualificação, mas não diminuiu a insatisfação dos patrões” (OCDE, 1991, pág. 24). O forte desemprego, típico das economias de mercado neoliberais veio reforçar-nos na ideia de que a maioria dos actuais problemas das empresas capitalistas não são fruto de uma falta de especialização dos trabalhadores e trabalhadoras que nelas trabalham, mas sim devidos a outras razões. Com demasiada frequência, a verdadeira razão, não explicitada, é de que não estão dispostos a pagar-lhes salários mais justos, daí que recorram a estratégias não solidárias como a de se deslocarem para outros países onde se podem obter maiores benefícios económicos na base da redução de salários; países nos quais é fácil contratar mão de obra em condições laborais quase esclavagistas.
É obrigatório sublinhar que, em numerosos casos, o capitalismo foi o culpado das suas próprias crises, por exemplo, por não saber reagir a tempo nos seus processos de inovação tecnológica, por atrasar investimentos na modernização das suas infra-estruturas e no acesso às novas tecnologias. A culpa, uma vez mais, não podemos admitir que esteja do lado do sistema educativo.
É óbvio que a educação não é a única nem a principal chave de transformação das sociedades, sobretudo em países e economias onde as desigualdades são reforçadas por instituições públicas e privadas nas quais o poder se reparte muito desigualmente, por legislações que não assumem o princípio da igualdade de oportunidades e por uma injusta distribuição na posse de capitais e de propriedades.
A inadequação das metáforas do mercado em educação
É difícil pensar em conceitos como mercado e propor similitudes na esfera educativa com o que tradicionalmente vêm sendo os mercados comerciais e industriais, por exemplo, mercados de produtos como tecidos, carros ou conservas.
No âmbito do ensino, existem toda uma série de peculiaridades que dificilmente podem permitir-nos comparar uma fábrica de automóveis a uma instituição para educar pessoas, sem o perigo de distorcer demasiado o que se espera destas instituições de formação. O sistema educativo está claramente relacionado com o mundo empresarial, por exemplo, com as indústrias da informação e da comunicação, bem como com aquelas instituições económicas privadas que produzem investigação e, em geral, com todas as empresas que fazem negócios com a produção, difusão e utilização do conhecimento. No entanto, as finalidades dos sistemas educativos não se esgotam nessas interdependências, nem em preparar o capital humano e o conhecimento que vai necessitar o mercado para funcionar.
A longa e dura luta dos colectivos sociais mais populares pelo acesso às instituições escolares esteve sempre ligada à luta por uma sociedade mais igualitária, livre e democrática. Esquecer estas reivindicações sociais, pode permitir que se voltem a gerar as condições que deram lugar à construção de sociedades injustas, autoritárias e opressoras e ao aumento de colectivos sociais excluídos. Nada mais perigoso que submeter as instituições escolares à ditadura das teorias económicas e empresariais, esquecendo que nos momentos em que os sistemas educativos desempenharam as funções sociais mais interessantes eram a filosofia, a ética, a sociologia, a antropologia as áreas de conhecimento que melhor permitiam clarificar as funções que exerciam ou que podiam cumprir os colégios, institutos, centros de formação profissional, escolas de artes, conservatórios de música e dança e universidades.
Empregar conceitos como o mercado obriga a circunscrever-nos unicamente à esfera económica, a referirmo-nos a sistemas de produção, distribuição e consumo de bens nos quais se procura a rentabilidade económica, a obtenção de benefícios económicos; exige- nos, ademais, valer-nos dos sistemas de controlo e regulação que vigoram nos mercados capitalistas e, em boa lógica, também das relações de poder que vigoram nessa esfera. São as necessidades do mercado que vão servir também para avaliar o conhecimento que merece a pena, tanto em termos de produção como de utilização, como que pessoas e quando vão ter acesso a ele e a que parcelas ou com que níveis de profundidade.
Os mercados capitalistas têm entre os seus traços mais idiossincráticos os seguintes:
a) A produção de mercadorias ou bens de consumo com um grau de limitação que converta a sua escassez em negócio. Mercadorias que tenham valor quantitativo para os consumidores e consumidoras, individualmente considerados, e, ao mesmo tempo, produzam maiores benefícios económicos mensuráveis para aqueles que as produzem, trocam e comercializam na medida em que sejam escassas e com muita procura.
Em educação nem tudo se pode traduzir em quantidades mensuráveis e esgotáveis e que permitam estabelecer-se um preço. Os seus benefícios, para além de serem a título pessoal, para cada pessoa, têm também aspectos mais gerais, colectivos; beneficiam de maneira global (sem distinguir entre clientes, trabalhadores, trabalhadoras e empresariado) e não podem quantificar-se nem taxar-se. Assim, por exemplo, como quantificar os conhecimentos de uma pessoa em geografia, história, matemática, biologia, o seu nível de solidariedade, de responsabilidade, de justiça, de cooperação, a capacidade de crítica, etc.
Se não perdermos a memória, podemos constatar que um dos grandes feitos do século XX foi o de um progressivo aumento do número de pessoas que tinham direito à educação e, portanto, do seu direito a estudar um maior número de anos. Nas sociedades actuais, verificamos que é fácil oferecer educação a toda a população e que se pode e deve facilitar a sua promoção a níveis cada vez mais altos do sistema educativo.
Essa mesma memória tem de ter presente um bom número de colectivos sociais que defenderam, e continuam a defender, que as principais metas de trabalho nas aulas e nas instituições escolares não podem resumir-se a facilitar apenas a um reduzido número de pessoas ou colectivos sociais a aquisição de conhecimentos e destrezas com as quais possam ter mais vantagens económicas sobre as outras pessoas.
As lutas sociais a favor de maiores quotas de justiça e democracia durante o século XX foram sempre acompanhadas de apostas por outras filosofias educativas não mercantilistas, por uma educação que chegasse a inculcar nos alunos valores como a fraternidade, a ternura e a defesa e ajuda dos seres mais débeis e oprimidos, e pela defesa do meio ambiente. Tal compromisso educativo não permite que se imagine que este tipo de metas se pensaram apenas para um reduzido número de pessoas; que só aqueles que tivessem mais recursos económicos poderiam e deveriam aceder a elas. Nunca um compromisso com valores humanos deste tipo pode chegar a contemplar-se como uma oferta que só se faz a quem tem possibilidades financeiras.
b) O mercado produz uma relação de troca quantitativa entre aqueles que produzem e aqueles que consomem. Em educação é muito difícil estabelecer o preço dos serviços dos professores e o que devem pagar os estudantes. Como estabelecer o preço do que os professores ensinam e do que aprendem os seus estudantes? Deveria haver, dentro de um mesmo nível educativo, um salário diferente por ensinar os conteúdos culturais em que se existe maior fracasso escolar e aqueles outros etiquetados como “marías”1? Teria direito o professorado a negar-se a ensinar determinados conteúdos porque considera que o seu salário é insuficiente?
c) Produzir mercadorias gera relações de competitividade e rivalidade. Aqueles que fabricam as mercadorias mais raras e procuradas, e que geram maior necessidade entre os consumidores e consumidoras, obtêm mais benefícios; benefícios que podem chegar a aumentar na medida em que consigam eliminar os seus rivais; por conseguinte, enriquecer equivale a produzir algo em exclusivo. A estrutura de produção capitalista exige uma desigualdade tanto no acesso ao consumo como nas possibilidades de participar na produção. As empresas dos demais aparecem sempre como rivais a eliminar, algo que as práticas de “dumping” manifestam.
d) O mundo do mercado exige que se crie nas pessoas uma “subjectividade de mercado”, requer que se construam personalidades com desejo por consumir e indivíduos com espírito competitivo e ânsia de enriquecer sem limites. O mundo da produção capitalista trabalha na base de pessoas que consomem, quanto mais obsessivamente melhor, e pessoas que produzem para aumentar mais e mais o seu património e riquezas. O status de cada pessoa estabelece-se e/ou torna-se visível pela possessão e acesso a determinados bens de consumo. O individualismo converte-se na única perspectiva de reflexão e actuação humanas.
As identidades e subjectividades que promove a sociedade de mercado capitalista chocam frontalmente com as personalidades que não apostam ou não vêem bem esse domínio do mercado. As pessoas preocupadas por valores como a solidariedade, a igualdade, a justiça e a democracia passam a ser consideradas como estranhas, antiquadas, fora de moda, utópicas, mas no sentido mais negativo, ou seja, seres fantasiosos, sonhadores e situados fora do mundo.
Propor que o sistema educativo passe a funcionar com filosofias de mercado, equivale a torná-lo promotor deste tipo de modelos de homem e mulher e a que as instituições escolares se pensem e governem atendendo aos interesses da sociedade de mercado capitalista; com as mesmas leis e normas que o resto das empresas produtivas.
As instituições de ensino teriam que competir entre si, estabelecendo uma relação com a comunidade similar à de produtor/a-consumidor/a na qual principalmente se decida e trabalhe na base de custos e benefícios tanto económicos como simbólicos. Esta perspectiva produz uma clara distinção e separação de funções entre aqueles que oferecem serviços educativos e aqueles que os escolhem e consomem. Deste modo, a participação das famílias nas escolas, e principalmente de outros colectivos sociais de carácter mais comunitário (por exemplo, associações municipais, sindicatos, organizações não governamentais), ficaria também condicionada.
Em consequência, para se tornar visível e se estimular a competitividade típica de uma sociedade de mercado capitalista, deveria optar-se, obrigatoriamente, por definir os resultados visíveis e mensuráveis que teriam de obter os alunos. Esta forma de definição das metas educativas permitiria a sua comparação, bem como o estabelecimento de hierarquias de acordo e em função da eficácia conseguida. As famílias decidiriam que resultados preferiam que alcançassem os seus filhos e filhas e em função deles optariam por uma determinada instituição escolar. Como resultado disso, as instituições docentes é fácil que se vejam obrigadas a deixar de lado determinados projectos educativos que incidam em conteúdos culturais e valores que tenham um grande valor formativo, mas que não aparecem à primeira vista interligados com o desempenho de postos de trabalho que gozem de reconhecimento social e nos quais os salários são muito altos. Pelo contrário, é fácil que um número importante de colégios se decidisse por elaborar os seus projectos com o objectivo mais imediato de vender os seus serviços de modo mais atractivo e eficaz aos seus potenciais consumidores e consumidoras; ou seja, existiria uma maior diversificação de projectos de formação, atendendo às modas do momento e às famílias que interessa atrair; além disso, provavelmente, dar-se-ia uma notável hierarquização de instituições provedoras de educação.
Se existir uma listagem de indicadores quantitativos ou estandardes de rendimento com os quais se compare e avalie os resultados é previsível que as escolas se vejam obrigadas a estabelecer formas de gestão e organização muito semelhantes aos que existem no mundo da produção de mercadorias. Atingir esses resultados, que vão ser objecto de contraste com a listagem de indicadores, obrigaria a reduzir, ou inclusive anular, as possibilidades de que o conjunto de docentes, estudantes e respectivas famílias pudessem decidir que tipo de educação, que valores, atitudes, conteúdos e procedimentos deveriam trabalhar-se e fomentar-se.
Uma concepção tão mercantilista da educação facilitaria que o credencialismo, a obsessão por acumular títulos e diplomas, ganhasse maior importância. A acumulação de capital, típica do mercado capitalista, teria como seu equivalente no sistema escolar a acumulação de títulos. Títulos com os quais, posteriormente, se negociariam postos de trabalho que, por sua vez, permitiriam acumular capital monetário, prestígio e poder.
Na medida em que fosse avançando esta ideologia mercantilista, o trabalho escolar consistiria apenas em adquirir conhecimentos, valores e destrezas que são exigidos por parte daqueles que decidem e controlam o mercado da produção e distribuição de bens de consumo. As opções estudantis e, supostamente, a oferta escolar guiar-se-ia e avaliar-se-ia pelas suas possibilidades de troca no mercado laboral.
Por sua vez, tal panorama converter-se-ia no melhor meio de cultivo e desenvolvimento de pessoas egoístas e individualistas. Cada estudante só pensaria em si próprio, com a agravante de que os seus companheiros e companheiras poderiam acabar por ser vistos unicamente como competidores e rivais numa sociedade capitalista onde há escassez de postos de trabalho, o que permite baratear postos de trabalho e, portanto, acumular maiores benefícios aos empresários e empresárias.
A preocupação pelos assuntos da comunidade, pelo bem estar de todos e de cada um dos vizinhos e vizinhas, pelos direitos humanos e condições de vida de povos como os do terceiro mundo, o interesse pelas questões do meio ambiente, é muito possível que fossem tratados como assuntos secundários. Não é fácil que os conteúdos escolares indispensáveis para debater este tipo de questões sociopolíticas tenham uma importante procura no âmbito do actual mercado de produção e distribuição capitalista; dificilmente os alunos perceberiam que essas matérias lhe servissem para alcançar, o que é possível que seja, o seu único objectivo: conseguir um posto de trabalho.
Obviamente que não concebemos um sistema educativo que não tenha em consideração o mundo laboral, que não se preocupe por oferecer a cada estudante a preparação necessária para participar activamente na sua comunidade, para trabalhar nela e para ela. A perspectiva crítica que temos vindo a desenvolver refere-se a que não assumimos que o sistema educativo só tenha sentido para preparar trabalhadores e trabalhadoras para um mercado no qual a desigualdade de oportunidades e a repartição da riqueza se produz de maneira muito injusta; um mundo no qual, dia a dia, se reduzem as possibilidades de participar democraticamente na definição do tipo de sociedade que mais pode beneficiar a todos, na qual a igualdade de oportunidades seja real e não um mero slogan que serve para ocultar um mundo não solidário e injusto, um mundo no qual as cartas estão distribuídas de modo muito desigual.
O sistema educativo é uma realidade e foi fruto de lutas sociais muito importantes, levadas a cabo por aqueles que sofriam as maiores injustiças como uma das estratégias primordiais para conseguir maiores quotas de justiça e igualdade. Esquecer a história das lutas travadas para conseguir que a educação fosse um serviço público, gratuito e obrigatório facilita que se desvirtuem as finalidades do trabalho escolar; que se pense que este tem unicamente a finalidade de capacitar para um posto de trabalho. Assim, com semelhante concepção da educação, nem sequer poderíamos chegar a pôr em questão, nem as peculiaridades desse posto de trabalho nem os benefícios a que deve dar lugar, nem, obviamente, este modelo de sociedade capitalista.
Como deve ser a nossa sociedade? Como deve estar organizada? Como podemos e devemos actuar como cidadãos e cidadãs? São interrogações que não têm de ser vistas como já decididas e para sempre pelos poderes actuais, o Estado ou o sector empresarial, uma vez que cada pessoa deve ter possibilidades de participar nessa concretização. Preparar uma comunidade com capacidades, destrezas, valores e conhecimentos para levar a cabo esta tarefa obriga aqueles que têm responsabilidades no sistema educativo a olhar muito para além das necessidades que manifestam os proprietários e proprietárias das fábricas e negócios privados.
Realmente, não é fácil que uma pessoa pense que a única coisa que deve proporcionar- lhe o sistema escolar são conteúdos para desempenhar um determinado posto de trabalho para que se sente atraído e que, ao mesmo tempo, se sinta motivada pelo conhecimento da história, da literatura, que perceba a necessidade de desenvolver capacidades para analisar criticamente discursos, para julgar realizações humanas em função de interesses comunitários, que procure dos seus professores tarefas escolares com o fim de conseguir o desenvolvimento de uma maior sensibilidade artística, que valorize as suas aprendizagens na medida que a ajudam a um maior compromisso com os direitos humanos, com a defesa da liberdade, que esteja disposta a ser julgada em relação às suas condutas de solidariedade, etc. Trabalhar nas aulas com conteúdos culturais seleccionados tendo no ponto de mira este tipo de finalidades, pode não ser demasiado atractivo para aqueles que pensam que o que verdadeiramente vale a pena é somente aquilo que pode converter o dia de amanhã em dinheiro e posição social. Muitos dos conteúdos culturais destinados a tornar melhores os seres humanos podem entrar em contradição flagrante com os conteúdos e destrezas que facilitam a competição por contratos laborais mais bem pagos e que, por sua vez, lhes facilitam aceder a um mercado de consumo com menos limitações.
Um sistema educativo mercantilista é aquele em que os títulos ou diplomas que outorga têm como alvo e gozam de prestígio no mercado da produção, distribuição e intercâmbio de bens e serviços. São credenciais que, deste modo, se convertem em motivações para os alunos já que proporcionam aqueles que os conseguem vantagens no mercado de trabalho, e lhes permitem negociar os seus contratos com maiores exigências.
Numa boa lógica capitalista, a consecução dessas credenciais valiosas não é acessível a toda a gente pois, caso contrário, desvalorizar-se-iam. Se a um determinado posto de trabalho acedem muitas pessoas com a mesma habilitação, conferida por instituições com o mesmo prestígio, é obvio que essas pessoas não vão poder fazer demasiadas exigências. Por conseguinte, a selectividade competitiva vai converter-se numa das marcas distintas dos sistemas escolares mercantilistas. As instituições docentes competirão entre si para outorgar títulos que gozem de maior aceitação no mundo empresarial, o que as obrigará por sua vez a seleccionar também os alunos que acedem a elas. Esta procura do elitismo e da excelência vai acarretar disfunções importantes no que se refere às finalidades dos sistemas educativos. É imaginável que a obsessão dos alunos chegue a ser unicamente a de acumular títulos e mais títulos, por forma a ter maiores probabilidades de competir por um posto de trabalho. Além disso, o paradoxo pode ser de que, na imensa maioria dos casos, aqueles que consigam esse cobiçado contrato laboral comprovem que têm um grande percurso formativo, constatem que para desempenhar esse posto de trabalho não era necessário ter estudado tantas matérias nem ter adquirido a maioria dos diplomas e certificados apresentados.
Trabalhar com este tipo de ideologias educativas vai ter repercussões nas possibilidades de acesso a uma educação de qualidade para as pessoas que vivem em ambientes cultural e economicamente mais desfavorecidos, para aqueles que têm alguma deficiência física e/ou psíquica, para aqueles que pertencem a etnias minoritárias sem prestígio nem poder. As instituições escolares tentarão desfazer-se por todo tipo de meios dos alunos e alunas que possam contribuir para “baixar” as médias nos estudos comparativos entre escolas ou nos testes que se utilizem para comprovar rendimentos escolares na base dos estandardes estabelecidos pelas agências de avaliação dos sistemas educativos.
É preciso que as pessoas entendam que há determinadas formas de organizar e gerir o mercado que provocam múltiplas e dolorosas disfunções (desemprego, marginalidade, não solidariedade, agressividade, …) e para as quais a educação não é o “bálsamo de Fierabrás” que imaginava D. Quixote; perante estas situações, o trabalho escolar não pode senão servir para ajudar a denunciar este tipo de modelos de economia e para tentar comprometer as pessoas na invenção de outros modos de produzir, trabalhar, consumir e relacionar-se. As diferentes áreas de conhecimento devem proporcionar as ferramentas para ajudar a resolver os problemas que nós, seres humanos, vamos criando no nosso processo ininterrupto de conseguir cada dia ser mais humanos.
Se o economicismo continua a consolidar-se como o cristal dominante através do qual contemplamos a realidade, as instituições escolares podem chegar a ser vistas pela comunidade apenas como “fábricas de empregados”. Educação e economia, em teoria, apresentam-se como um matrimónio, como esferas que se devem mútuo respeito, que estão obrigadas a conviver, interagir e a influenciar-se mutuamente; sem dívida que, na prática, a maioria das vezes acabam por desempenhar os papéis dos matrimónios mais conservadores nas sociedades patriarcais, ou seja, a educação acaba convertida em serva ou escrava da economia. Esta é a cabeça que pensa, decide e obriga.
O favorecimento do credencialismo e da excelência competitiva
Nos modelos de economia neoliberal estimulam-se os cidadãos e cidadãs a verem-se como consumidores e consumidoras, num mundo onde a economia carece de regras diferentes das de – tudo em favor da obtenção de benefícios para o empresariado. O darwinismo economicista dominante favorecerá apenas os conteúdos culturais e títulos académicos que possam ser mais facilmente procurados pelo mercado. Utiliza-se o sistema educativo como uma instituição bancária, na qual se realizam investimentos em estudos e títulos com os quais será mais fácil encontrar um posto de trabalho e obter benefícios económicos e sociais. Logicamente, para isso, procurar-se-á evitar o acesso dos alunos àquelas informações e estratégias de análise e de crítica que possam chegar a criar contradições no sistema capitalista vigente ou para fazer ver a necessidade de propor modelos alternativos de organização da sociedade e/ou do mundo de trabalho.
Esta filosofia impõe também a moda da “super especialização” e do “vocacionalismo”. As pessoas aprendem a perceber que nascem com uma determinada vocação, com inclinações naturais para uma modalidade de trabalho. Vêm-se a si mesmas com atitudes “inatas” para desempenhar um determinado trabalho que nesse mercado e sociedade goza de boa fama e prestígio, quando menos, relativamente aceitável. As pessoas e, portanto, as alunas e alunos têm muitas dificuldades para ganhar consciência de como o mercado através, por exemplo, dos meios de comunicação de massas nos torna aficcionados ou não de algo. Em boa medida, isto explica que para as ocupações laborais menos qualificadas e/ou menos valorizadas socialmente não apareçam pessoas “com vocação”; sobretudo se as ideologias que apostam pela solidariedade e justiça social se vêm como passadas de moda.
Esta perda de vista do valor social do trabalho e do conhecimento agrava-se na medida em que desde próprias as universidades se aposta por uma acentuada especialização, na qual a interdisciplinaridade perde terreno. Trabalhar com conteúdos culturais muito fragmentados contribui para que não se cheguem a entender muitas das funções ocultas desse conhecimento especializado; desta maneira, dissimulam-se mais facilmente os interesses económicos e políticos de muitas linhas de investigação e aplicação desse conhecimento.
Este “vocacionalismo construído” que orienta as escolhas escolares, realizadas em momentos chave nos quais as alunas e os alunos têm que optar por matérias para estudar e que condicionarão as suas especialidades académicas e profissionais futuras, que restringe de maneira importante as suas aspirações sociais e culturais, é influenciado de um modo decisivo pelas suas famílias de origem, pela sua pertença a uma determinada classe ou grupo social. É esta origem de classe, com o que produz de posse e participação de um capital cultural e económico específico (Bourdieu, 1989), que nos leva também a dizer que este credencialismo se constrói jogando com “cartas marcadas”. Geralmente, o cuidado e atenção das famílias pelo sistema escolar é semelhante aos níveis educativos alcançados pelos adultos dessas famílias e pela sua posição social e cultural. Ainda que não de uma forma totalmente reprodutora, cada família actuará e, em grande medida, também se autolimitará em função da sua pertença a uma classe ou grupo social concreto.
É no ambiente familiar e no seu círculo de amizades e influências que os rapazes e raparigas se informam e aprendem o valor “real” de determinadas preferências académicas, das possibilidades de optar por uma determinada disciplina, especialidade, habilitação ou curso e, inclusive, instituição escolar mais produtiva e com verdadeiro valor de troca nesta sociedade de mercado. A esta informação acedem muito antes de que se vejam forçados a uma inadiável tomada de decisões. É por isso que será dentro das famílias de classe média e alta onde notaremos um acompanhamento mais minucioso dos resultados escolares dos seus filhos e filhas, de maneira especial naquelas matérias que têm maior valorização no mercado laboral actual e/ou futuro. Desta forma, uma família aos primeiros sintomas de que o seu filho ou filha vai mal nalguma dessas disciplinas “importantes” toma medidas para a sua correcção. Noutras famílias com menos informação é mais fácil que cheguem a despreocupar-se dado que, ou aceitarão essas dificuldades como “naturais”, como fruto de capacidades inatas, ou as considerarão como de pouca importância nesses primeiros momentos; não têm em conta de que mais tarde esse atraso escolar pode agravar-se mais e que no momento fatídico em que tais estudantes se vejam forçados a realizar escolhas de especialidades já não possam fazer nada para sanar os défices acumulados.
Recorrendo a uma analogia da economia, Pierre Bourdieu, diz-nos que “os movimentos da bolsa de valores escolares são difíceis de prever e aqueles que podem beneficiar, através da sua família, pais, irmãos ou irmãs, etc., ou das suas relações, de uma informação sobre os circuitos de formação e seu rendimento diferencial, actual e potencial, podem fundamentar melhor os seus investimentos escolares e conseguir o melhor beneficio do seu capital cultural” (Bourdieu, P., 1997, pág. 117).
Este papel da família na educação aparece com muita frequência nas investigações acerca do fracasso e do êxito escolares nos sistemas educativos. Também Christian Baudelot & Roger Establet (2000), numa das suas últimas investigações sobre o que aconteceu em França no período entre 1968-1998, ou seja nos trinta anos seguintes à famosa revolução de 68, constatam que o êxito escolar está muito relacionado com a implicação das famílias na educação. Os alunos que melhor se distinguem dos que têm mais problemas são aqueles em que nos seus domicílios o pai ou a mãe se encarregam de ajudar a organizar o tempo livre; asseguram-se de que os seus filhos e filhas dediquem algumas horas a estudar, às tarefas escolares. “Mais de três horas semanais dedicadas no lar às actividades escolares e para-escolares separam o aluno que tem êxito escolar daquele que tem dificuldades” (Baudelot & Establet, 2000, pág. 104).
Nesta supervisão dos deveres escolares existem diferenças entre as famílias; as que têm um maior nível cultural e profissional levam a cabo um controlo mais quotidiano e metódico do rendimento das suas filhas e filhos, não tendo dívidas em contratar docentes que acorram ao seu domicilio para reforçar aquelas aprendizagens em que aqueles manifestam mais dificuldades.
Costuma existir uma correlação positiva entre o êxito escolar e o interesse demonstrado realmente pelas famílias.
Em maior número do que os pais, as mães dos estudantes e das estudantes que têm êxito dos meios sociais populares mostram-se especialmente mobilizadas, atentas às suas motivações e atitudes escolares, ansiosas por ajudá-los a desenvolver projectos realistas e coerentes. Quando existe uma preocupação por parte das famílias trabalhadoras com menos recursos pelo rendimento académico das suas filhas e filhos também aumentam as expectativas acerca do nível escolar e da habilitação que devem chegar a alcançar. Assim, por exemplo, Gisèle Mirande na sua tese de doutoramento, na qual estudou o êxito escolar nas classes populares dos bairros do norte de Marselha, em França, demonstrou que “para esses pais do meio obreiro, mais de um terço dos quais procede da emigração, o bacharelato2 é considerado como o nível mínimo a atingir em 75% dos casos”, pelos seus filhos e filhas (Cit. em Baudelot & Establet, 2000, pág. 105).
Não obstante, é preciso ter presente que, embora tenhamos que reconhecer que os níveis educativos da população, em geral, estão a subir (Baudelot & Establet, 1990), não o fazem na linha de uma maior equiparação entre todos os colectivos sociais. As aspirações de todos os grupos sobem e, logicamente, as das famílias mais acomodadas, com maiores níveis económicos e culturais fazem-no em maior medida. No acesso a estudos universitários, professores e licenciados é onde se nota mais a ausência dos filhos e filhas das classes populares.
Reposicionamento político da família
O facto da família ser uma instituição importante na vida dos meninos e meninas não quer dizer que este seja o espaço prioritário a partir do qual se deva intervir na vida pública, enquanto cidadãos e cidadãs de um determinado estado ou nação.
As políticas económicas neoliberais parecem estar a reforçar o famoso slogan de Margaret Thatcher de que “não existe a tal coisa denominada sociedade, só há indivíduos e famílias” (“There is no such thing as society, only individuals and families”).
Tenta reposicionar-se a família como âmbito prioritário na tomada de decisões públicas. A Nova Direita contrapõe a instituição familiar a outras instâncias sociais: associações municipais, sindicatos, partidos políticos e organizações não governamentais. Perante ideologias mais colectivistas, e não digamos as anarquistas, agora as meninas e meninos aparecem como “possessões” das famílias, as quais investem e reinvestem na sua educação, tal como numa bolsa de valores para assegurar futuros sãos e vantajosos.
As mães e também os pais voltam a situar-se como elementos importantes no processo de educar as novas gerações. Algo que em séculos passados teve um assinalável impacto, não esqueçamos que personalidades como Juan Amos Comenio, Jean Jacques Rousseau já sublinharam a importância da família e, inclusive Juan Enrique Pestalozzi, nos princípios do século XIX, escreve as suas principais obras destinadas às mães, não ao professorado; o próprio Friedrich Froebel em 1840 criou na Alemanha uma associação de mães para favorecer a educação dos seus filhos e filhas.
A psicologia, na segunda metade do século XX, esteve também muito ocupada no papel que a família podia desempenhar na educação; aí estão os numerosos programas de estimulação precoce e, inclusive, de preparação para a maternidade e paternidade nos quais se destaca a importância do seu papel educador.
Actualmente, a onda conservadora, que tenta recuperar e incrementar o seu poder, volta a insistir na importância da instituição familiar e não hesita em promovê-la como vigia da ortodoxia das escolas.
Esta insistência em tentar outorgar mais poder às famílias, creio que pode ser o antídoto conservador para as exigências de maior democratização da sociedade que se reclamam a partir de posições ideológicas progressistas, em concreto de uma maior potenciação da sociedade civil.
Neste reposicionamento da família vê-se claramente como o debate “escola pública – escola privada”, tal como se vem colocando nas últimas décadas, parece que só compete às famílias e não à comunidade. Se admitimos que a educação é um projecto político pelo qual tentamos conformar o futuro da comunidade em que vivemos e da sociedade em geral, é óbvio que a participação na tomada de decisões referente a esta esfera compete a toda a comunidade e não apenas aos pais e mães. Ou será que as pessoas solteiras, as famílias sem filhos, e as pessoas da terceira idade não pagam impostos destinados à educação? Não os preocupa o futuro da sua comunidade? Logicamente, uma sociedade democrática é aquela na qual todas as pessoas podem interferir nas resoluções que afectam a vida pública.
Obviamente as famílias têm um papel muito importante, mas no qual prima um certo egoísmo social na tomada de decisões que realiza. Essas mesmas pessoas que integram uma família é previsível que tenham comportamentos mais generosos e solidários quando participam e decidem enquanto membros de organizações sociais mais extensas como: associações municipais, sindicatos, partidos políticos, Organizações Não Governamentais, etc.
As famílias e a escolha das escolas
Uma das situações em que se está a tornar mais visível que cada família se preocupa consigo mesma, que pensa prioritariamente em si própria, é no caso das escolhas das instituições escolares.
Costuma propagar-se como um slogan, de maneira irreflectida, que mercado é liberdade, mas de quem? Essa liberdade só a podem desfrutar aqueles que têm as condições prévias necessárias. No caso da escolha de escolas, como se pode tornar efectiva esta possibilidade para as famílias com escassos recursos económicos ou simplesmente, sem nada nos bolsos? Quem financia as deslocações? Como procurar informação pertinente e relevante para este tipo de tomada de decisões? Como seleccionar e entender o que devem ter em consideração para escolher de modo adequado? De que maneira se podem escolher na educação infantil e primária escolas com projectos educativos diferenciados ao existir um Estado que impõe uma alta percentagem de conteúdos curriculares obrigatórios?… Se não se dão condições para responder a estas interrogações, falar de liberdade de mercado é uma falácia.
Alguns autores (Whitty, Power & Halpin, 1999; Levacic, 1995; Le Grand & Bartlett, 1993) optam pelo conceito de “quase mercado” para delimitar com maior precisão o processo de mercantilizar o sistema educativo, introduzindo as formas de organização do trabalho típicas do sector privado e as dinâmicas que caracterizam a produção capitalista. O “quase mercado” perante um serviço público caracterizar-se-ia por uma separação entre aqueles que produzem um serviço, aqueles que o escolhem e aqueles que o financiam e controlam. Esta separação permite que possam competir para oferecer determinado serviço tanto sectores privados como públicos. Uma das peculiaridades dos “quase mercados” é, todavia, o importante grau de controlo que mantêm o Estado ou o governo das Comunidades Autónomas em aspectos de grande importância como são o financiamento desses serviços, a sua inspecção, a imposição de trabalhar determinados conteúdos, o tempo que assistirão os seus usuários e usuárias, o preço máximo que é permitido cobrar, a capacidade para determinar os que podem oferecer estes serviços e de que formação precisam os que trabalham nessas instituições. No caso que nos ocupa, o sistema educativo, e dado que uma parte muito importante deste sistema é de assistência obrigatória para a população, “a introdução dos quase mercados parece trazer consigo uma combinação de escolha dos pais e de autonomia escolar, associada a um grau considerável de prestação pública de contas e de regulamentação governativa” (Whitty, Power & Halpin, 1999, pág. 16).
As diferenças dos “quase mercados” com o mercado aparecem tanto do lado da oferta como do lado da procura. Por parte da oferta, tal como ocorre com os mercados convencionais, existem distintos subministradores dos serviços (colégios, universidades) competindo para atrair a clientela. Mas há uma acentuada diferença com os mercados clássicos quanto aos benefícios por que competem. Nos “quase mercados” estas organizações ofertantes não têm como meta prioritária um aumento dos benefícios económicos dos seus proprietários e proprietárias. Os seus objectivos são mais de carácter social, de ajuda ao desenvolvimento das pessoas, de socializar em determinados valores, de promover determinadas concepções da vida; a ideia de negócio para acumular mais capital económico, não aparece nunca à primeira vista, nem ainda naquelas instituições cujos grupos promotores não estão claramente vinculados a um projecto religioso, político ou cultural. Logicamente uma parte importante das instituições escolares de titularidade privada têm também interesse em rentabilizar os seus investimentos económicos, mas este fim aparece quase sempre num lugar mais secundário; não aparece exposto com clareza na documentação que tornam explícita.
Além disso, há diferenças, no lado da procura, da clientela. Aqueles que escolhem uma instituição escolar não o fazem tendo em conta unicamente a sua própria capacidade aquisitiva. Embora isto pudesse dar-se no caso em que se implantasse um sistema de “cheques escolares”. Num modelo escolar em que se assume que a educação obrigatória tem de ser gratuita, as escolhas que realizam as famílias sobre as escolas para as quais podem enviar os seus filhos e filhas, não se centram de forma prioritária nos custos económicos. As razões para escolher têm mais a ver com concepções educativas, com os ideários das escolas, com expectativas acerca do rendimento dos seus filhos e filhas em cada uma das escolas possíveis, com modelos de disciplina, com o tipo de estudantes que acorre a elas, etc. No entanto, e dado que as instituições escolares oferecem cada vez mais uma maior variedade de actividades extra-escolares, também as famílias contemplam os preços dos diferentes colégios. Mas este nem sempre costuma ser o motivo decisivo das escolhas das escolas, tal como ocorre em mercados mais típicos, por exemplo, dos automóveis, dos objectos de decoração, dos produtos de alimentação, de habitação, …
De entre os factores que são tidos em consideração pelas famílias para as escolhas dos colégios dos seus filhos e filhas, cabe assinalar os seguintes, sem que esta enumeração pressuponha uma hierarquização das preferências:
a) A jornada escolar. Neste momento, em algumas comunidades autónomas de Espanha (Canárias, Galiza, …) existe uma significativa proporção de instituições de ensino que têm jornada única. Esta jornada única é muito mais visível nos colégios públicos que nos privados. Quando as instituições privadas optam pela jornada única, normalmente fazem-no para poder completar a sua oferta formativa e para obter maiores benefícios económicos, especialmente o ensino concertado, o que recebe financiamento público. Estas escolas costumam adoptar a jornada única com o consentimento das famílias dado que com essa organização temporal podem oferecer aos seus alunos um maior número de actividades extra-escolares; actividades que, além do mais, costumam ser procuradas tanto pelas famílias como pelos alunos, pois tratam de conteúdos culturais mais da moda e, com muita frequência, com forte procura no mercado, como são, por exemplo, línguas, informática, música, ballet, desporto, maior aprofundamento em determinadas áreas curriculares, … Actividades que, ao serem etiquetadas de extra-escolares, podem ser distribuídas por pessoal mais especializado. Uma escola privada ao transferir os gastos para as famílias pode contratar, por exemplo, para o ensino de línguas professores estrangeiros, para os ensinos de música profissionais dos instrumentos que desejam oferecer, bailarinos e bailarinas profissionais, especialistas em informática para as oficinas de novas tecnologias, para as opções de desporto desportistas profissionais ou com muita experiência, etc.
As instituições privadas que se vinculam a este horário obtêm assim maiores recursos económicos, dado que estas actividades extra-escolares são cobradas às famílias.
A desvantagem da jornada única nas escolas públicas é que as tardes ficam demasiado livres à responsabilidade das famílias, pois os professores a partir das duas horas da tarde finalizam a sua jornada laboral com os alunos. Consequentemente, as famílias têm de se encarregar de organizar a tarde dos seus filhos e filhas, algo para o que nem todas dispõem de recursos económicos, nem preparação cultural para a tomada de decisões neste ponto. Nem todas as famílias têm critérios suficientemente informados para decidir que actividades ou cursos é importante que sigam os seus filhos e filhas. As famílias que enviam os seus filhos e filhas para escolas de ensino privado têm o problema da organização da tarde resolvido, pois nestes a oferta costuma ser ampla, entre outras coisas porque é uma das formas através das quais conseguem fazer publicidade para atrair novos alunos e, mesmo assim, é uma estratégia para canalizar importantes quantidades de dinheiro.
As actividades extra-académicas, na medida em que dependem de fontes de financiamento externos à própria instituição são as que mais estão a revelar uma nova modalidade de desigualdade de oportunidades. As instituições escolares radicadas em núcleos de população ricos e cujas famílias possuem um importante capital económico e cultural podem oferecer mais e melhores propostas formativas aos alunos. Pelo contrário, as instituições escolares dos bairros ou núcleos rurais mais desfavorecidos são as que têm maiores probabilidades de não atender a este tipo de formação extra-académica.
Sem dúvida, também há que referir que algumas escolas públicas preocupam-se por oferecer um bom número de actividades extra-escolares gratuitas ou com um custo muito reduzido, já que geralmente conseguem convencer as Câmaras Municipais da necessidade de fazer estes gastos para assim facilitar às famílias mais desfavorecidas actividades extra- escolares de qualidade.
b) As opções curriculares que se propõem nos escolas. A oferta de matérias opcionais é também uma área em que, normalmente, as instituições de ensino públicas estão em pior situação, de forma especial no ensino secundário. Algo que é consequência da tradicional falta de recursos económicos e humanos que vem revelando a maioria das escolas públicas.
Pelo contrário, nas escolas privadas, na medida em que as famílias contribuem economicamente, no todo ou em parte, para patrocinar o ensino que nelas se veicula dispõem de maior liberdade para decidir o tipo de matérias optativas que se devem oferecer às alunas e alunos. Estas famílias costumam aceitar de bom grado estes suplementos económicos pois, em geral, dispõem de uma adequada informação e estão suficientemente actualizadas para saber da importância dos seus filhos e filhas estudarem determinados blocos de conteúdos que no currículo mais obrigatório apenas existem ou dispõem de poucas horas para ser aprendidos. As escolas privadas sabem predispor favoravelmente as famílias para colaborarem economicamente na oferta de matérias optativas que aparecem muito ligadas às necessidades que o mercado parece procurar. Inclusivamente, aos alunos, não passa despercebido que alguns desses cursos opcionais lhe vão trazer uma série de vantagens quando necessitarem de se incorporar noutros níveis educativos ou no mundo laboral.
A oferta de opções de interesse que as famílias procuram é uma das estratégias de que se valem as escolas privadas para atrair mais estudantes e famílias com maiores recursos económicos e de mais alto nível cultural.
c) O tipo de contrato dos profesores. Não podemos passar por cima do desprestígio que nas sociedades actuais tem a figura de professor-funcionário. O funcionalismo é visto por muitos cidadãos e cidadãs como um obstáculo que existe no funcionamento das instituições públicas; esquece-se de ter em consideração o verdadeiro significado e sentido desta figura, ou seja a de uns “servidores públicos que não têm ‘clientes’ nem trabalham competindo para o melhor licitador… O servidor público rege-se pela objectividade da lei, o servidor público é responsável dos seus actos” (Gómez Llorente, 1998, pág. 74). Talvez seja este último aspecto o que contribuiu para o seu desprestígio, pois não há dúvida que nem todos os professores e professoras assumiram este compromisso; alguns consideraram que não tinham que prestar contas perante nada e que ser funcionário equivalia a fazer o que cada um quiser. Nada mais longe do sentido desta figura criada para assegurar a liberdade de pensamento e o não submetimento aos interesses de quem lhe pode pagar melhores salários; assegurar uma formação científica, humanista, artística, laica e democrática a todos os alunos e alunas sem discriminação, sem que importe a sua origem social, nem a sua raça, nem a sua nacionalidade, nem o seu sexo.
Um professor ou professora contratado não tem de nenhuma forma assegurada a liberdade suficiente para exercer o seu trabalho, é fácil ver-se obrigado a acomodar-se aos interesses e ideologias, e inclusive manias, de quem lhe paga os seus serviços.
d) As políticas de compreensividade. A educação compreensiva no ensino secundário obrigatório é contemplada pelas instituições de ensino mais elitistas, bem como pelas famílias pertencentes aos grupos sociais mais acomodados e inclusive, há que assumi-lo, por um certo sector de professores menos consciencializado politicamente e com muito escassa formação psicopedagógica como “freios” ao rendimento escolar que gostariam de exigir aos seus alunos. É preciso ser consciente de como se estão atacando os ideais da compreensividade, propagando uma falsa ideia de que este tipo de filosofia educativa implica optar por baixar os níveis escolares, por uma uniformização pedagógica e, o que é ainda menos digno de registo, por impedir os estudantes mais capazes de continuar a avançar e aprofundar os seus estudos. A verdadeira razão de ser de um sistema educativo compreensivo radica numa aposta no princípio da igualdade de oportunidades, ou seja, o compromisso com “o mantimento de todos os estudantes juntos, sem os segregar por especialidades nem por níveis de capacidade, aos quais se lecciona um currículo comum, seja qual for a sua condição social, de género, capacitação, credo religioso, etc.” (Gimeno Sacristán, 2000, pág. 95). Este currículo comum não abarca a totalidade do projecto educativo das escolas, mas apenas uma parte, sendo imprescindível a oferta de matérias e/ou conteúdos opcionais que vão facilitar que a singularidade dos interesses e capacidades de cada estudante sejam respeitados.
e) A direcção das instituições escolares. As famílias mais politizadas de direita querem uma direcção “que lhes dê atenção”, não um defensor do professorado; reclamam uma direcção com maiores poderes e autoridade e, o que é mais importante, controlada por elas.
O Banco Mundial adverte também dos riscos de uma exagerada participação das famílias, algo que é favorecido nas instituições escolares privadas, uma vez que são elas que proporcionam os fundos económicos indispensáveis para a sua subsistência. Assim, segundo esta instituição, curiosamente nada progressista, “o aumento da participação da família traz consigo vários riscos. Pode tornar mais difícil a aplicação de políticas de educação a nível de todo o sistema. Pode fazer também com que seja mais difícil o cumprimento de objectivos nacionais mais gerais. A segregação social também pode aumentar se o sistema de educação se polarizar entre as escolas prestigiadas para os filhos academicamente competentes de pais instruídos e as escolas com resultados de exames ou de outras medidas de rendimento inferiores para os filhos dos pobres e os que carecem de instrução” (Banco Mundial, 1996, pág. 139).
f) O ideário da escola. Outra das razões pelas quais algumas famílias tomam a sua decisão de optar entre o ensino público e o privado é a aposta das escolas pela laicidade ou pela confessionalidade nos seus ideários docentes. As escolas públicas, obviamente, estão obrigadas a apostar pela laicidade. As escolas privadas, ainda que algumas delas mantenham este compromisso, normalmente na medida em que muitas delas têm como promotores ordens religiosas oferecem uma proposta educativa em coerência com os seus valores religiosos. As escolas cristãs representam os esforços de mobilização das Igrejas para estabelecer um maior grau de controlo sobre os processos de socialização da juventude e, por conseguinte, sobre o futuro da sociedade (Rose, Susan D., 1988, pág. 199).
Em momentos históricos nos quais se percebe uma certa crise nos valores que até ao presente se aceitavam sem sequer se pôr em questão, muitas famílias sentem um notável desassossego acerca da educação em valores dos seus filhos e filhas; querem protegê-los do que muitas pessoas etiquetam como a corrupção e a degradação da vida moderna e, que a partir de posições conservadoras religiosas se interpreta como o avanço das concepções ateias da vida. As instituições privadas com ideário religioso aparecem assim como o espaço de segurança, de salvaguarda daqueles valores que agora se recordam; percebem-se como as instituições melhor preparadas para proteger os meninos e meninas dos ambientes da droga, do álcool, do sexo, e inclusive, das ideias perigosas. Costumam ver-se estas escolas com um professorado que coloca mais ênfase em questões de obediência à autoridade, algo que muitos pais e mães agradecem, sobretudo quando vêem que, ao seu redor, existem meninos e meninas cujas famílias têm problemas para manter certos níveis de disciplina. Perante uma crise de autoridade, algumas famílias procuram a solução em instituições escolares com maiores exigências disciplinares e de ordem.
Não obstante, também existem famílias que criticam as confissões religiosas e que, inclusive, não se consideram crentes, mas estão convencidas de que nas instituições privadas confessionais está uma das principais chaves para um futuro melhor para as suas filhas e filhos. Pensam que ali podem obter melhor preparação e, o que é mais importante, estabelecer contactos decisivos para o seu futuro, já que nessas instituições se encontram os herdeiros e herdeiras das grandes famílias, das que têm um importante grau de controlo do mercado laboral. Estas famílias pensam que, no futuro, o mundo do trabalho será de muito difícil acesso e acreditam que são os colégios privados religiosos os que abrem mais possibilidades. A chave para um futuro melhor, deixam transparecer os que integram estas famílias em muitas da suas conversações mais espontâneas, crêem que são a boa escolha das amizades, para além de uma boa preparação científico-técnica.
Duas peculiaridades da Escola pública e da Escola privada
A escola pública e a privada diferenciam-se, entre outras, por duas características importantes:
1) A sociedade não pode exercer directamente um controlo democrático das escolas privadas, uma vez que são os seus proprietários (confissões religiosas, grupos económicos, grupos militares, grupos ideológicos) que tomam as decisões e impõem os seus ideários a essas instituições. Pelo contrário, a escola pública tem obrigação de se governar de maneira mais democrática, contando com a participação não só das famílias, mas também das Câmaras Municipais e da própria Administração Educativa, ou seja, do próprio Governo eleito também democraticamente por toda a sociedade.
2) As instituições escolares privadas são controladas pela comunidade, mas de forma indirecta, através das leis do mercado. É este quem orienta, de modo decisivo, as tomadas de decisão que se realizam pelos promotores da escola, bem como pelas famílias que lhe encomendam a educação das suas filhas e filhos. As instituições de ensino público podem e devem, para além de satisfazer as exigências do aparelho produtivo, contrariar as procuras mais exageradas desse mercado e que as poderiam relegar para lugares muito secundários, ou contradizer, ou não atender ao trabalho de conteúdos educativos, destrezas e valores mais altruístas e imprescindíveis para construir uma sociedade mais humana, democrática e justa.
São numerosos os comentários dos professores, mas coincidentes com os de numerosas investigações, que destacam uma e outra vez o modo como os antigos valores de solidariedade, de cooperação, de luta pela justiça social e pela igualdade, algo em concordância com a reivindicação e a defesa da educação como serviço público, estão a ser substituídos por valores que promovem o individualismo, a competitividade, o rendimento à custa do que quer que seja, o destacar-se dos demais mas para sublinhar uma superioridade, etc.
A constatação de que o ensino privado é igual, melhor ou pior que o público é algo que todavia não parte de dados rigorosos que permitam estabelecer essa valorização. Há aqueles que opinam que o ensino privado é melhor baseando-se unicamente em que por isso o escolhem livremente as famílias. Um critério semelhante parece-nos claramente insuficiente, pois dependerá dos critérios nos quais essas famílias se apoiam. É provável que a única coisa que podemos afirmar com um maior grau de consenso é que umas escolas farão melhor algumas coisas do que outras em função das finalidades e interesses mais prioritários daqueles que controlam essas escolas. Assim, por exemplo, como sublinham John E. Chubb & Terry M. Moe (1997, pág. 367) “uma instituição escolar religiosa que atrai estudantes na base de fazer uma educação mais religiosa e moral é seguramente possível que nessa dimensão o faça melhor que as escolas públicas. Mas isto não diz nada acerca da sua eficácia na transmissão de valores democráticos ou na apreciação da diversidade cultural”.
Segundo reconhece o próprio Banco Mundial numa das suas informações, “não há até agora indicações de que a competência entre escolas e programas, implícita no conceito de escolha da escola, melhore ou piore o rendimento escolar” (Banco Mundial, 1996, pág. 139).
É óbvio que uma instituição escolar na qual a participação democrática de todos aqueles que integram essa comunidade educativa esteja garantida poderá satisfazer as necessidades e interesses dessa comunidade; algo que, pelo contrário, não se pode assegurar é se existem limitações na participação no momento de tomar decisões sobre os projectos educativos dessas escolas (caso, por exemplo, das escolas com ideários religiosos).
Selecção dos alunos nas escolas
Neste ambiente de competitividade em que se movem as instituições de ensino, especialmente as do domínio privado, a selecção dos alunos converte-se numa estratégia importante para a própria promoção e publicidade das escolas. A própria linguagem utilizada nas escolas privadas denuncia esta selectividade na admissão de estudantes; assim, é muito frequente ler e ouvir palavras como excelência e qualidade. Mas, tais palavras, são escolhidas e promovidas a partir de concepções restritivas e selectivas do que significa educar. Seleccionar alunos que garantam bons resultados no final do curso torna-se imprescindível para estas escolas dado que um dos argumentos mais utilizados para atrair nova clientela são esses resultados, que não hesitam em tornar públicos e comparar (grosseiramente) com os das escolas públicas. Quando se chega a estas situações, os alunos surgem-nos convertidos num “instrumento” ao serviço das instituições escolares, destinados a darem-lhes prestígio, em vez de, pelo contrário, ser a escola a estar preocupada em ajudar os alunos, comprometendo-se com o desenvolvimento das suas capacidades, conhecimentos e valores.
Na medida em que as novas escolas privadas costumam radicar-se nos arredores das cidades e, inclusive, em zonas residenciais, têm garantido o acesso às suas instalações dos meninos e meninas dos grupos sociais mais favorecidos, pois estas famílias vivem ali mesmo, dispõem de recursos suficientes para cobrir essas deslocações. Esta idiossincrasia da (localização?) ubiquidade incide sobre as escolas públicas pois também neste aspecto podem acabar submetidas a regras do jogo que as prejudiquem ainda mais. É muito mais provável que os meninos e meninas dos grupos sociais mais desfavorecidos e, inclusive, os alunos mais conflituosos, não tenham outro remédio senão o de acorrer às escolas públicas, uma vez que estas costumam estar radicadas nesses mesmos bairros marginais. Desta forma, e como resultado deste cúmulo de situações, é fácil que se converta em realidade a advertência que lançam Whitty, Power & Halpin (1999, pág. 144): “em escolas que estão mal situadas para aproveitar a sua posição no mercado, a delegação de responsabilidades pode traduzir-se na delegação das culpas”.
Uma política que leve as escolas a uma admissão selectiva de estudantes, atendendo principalmente à sua origem social e económica é claramente um sintoma de uma sociedade onde a desigualdade e a injustiça se percebem como algo “natural”, como uma característica típica de todas as sociedades.
Julian Le Grand & Will Bartlett (1993) comprovaram que, no Reino Unido, nos governos de Margaret Thatcher e John Major, a aparição dos “quase mercados” deu origem a uma política prática de selecção de “a flor e a nata”. Ainda que, oficialmente, em todos os países em que as instituições escolares privadas recebem financiamento público seja proibido introduzir procedimentos selectivos para admitir estudantes, nas escolas com maior procura e prestígio quase sempre se parecem detectar mecanismos “subtis” de filtragem que têm como resultado que os alunos conflituosos ou que precisam de apoios especiais não conseguem entrar.
Os dados que com dificuldade tornam públicos as Administrações Educativas em Espanha costumam deixar transparecer com clareza esta selectividade. Assim, por exemplo, no curso académico 1999-2000, segundo dados da Consejería de Educación de Galicia, foram escolarizados 4.500 estudantes com necessidades educativas especiais em escolas ordinárias financiadas com fundos públicos. Mas 3.850 destes alunos e alunas estão escolarizados em escolas públicas, enquanto que só 650 estão em escolas privadas. Além disso, haveria que contabilizar mais outros 1.500 estudantes, que acorrem a centros de educação especial, ou seja, com os quais não se levam a cabo políticas de integração.
Quando as instituições públicas e privadas competem entre si entra-se com facilidade numa dinâmica de fazer continuamente propaganda; e que melhor propaganda do que declarar que se tem êxito. E, para tentar garantir êxito, é provável que se recorra ao desenho de determinados modos de funcionamento dessas instituições que, sem realizar grandes investimentos económicos, garantam tal êxito; ou seja, acabam por procurar clientes com os quais não existam muitas probabilidades de fracassar. É isto que explica que os alunos etiquetados com “necessidades especiais” acabem por se concentrar quase exclusivamente nas escolas públicas e, dentro destas, nas radicadas nos bairros mais marginalizados.
Os alunos com “necessidades especiais” obviamente requerem maiores esforços, de mais recursos materiais e humanos. Creio também que é constatável que, em geral, se está a retroceder nas políticas educativas e sociais de integração. Na década de oitenta, quando se estava a debater a Reforma Educativa, logo nos primeiros anos de entrada em vigor da LOGSE, tinha-se conseguido um certo consenso acerca da necessidade e prioridade de realizar políticas de integração nas instituições de ensino, principalmente na rede pública. Actualmente são cada vez mais audíveis e visíveis as queixas de muitos professores, professoras e inclusive famílias contra este tipo de filosofia educativa. Volta a falar-se (e em algumas escolas até a tornar realidade) dos agrupamentos de estudantes por níveis de capacidades ou por níveis de rendimento. E, inclusive, chama poderosamente à atenção a crescente preocupação por procurar e trabalhar com estudantes “superdotados”. Até há alguns anos atrás, os olhares dirigiam-se com maior intensidade para aqueles que precisavam de maior ajuda, para os que viviam em situações de maior injustiça social; agora, quando o ambiente se encheu de palavras como “excelência” e “qualidade” começam a aflorar livros, investigações e especialistas destinados a dar atenção às pessoas “superdotadas”.
Se não se garantir uma autêntica política educativa de integração é provável que os estudantes com necessidades educativas especiais, bem como os pertencentes a minorias étnicas muito pobres, acabem por ser concentrados num número muito reduzido de escolas; é previsível que o trabalho no seu interior seja muito mais duro para as professoras e professores e, por acréscimo, é fácil que essas mesmas escolas passem a ser consideradas pouco atractivas para as famílias, etiquetadas de “más” escolas.
Curiosamente, o que não costuma suceder é a Administração pública iniciar a tomada de medidas para tentar sanar essa situação tão deficitária, nem tão pouco é frequente que essas escolas sejam fechadas por se considerar que não são “produtivas”. Como sublinham Whitty, Power & Halpin (1999, pág. 153) “as escolas não considerados como boas não estão a fechar e continuam abertas com um número reduzido de alunos, cada vez menos dinheiro e uma moral bem mais baixa, com o que se fecha um autêntico círculo vicioso”.
Entre as investigações levadas a cabo até ao momento nos países com legislações educativas que contemplam a possibilidade das famílias poderem escolher instituições escolares, por exemplo, nos Estados Unidos, Reino Unido e Nova Zelândia, constata-se que “até à data, não há provas claras da sua influência positiva no rendimento dos alunos” (Whitty, Power & Halpin, 1999, pág. 153). O que costuma verificar-se é a concentração de estudantes em determinadas escolas atendendo a dimensões como classe social, capital cultural das famílias, género dos alunos e raça. Algo que, todavia, reforça mais uma sociedade hierarquizada e onde a igualdade de oportunidades se converte num ideal cada vez mais distante.
Outra consequência das políticas de escolha da escola é a redução do financiamento destinado à rede pública. Algo de que beneficia o sector das classes médias mais acomodadas que vinha enviando as suas filhas e filhos para escolas privadas e que não lhes importava pagar, mas que agora têm a facilidade de aforrar esse dinheiro devido à possibilidade de concertação. Pelo contrário, as escolas públicas, ao contar apenas com o financiamento público, encontram-se actualmente com menos fundos económicos uma vez que o Estado destina uma parte muito importante à rede de escolas privadas. Este tipo de política educativa está a ter como resultado que os recursos económicos públicos estejam a potenciar o crescimento e a justificação de um sector que atende aos filhos e filhas de grupos sociais mais privilegiados, à custa das escolas públicas que, para além do mais, se vêem forçadas a competir com ele, contando com um ambiente social contra si. As expectativas sociais, de forma especial, as veiculadas através dos meios de comunicação de massas, jogam contra si.
Este diagnóstico acerca dos efeitos negativos das actuais políticas de escolha da escola, nem sequer significa que este tipo de medidas tenham que ser negativas “a priori”. No meu modo de ver, os seus efeitos não estão favorecendo a construção de uma sociedade mais justa porque o contexto e as condições nas quais se levam a cabo estas medidas de delegação de funções por parte dos Estados não se desenvolvem criando as condições entre as famílias mais desfavorecidas para poder obter benefícios, nem se preocupam pela formação e actualização dos professores da rede pública, nem das instalações e dotações das escolas públicas, em especial as radicadas nos bairros mais conflituosos e nos núcleos rurais mais pobres.
Escolas versus clubes
As escolas, quando as políticas de escolha de escolas estão enviesadas, acabam por se converter em clubes, segundo a concepção de James M. Buchanan. Este, Prémio Nobel da Economia de 1986, desenvolveu a Teoria dos Clubes. Esta teoria aplica os postulados dos economistas neoclássicos, da denominada Escola de Chicago, às condutas políticas e, em particular à análise das obrigações que serão impostas pelos votantes e pelos interesses grupais sobre o modo como os governos e burocracias estatais operam. Dado que os actores revelam claramente uma hierarquia de valores nas suas actuações, a preocupação desta teoria é revelar como operam os interesses pessoais e grupais nos processos políticos e nas actividades que desenvolvem esses grupos, analisando os custos organizacionais e os benefícios que se esperam obter.
Os grupos pressionam os partidos políticos e as diferentes administrações que procuram dispor de maior orçamento e poder e isso obriga a atender a essas pressões. Num plano similar, o que prima são os interesses individuais e daqueles grupos que condicionam as tomadas de decisão dos governos em relação aos bens comuns ou à defesa de um maior aprofundamento nos mecanismos democráticos para assegurar maior justiça social. Se os grupos apenas procuram aquilo que mais os favorece, sem ter em consideração os restantes grupos existentes, isso quer dizer que os seus modos de actuar são geradores de exclusão.
James M. Buchanan utiliza o exemplo de uma piscina, sustentada em comum por membros de um clube, mas com uma vala ao seu redor para excluir os que não são sócios. A essa piscina poderiam ir todos os membros do clube, sem rivalizar entre eles, mas evitando a congestão que se produziria se a utilizassem outras pessoas alheias. Trata-se de um bem desfrutado por um número limitado de pessoas recorrendo a diversos mecanismos e tecnologias que funcionam como uma estratégia de exclusão.
A Teoria dos Clubes penso que pode ser de interesse para analisar a pobreza, a exclusão social e, logicamente, o modo de funcionamento dos sistemas educativos neoliberais.
A partir desta perspectiva, as pessoas que possuem uma certa semelhança do seu capital cultural, interesses e recursos interagem em relação à formação de grupos e à exclusão daquelas pessoas que percebem como diferentes; mesmo assim, os diferentes grupos rivalizariam entre si em alguns casos e cooperariam noutros, de modo especial naqueles em que embora sendo diferentes nos seus objectivos finais mantivessem alguma coincidência estratégica ou momentânea. Os integrantes de um clube mantêm uma interdependência, mas mantendo duas opções. A primeira é a possibilidade de abandonar um determinado clube e integrar-se noutro e, a segunda, é dispor de voz; têm direito a participar na tomada de decisões desse clube.
Nas novas sociedades neoliberais, uma parte importante da fragmentação social e da destruição do estado de bem estar que está a ter lugar seria explicável pelos novos modos de funcionar ao estilo dos clubes. As pessoas procuram manter os serviços de que dispõem e, inclusive, melhorá-los contemplando quase exclusivamente os seus próprios interesses. Assim se mudam de um clube para outro se com os mesmos ou menores custos podem obter análogos ou, se possível, melhores serviços e/ou maiores benefícios.
As escolas são instituições muito diferentes dos clubes. No entanto, as instituições escolares podem estar a funcionar ao estilo de clubes na medida em que aqueles que constituem o corpo de uma escola tomam medidas exclusivamente em seu próprio benefício, sem ter em consideração os interesses de outros colectivos sociais que poderiam ter interesse em aceder a eles e, de maneira especial, aqueles que pertencem aos grupos mais desfavorecidos e com menos possibilidades de tornar pública a sua voz. Este é o caso, por exemplo, das escolas que devido ao prestígio que desejam alcançar seleccionam determinados alunos que têm maiores possibilidades de deixá-los num bom lugar, ao mesmo tempo que levantam uma significativa quantidade de obstáculos para impedir a admissão de meninos e meninas com dificuldades ou pertencentes a minorias étnicas sem poder ou colectivos sociais muito desfavorecidos.
As políticas de escolha das instituições escolares podem muito facilmente levar a converter as instituições de ensino em clubes. As famílias que têm mais poder nessas instituições têm possibilidade de dispor das duas opções que têm os membros de um clube. Por um lado, podem manter-se nessa instituição ou transferir os seus filhos e filhas para outra e, por outro lado, o que é muito importante, têm possibilidade de fazer-se escutar. Deste modo, podem obrigar as escolas a adoptar determinadas medidas tanto para desenvolver um determinado projecto educativo, trabalhar determinados conteúdos culturais e obviar outros, como para propiciar uma política de admissão de estudantes que beneficie os interesses daqueles que têm maior poder nessa escola, ou o que é o mesmo, podem facilitar a implantação de políticas de admissão restritivas em relação àqueles colectivos sociais com menor poder e mais marginalizados.
Esta perspectiva selectiva e competitiva de operar nas instituições escolares explicaria algumas das reestruturações dos serviços públicos, em geral, que desde finais da década de oitenta têm tido lugar nos países mais desenvolvidos. Um exemplo disso é a criação da figura de “administrador” nos serviços públicos, concretamente nos hospitais em Espanha ou nas instituições escolares em numerosos países do nosso meio. Estes administradores encarregam-se das políticas económicas ou, o que é o mesmo, de aforrar dinheiro nos modos de funcionamento dessas instituições, o que os vai inclinar a pôr-se do lado das famílias que apoiam medidas mais selectivas e restritivas pois, obviamente, os alunos com dificuldades importantes ou com um baixo nível cultural ou, simplesmente, com um capital cultural diferente, vão precisar de maiores apoios, de mais recursos, portanto, será preciso dispor de um orçamento económico também maior. Os administradores, tal como os gerentes dos clubes tratarão de procurar sócios que lhes permitam rentabilizar as instalações que possuem e oferecer uma boa imagem para atrair novos sócios, a ser possível, melhores sócios que sirvam para continuar a melhorar a imagem e a obter maiores benefícios, tanto económicos como simbólicos.
As políticas de escolha das escolas têm neste momento um novo obstáculo, o agrupamento das pessoas em zonas residenciais em função de dimensões como classe social e etnia. Em função dos recursos económicos que possuem, as pessoas são atraídas para os bairros e localidades que lhes oferecem aquele conjunto de serviços colectivos que consideram ter direito (clínicas, colégios, espaços públicos, centros de diversão) e estão dispostas a pagar preços de acordo com as vantagens que esperam obter. Cada colectivo social gera as suas expectativas em função da formação e dos recursos que possui. Este tipo de escolhas está a tornar visível a polarização social; nuns espaços concentra-se a riqueza e os serviços com melhores infra-estruturas e dotações e noutros a pobreza e a marginalidade, com carência de infra-estruturas e serviços e, inclusive, com uma importante degradação ambiental. As instituições de ensino radicadas no seio destes últimos é previsível que tenham que desenvolver um trabalho mais duro e, por conseguinte, precisarão de pessoal com uma boa formação e uma boa dotação de recursos. Obviamente, são escolas que terão dificuldades para atrair alunos de outros bairros mais residenciais e com infra-estruturas e dotações abundantes e de grande qualidade.
Estas políticas de agrupamento por grupos sociais confinados em espaços físicos específicos era um fenómeno mais frequente em lugares como os Estados Unidos, mas não tanto no Estado Espanhol ou na Europa central onde as famílias residem em grandes blocos de vivendas, com desenhos arquitectónicos estandardes, mantendo cada uma delas um certo anonimato acerca dos seus modos de vida e recursos disponíveis, o que facilitava agrupamentos mistos. Numa mesma rua podiam encontrar-se edifícios nos quais habitavam famílias de diferentes grupos sociais.
As novas políticas neoliberais, dada a fragmentação social que produzem, estão a propiciar que as pessoas procurem meios que “os protejam” e lhes proporcionem ambientes e serviços de acordo com o seu status social. Os colectivos com maiores problemas económicos e sociais correm o risco de radicar-se também em ambientes sociais marginais, em bairros com altos índices de delinquência (fruto da pobreza e incultura); entram assim num círculo vicioso de que é difícil sair.
Na medida em que se produz uma polarização residencial, ampliam-se as distâncias entre os diferentes núcleos de população, o que faz com que o transporte de quem tenha de ir trabalhar ou estudar para outro espaço diferente seja também mais caro.
Uma das grandes vantagens dos modelos de vida anteriores, e daqueles que actualmente continuam a manter um compromisso com a luta pela equidade, é a de que as instituições escolares são o espaço onde “naturalmente” interagem estudantes de distintos colectivos sociais, de diferentes etnias, de diferente sexo, com diferentes destrezas e níveis de desenvolvimento e com distinta e desigual bagagem cultural e linguística; algo que é coerente com o princípio da igualdade de oportunidades que todas as democracias assumem, pelo menos em teoria.
De qualquer modo, também há famílias que nas suas escolhas têm em consideração o grau de dificuldade para conseguir determinadas notas, de forma especial quando os seus filhos e filhas precisam de determinadas qualificações para poder aceder a determinadas carreiras universitárias. Assim, por exemplo, é possível que uma família acomodada opte por os seus filhos estudarem num instituto onde acorrem alunos de grupos sociais mais desfavorecidos, ou que tenham de escolher uma escola privada muito mais cara, mas na qual consideram ser mais fácil obter boas qualificações finais. Nestes casos, uma vez mais, os estudos a seguir e as escolas a frequentar analisam-se e consideram-se como um investimento do qual se esperam obter benefícios exclusivamente individuais, colocar-se em posições de vantagem no futuro, no mercado laboral.
Uma vez mais, as instituições escolares são contempladas como “clubes”, as suas estratégias organizativas e as suas políticas de atracção selectiva de sócios – estudantes – são destinadas a dar-lhes uma série de vantagens também em exclusivo. As famílias que compõem esse clube rivalizam com as outras instituições de ensino, tentando que os seus filhos e filhas tenham maiores benefícios que os das demais. Assim, não é rara uma certa publicidade “boca a boca” na qual se assegura que aqueles que estudam em determinada instituição universitária privada, quando terminam as suas carreiras, essa instituição facilita- lhes um posto de trabalho em alguma das empresas que ajudam a sustentar essa instituição. Um exemplo destes deixa bem patente que fica adiado o princípio da igualdade de oportunidades, as políticas de justiça social. Pelo contrário, esta é uma das maneiras através das quais se leva a termo a estratificação social.
Reforçar a sociedade civil e a democracia
Adverte-se com clareza para a urgência de voltar a retomar a função que desempenha o sistema educativo na sociedade, “a sua tarefa não pode ser a de se acomodar mansamente aos preceitos e exigências da produção; é muito mais ampla e importante. É chamado a colaborar na construção de uma alternativa à sociedade de produção/consumo. A Escola tem de ser uma peça importante na reformulação de uma nova utopia, de uma ideia motriz capaz de entusiasmar e integrar as energias e capacidades dos seres humanos desta mudança de milénio ou, dito mais modestamente, capaz de colaborar na criação de um modelo social humano onde caibam todos socialmente” (Mardones, 1998, pág. 26). Nesta tarefa todas as pessoas são imprescindíveis e ninguém pode nem deve delegar os seus deveres e responsabilidades.
Em consequência, convém aprender a obter apoios para as instituições docentes. Além das famílias e dos próprios alunos há muitos outros colectivos aos quais há que estender redes de forma a construir estratégias mais eficazes destinadas a conseguir sociedades mais justas, solidárias e democráticas. Há que destacar que, durante esta última década, são cada vez mais os colectivos sociais que estão a definir novas formas de associacionismo e a reivindicar maiores quotas de participação na vida pública. Um fenómeno que com o auge do que já se denomina como “novos movimentos sociais”, ou seja, toda uma grande variedade de ONGs (Organizações Não Governamentais), colectivos feministas, ecologistas, pacifistas, de defesa dos Direitos Humanos, etc., vem trazer à luz o inconformismo de um cada vez mais numeroso grupo de cidadãos e cidadãs que se queixam das insuficiências e injustiça dos actuais modelos neoliberais e conservadores.
As instituições de ensino são um dos espaços a quem compete, de uma forma mais decisiva, a aposta por uma verdadeira educação moral, nestes momentos de forte individualismo e de não solidariedade. É aqui onde as gerações jovens têm de aprender a ver a sociedade como uma construção colectiva que requer a participação de todas as pessoas, a partir de posturas críticas, de colaboração, respeito, responsabilidade, solidariedade e ajuda. Uma educação onde os valores se convertam num dos principais focos de atenção dos professores; uma educação na qual os alunos interpretem tais valores como guia e o façam na base de tarefas escolares que dia a dia, nas aulas e instituições escolares, lhes exijam a sua colocação em acção. Desta maneira, recupera-se para as instituições a sua verdadeira razão de ser, a de espaços onde se aprende a ser cidadãs e cidadãos, a analisar informada e criticamente o que está ocorrendo na sociedade, a criar disposições e atitudes positivas de colaboração e participação na resolução de problemas colectivos.
Uma concepção de educação semelhante conduz à necessidade de dotar a sociedade de maiores poderes, algo que tem de contemplar-se dentro de um projecto político de reforço da democracia. Para isso é importante facilitar muitos mais meios aos cidadãos e cidadãs para se formarem e desta maneira poder fazer frente às manipulações que os colectivos económicos com maior poder tentam levar a cabo para reproduzir as condições actuais que lhes estão permitindo aumentar de maneira vertiginosa as suas riquezas e privilégios.
Uma maneira de potenciar a democracia é impulsionar a cidadania e a defesa da sociedade plural, assegurando-se que os distintos colectivos sociais tenham as mesmas possibilidades de se fazer escutar; que não vão precisar de ocultar determinadas identidades, interesses e preocupações. Não esqueçamos que em numerosíssimas ocasiões “os discursos dominantes acerca da cidadania moderna são radicados sobre sistemáticas exclusões das pessoas que são etiquetadas como ‘outros’ por tais discursos” (Yeatman, 1994, pág. 86). Não esqueçamos que os eixos principais em torno dos quais se constróem as diferentes modalidades de exclusão e marginalização assumiam os valores e as produções da classe social que possuía maior poderio económico, de raça branca, do género masculino, de orientação heterossexual e de religião cristã. O resto da população era percebida como deficitária e/ou em negativo.
A educação deve tornar possível que as pessoas encontrem efectivas alternativas aos problemas da sociedade e, na medida em que numa sociedade livre podem formular-se uma ampla variedade de opções, tem de ser o debate público e democrático a imperar nas relações sociais. Como diziam Karl Marx e Friedrich Engels em 1846, é preciso “substituir o domínio das circunstâncias e da sorte sobre os indivíduos pelo domínio dos indivíduos sobre a sorte e as circunstâncias”.
Numa democracia, as pessoas procuram conseguir aquilo por que se mobilizam e, pelo contrário, normalmente não conseguem aquelas coisas que não reclamam.
Os poderes públicos têm de servir, também, para promover o debate entre a comunidade sobre as prioridades das suas intervenções. É algo que nas democracias tende a considerar-se esgotado no momento em que finalizam as votações para as eleições dos parlamentos e governos.
É por tudo isso que creio de grande interesse o conceito de democracia dialogante de que fala Anthony Giddens (1996), um mecanismo que ele propõe para estimular a “democratização da democracia” (1996, pág. 119) promovendo a difusão da capacidade social de reflexão como requisito das actividades quotidianas e a persistência de formas mais amplas de organização colectiva. Nem sequer é uma forma orientada de conseguir um consenso, pois há que admitir que só na base do diálogo se podem superar todos os conflitos.
A democracia dialogante “pressupõe apenas que o diálogo num espaço público proporciona uma forma de viver juntamente ao outro numa relação de tolerância mútua, seja esse “outro” um indivíduo ou uma comunidade mundial de crentes religiosos” (Giddens, 1996, pág. 122). O fundamentalismo, seja de que tipo for, é consequência de um repúdio do diálogo.
Tratar-se-ia de nos orientarmos para uma ordem social em que a reflexividade estaria muito estimulada e desenvolvida.
Neste sentido a ideia de uma democracia dialogante, de converter as aulas em espaços onde se garanta da melhor maneira possível a liberdade para expressar ideias e convicções, é uma boa ideia de base para começar e um compromisso que há que assumir.
Mas, como diz António Machado:
“Caminhante, são tuas pegadas
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se caminho,
e ao olhar para trás
vê-se a senda que nunca
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente rastos no mar”.
Notas
1 O autor pretende referir-se aos conteúdos leccionados em disciplinas como por exemplo a Educação Física, os Trabalhos Manuais, Educação Moral e Religiosa, entre outras (N.T.).
2 O bacharelato corresponde, no Sistema Educativo Português, à escolaridade obrigatória.
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Outra educación ten que ser posíbel
Jurjo Torres Santomé
Universidade da Coruña
Eduga. Nº. 49 (2007), páxs. 16 – 21
En 1979 gravábase a ópera rock The Wall de Pink Floyd. O seu éxito foi inmediato e, na actualidade, está considerado como un dos discos máis vendidos de todos os tempos. Un tema dos senlleiros é “Another Brick in the Wall, Part II” (“Outro ladrillo no Muro”), unha crítica á educación institucionalizada que, incluso, chegou a converterse en himno contra os sistemas educativos vixentes daquela. As súas proclamas eran dunha enorme claridade e contundencia: “We don´t need no education. / We don´t need no thought control. / No dark sarcasm in the classroom. / Teacher, leave those kids alone. /Hey, teacher, leave those kids alone! / All in all it´s just another brick in the wall./ All in all you´re just another brick in the wall”.
Este tema operístico xurdía como un berro arrepiante para dicir basta! a unhas estruturas que naceran precisamente para todo o contrario, para liberar. Era un signo máis dunha rebelión contra unha educación alienante. Todas as análises, dende as máis rigorosas ata as menos formais, viñan denunciando os efectos alleantes dos modelos pedagóxicos vixentes.
Convén que non esquezamos que xa a principios da década dos setenta houbo investigadores que chegaron a anunciar que a escola non tiña sentido, que era una institución inútil e sobrante, dada a riqueza e variedade dos recursos, soportes e redes informativas cos que contaba a poboación. Moitos persoeiros da educación daquelas décadas denunciaban a falta de adecuación das institucións escolares aos tempos que corrían argumentando, entre outras razóns, que nelas se estaba a ensinar para o conformismo, mais tamén a ser astutos, a aprender a saltar as normas, a saber ocultarse e a disimular para evitar as sancións. Estábase a promover, xa que logo, un tipo de persoa que contradicía os fins que as lexislacións vixentes especificaban.
Outro tipo de denuncias frecuentes na década dos setenta centrábanse na función das escolas que parecía estar reducida á garda e custodia dun número cada vez meirande de persoas durante períodos cada vez máis longos, na medida en que os gobernos, debido ás presións dos partidos políticos e sindicatos máis progresistas, cada vez se vían obrigados a alongar os anos da escolaridade obrigatoria. Os títulos dalgúns ensaios relevantes naqueles anos son suficientemente explícitos do tipo de denuncias que se estaban a facer sobre os centros de ensino: La escuela ha muerto (Everett REIMER, 1973), La sociedad desescolarizada (Ivan ILLICH, 1974), Libertad y algo más ¿Hacia la desescolarización de la sociedad? (John HOLT, 1976), Crisis in the Classroom (Charles E. SILBERMAN, 1970), La des-educación obligatoria (Paul GOODMAN, 1976), etc. As institucións escolares levaban décadas prometendo un mundo e un modelo de persoa educada, e fracasando nese intento. Os contidos culturais que circulaban nas aulas, as tarefas escolares, as rutinas vixentes, os modos de interacción que rexían no interior dos centros escolares percibíanse como demasiado alienantes e, daquela, contrarios ao modelo de persoa educada e desalienada que a modernidade precisaba.
Educar acabou por equipararse a estrangulamento mental, a converter as persoas en ladrillos cos que outros decidían construír algo que non queriamos e que ninguén votou democraticamente. As escenas de animación coas que en 1982, se levou ao cinema a ópera rock de Pink Floyd, eran aínda máis contundentes. A cadea de montaxe “fordista” na que as traballadoras e traballadores perden a súa identidade e idiosincrasia para acabar reducidos a ladrillos uniformes, sen autonomía, semellante á que tamén Charles CHAPLIN utiliza no seu filme Tiempos modernos, traducía á perfección a denuncia e, en consecuencia, os sentimentos dunha xuventude que desexaba verse recoñecida como persoas libres e reflexivas, non autómatas; que aspiraban a vivir noutro mundo máis humano, máis xusto e democrático.
Penso que moitas das profesoras e profesores que agora traballan no sistema educativo, formaban parte do colectivo social que naquelas décadas dos setenta e oitenta cantaba e se identificaba co himno antiescola de Pink Floyd. Un colectivo que lía fóra das aulas universitarias libros de denuncia e protesta contra a reprodución clasista e cultural que as institucións académicas estaban promovendo.
Non esquezamos o grande éxito de autores como Pierre BOURDIEU e Jean-Claude PASSERON, que ven publicada no Estado español a súa obra La reproducción. Elementos para una teoría del sistema de enseñanza, en 1977, ou as primeiras de Paulo FREIRE con títulos como La educación como práctica de la libertad, ou Pedagogía del oprimido, ou a tese de doutoramento de Carlos LERENA, editada en 1976, co suxestivo título de: Escuela, ideología y clases sociales en España; obra na que con datos empíricos se denunciaba o forte cariz clasista das institucións escolares no Estado español.
As denuncias contra a escola alienante e frustrante daqueles momentos eran demasiadas e, por riba, moi sólidas. O estudantado de Maxisterio e de Pedagoxía, o mesmo que os doutras licenciaturas, saía das institucións universitarias e incorporábanse ás aulas como docentes dispostos a alterar aquelas dinámicas perversas, reprodutoras de desigualdades sociais e alleantes. Tiñan claro que elas e eles non se ían dedicar a moldear ladrillos para uns muros que saían dispostos a derrubar.
Cal é a situación do ensino unhas poucas décadas despois, na actualidade?
Vivimos nun mundo e nunha sociedade na que nunca tanto se falou de dereitos humanos, de liberdade de pensamento e de expresión, como dereito fundamental e inalienábel de todas as persoas. Non obstante, cando se lle pregunta ao alumnado sobre as palabras que con maior frecuencia escoita nas aulas en boca do seu profesorado, as máis citadas son as que tratan de coutar estes dereitos: ¡Calade! ¡Estade quedos! ¡Non se movan! ¡Non fagan ruído! ¡Silencio! Expresións que traducen os valores que, a modo de currículo oculto, pasan a converterse en dominantes: a obediencia cega ao profesorado, a despersonalización máis humillante, igual á que aturaron os profesores varóns de maior idade ao seu paso polos cuarteis militares, nos que rexía o estilo dos marines norteamericanos de “Señor!, si Señor!”, o robot programado por outros como paradigma do comportamento humano.
No mundo claustrofóbico de moitos centros e aulas escolares só o profesorado ten posibilidades reais de expresarse. En grande medida, o mellor estudante continúa a ser o que está calado, o mudo, o que unicamente fala cando lle mandan e para dar a resposta esperada polo seu ensinante, a verdade permitida ou oficial.
É tamén nese clima de aula onde o alumnado aprende a sentirse indefenso ante as valoracións, xuízos e avaliacións que realiza o profesorado e, por extensión ou xeneralización, calquera persoa adulta coa que interaccione. Aínda son moitas as alumnas e alumnos que aprenden a ver esta indefensión como o comportamento normal, e asumen como natural e lóxico o que non son senón opcións culturais e sociais dos modelos non democráticos de vivir en comunidade.
Aínda que hai excepcións, son demasiados os centros de ensino nos que impera un ambiente sonoro dominado por expresións autoritarias de promoción de silencio e de inmobilidade física. Esta modalidade de clima escolar é a mellor expresión dunha filosofía educativa na que ao alumnado, a través das rutinas nas que participa, se lle está a ensinar a ser hipócritas sociais, actores e actrices capaces de representar, de aparentar. Mais non se lle está axudar a desenvolver capacidades e procedementos para localizar, acceder e analizar criticamente informacións moi diversas e, inclusive, contraditorias. Este tipo de modelos autoritarios non facilitan que alumnas e alumnos poidan chegar a converterse en persoas autónomas, sen medo a pensar e a expresarse.
Lamentabelmente, a realidade máis frecuente é que, no actual sistema educativo, estudantes, pero tamén bastantes profesoras e profesores se senten incapaces de confiar nas súas propias decisións; teñen medo a interpretar as súas propias experiencias e sensacións nas aulas, a analizar criticamente a información á que acceden. Un número moi importante de docentes e de estudantes xa aprenderon a vivir nun mundo no que a diversidade é unicamente un slogan baleiro de significado, pois a uniformidade das informacións que vehiculan autoritariamente os libros de texto estaos a incapacitar para se mover nun mundo coma o actual, no que a discrepancia, a incerteza e o debate son notas distintivas. A uniformidade de respostas e de condutas, cando non tamén nos uniformes que o alumnado se ve obrigado a vestir, non son senón un indicador máis duns ideais que tratan de converter cada persoa nun ladrillo máis dese muro que os poderosos constrúen para impedirnos ver que hai outros mundos, outras realidades e outros modos de ser e de relacionarse. Paredes que fan díficil que se vexa a luz coa que a palabra liberdade permite imaxinar e iluminar un mundo verdadeiramente máis xusto, máis democrático e, xa que logo, máis humano.
É urxente que nos decatemos de que estes valores alienantes que promoven os modelos pedagóxicos tradicionais, aínda vixentes, entran en contradición cos que ese mesmo profesorado, de modo explícito, di defender. Adoita ser frecuente que noutros lugares e documentos se recoñeza o dereito de todo ser humano á liberdade de pensamento, de crenzas; a elixir, a que as súas opinións se consideren. Non obstante, non podemos ignorar que é nos espazos escolares onde este tipo de modelos autoritarios de conduta polo que se rexe un sector importante do profesorado contribúe a xerar no estudantado un autoconcepto negativo, de seres con capacidades intelectuais infradesenvolvidas, a verse como fracasados escolares por méritos propios, nunca como resultado dos proxectos curriculares, dos modos organizativos e relacionais que están a rexer e gobernar a vida no interior destas institucións.
Ser profesor ou profesora nunca foi unha tarefa fácil, pois o traballo nas institucións escolares é un proceso no que se poñen en xogo numerosos elementos: interaccións emocionais, relacións grupais, coñecementos e destrezas, valores asumidos, intuicións e rutinas. Pero nas actuais sociedades capitalistas da información este labor aínda é máis complexo e difícil, entre outras razóns, porque tamén é un quefacer custoso saber como é o mundo de hoxe, que características teñen as nosas sociedades e, polo tanto, que tipo de persoa debemos promover no noso sistema educativo. Coñecer como son e funcionan as nosas sociedades globalizadas obríganos a descubrir de que modo se producen as inxustizas no noso contexto máis próximo e, por suposto, nas sociedades nas que vivimos e no mundo en xeral. Toda persoa educada ten que ser quen de analizar que modelos políticos son máis xustos e como operan; que perversións e inxustizas xeran os modelos de produción capitalistas máis hexemónicos.
A opacidade do futuro e a resposta dende os sistemas educativos
Resistir e facerlle fronte ao mundo tan desigualmente globalizado que se está a promover e a gobernar dende presupostos neoliberais precisa un tipo de persoas con outras metas educativas diferentes ás que se requirían para sociedades con valores e modelos culturais e políticos máis estábeis, sobre os que existía maior consenso social. Vivimos en sociedades nas que non está clara a súa especificidade. Rótulos como, “posmodernidade”, “transmodernidade”, “culturas híbridas”, ou “multiculturalismo”, poñen de manifesto esta borrosidade coa que se manifesta o presente, e esta indefinición ou ambigüidade ten repercusións moi importantes nos sistemas educativos.
Noutros momentos da historia, incluso da máis recente, parecía que existía un maior consenso sobre as finalidades do ensino. Estaban moito máis nidias as metas que se debían conquistar nas distintas etapas do sistema escolar, porque a sociedade era máis estábel nos seus modelos laborais, nos seus valores e produtos culturais, nos contidos obrigatorios que todo o alumnado debía adquirir. Algo que podemos constatar na preciosa metáfora coa que Philip W. JACKSON, a finais dos sesenta, se refería ás aprendizaxes do estudantado cando describe a praxe curricular nas aulas dicindo que: “o transcurso do progreso educativo se parece máis ao voo dunha bolboreta que á traxectoria dunha bala” (1991, páx. 197). Ao estar moito máis claros os obxectivos e contidos que cada estudante tiña que adquirir, a preocupación do profesorado estaba máis centrada en crear condicións para ese voo, ao modo das bolboretas, que caracteriza as aprendizaxes de cada estudante.
Nas sociedades actuais as cousas mudaron radicalmente; as finalidades dos sistemas educativos non gozan de consenso social, especialmente a medida que tratamos de concretalas para derivar e construír modelos e proxectos curriculares de centro e de aula. Non é casual que a aprendizaxe ao longo de toda a vida se convertese no slogan e modelo que goza de maior aceptación. A imprevisibilidade do futuro obríganos a deseñar e a desenvolver políticas e prácticas educativas con posibilidades reais de afrontar as necesidades urxentes que os distintos pobos e grupos sociais van detectando. Zygmunt BAUMAN (2005) recorre ao símil das armas e proxectís intelixentes para xustificar a razón de ser da “aprendizaxe ao longo da vida”. Armas que necesitan incorporar mecanismos para adecuar e reformular constantemente as súas traxectorias cara a obxectivos ou dianas que xa non están fixas, ao contrario dos albos das balas da metáfora de Philip JACKSON. Agora as dianas son móbiles, desprázanse continuamente e varía, así mesmo, a velocidade coa que o fan. Os mísiles máis intelixentes xa non só se limitan a buscar un punto preseleccionado, senón que poden chegar a elixir outros obxectivos diferentes sobre a marcha. Estamos diante de armas intelixentes porque teñen deseños e compoñentes que lles permiten aprender sobre a marcha.
A énfase que se vén facendo sobre a necesidade de incidir principalmente na aprendizaxe, e non na instrución, ten a súa razón de ser nesta necesidade que xa teñen un grande número de persoas de reacomodarse para desenvolver novos postos de traballo que hai poucos anos non existían; a urxencia coa que é preciso responder ás novas demandas que formulan as novas necesidades dos distintos colectivos sociais e dos actuais modelos produtivos.
Se a indeterminación e opacidade do futuro é unha das notas que mellor definen o presente, a toma de decisións acerca de cales deben ser os contidos obrigatorios da escolaridade demanda un grande debate e consenso social. Non esquezamos que a lista dos vixentes contidos obrigatorios xa foi imposta de modo pouco democrático polos anteriores equipos ministeriais e da Consellería de Educación. Contidos que están moi sobrecargados, formulados de modo que potencian que o currículo disciplinar sexa, na actualidade, o modelo dominante na maioría das institucións escolares, estruturado en materias incomunicadas entre si e impartidas en módulos temporais de 50 minutos; un currículo controlado e gobernado case exclusivamente por empobrecedores e desprofesionalizadores libros de texto. Unha praxe escolar deste tipo non facilita que o profesorado sinta a necesidade de prestarlles máis atención ás demandas da comunidade veciñal, ás esixencias das familias e ás do propio colectivo estudantil. Nun marco de política educativa tan centralizada no que atinxe aos contidos obrigatorios e aos indicadores de rendemento, as profesoras e profesores non dispoñen de espazos de liberdade para atender os contidos que teñen unha maior potencialidade para facilitar o desenvolvemento nas persoas de capacidades para a formación continuada, para facerlle sentir ao alumnado que todo proceso educativo está sempre inconcluso. Unha proposta de contidos obrigatorios por parte do Ministerio de Educación e da Consellería de Educación na liña que estivo vixente nestas últimas dúas décadas, penso que dificulta e, sendo máis realistas, imposibilita aprendizaxes significativas e relevantes por parte do alumnado e, xa que logo, fai que este colectivo aborreza a vida e o traballo nas aulas.
Se capacitar este modelo de persoas “emponderadas” que demanda a aposta por unha sociedade máis democrática, xusta e solidaria é unha das finalidades do sistema educativo, será a partir deste tipo de análise cando poderemos detectar con máis facilidade de que maneira o sistema educativo e a praxe curricular de cada centro de ensino contribúen a lexitimar ou a resistir os modelos hexemónicos de poder, as falsas democracias coas que se organizan e gobernan a sociedade, as clases e grupos sociais máis poderosos, presentándoos como os únicos posíbeis, sen alternativas.
Todo estudante ao final do seu período de escolaridade obrigatoria ten que saír capacitado para responder a interrogantes como quen representa a quen, cando o fai, onde, como e con que propósitos; preguntas que, por suposto, non están exentas de consecuencias políticas e que, por conseguinte, serven para medir os verdadeiros niveis de educación e de democracia de calquera sociedade.
Sexamos ou non conscientes, son nestes temas nos que traballan profesorado e alumnado cada día nas aulas. Os contidos culturais que se seleccionan como temas de estudo, as metodoloxías, as tarefas escolares, as interrelacións que se promoven entre estudantes e co profesorado, as formas de avaliación, os materiais curriculares, a organización do espazo, e as estruturas de participación e xestión vehiculan opcións e valores dos que convén que sexamos conscientes se, de verdade, desexamos ser responsables do modelo de sociedade e de cidadanía que queremos contribuír a educar.
Hai aspiracións que xa pasaron a ser slogans que todo o profesorado di que asume, como a aposta por educar un alumnado crítico. Pero con frecuencia estas aspiracións están máis nas intencións que nos resultados. Algo que esixiría un tipo de praxe curricular moi diferente, na que o alumnado se sentise obrigado a traballar con perspectivas interdisciplinares, a manexar fontes informativas moi diferenciadas, a contrastar distintas análises e interpretacións que se veñen facendo sobre os acontecementos sociais de maior impacto e actualidade na súa comunidade. Unha filosofía semellante debe facilitar a percepción por parte de todo o alumnado, en especial do pertencente aos grupos sociais máis desfavorecidos, de que conta cun profesorado optimista, que mantén altas expectativas acerca das súas posibilidades de éxito. Algo que contribuiría a que cada estudante se sentise motivado para arriscarse a expresar a súa opinión sobre os temas que se tratan nas aulas, a non ter medo a trabucarse, porque non está exposto a descualificacións nin insultos, nin se ve ameazado polas cualificacións negativas e suspensos. Unha praxe educativa semellante demanda que o alumnado teña entre as súas funcións a de participar activamente no deseño da carta de deberes e dereitos que deben orientar o seu comportamento nos centros escolares; pautas de conduta que se compromete a respectar, e en relación ás que admite ser xulgado.
Nas análises máis rigorosas que se realizan sobre a vida no interior dos centros e das aulas existe bastante unanimidade en que seguimos estando alonxados deste tipo de metas educativas. Non obstante, tamén podemos afirmar que o profesorado segue considerando tales obxectivos como vixentes e urxentes, cando debate ou suxire liñas de política educativa e de acción para conformar unha nova cidadanía máis democrática, responsábel, solidaria e xusta.
Ser conscientes desta disociación, cando non esquizofrenia, entre os nosos desexos e actos é algo imprescindíbel antes de culpar o alumnado de vago ou falto da cultura do esforzo. Cómpre ter presente que non é nada fácil ser conscientes destes desaxustes, pois os discursos máis hexemónicos tratan de convencernos de que as cousas sempre foron e seguirán sendo así; ou sexa, que é obvio e lóxico que as políticas e modelos económicos e sociais, calquera que sexan, sempre favorezan a uns poucos e que as cousas non lles teñan que ir necesariamente ben a todas as persoas.
Este tipo de discursos dos grupos sociais dominantes veñen promovidos dende as estruturas máis opresoras que nunca existiron, dada a facilidade que teñen, na actualidade, para invadir coas súas proclamas e mentiras, todos os medios de información e de comunicación.
Un bo e atinado diagnóstico acerca do tipo de sociedade na que vivimos, así como dos modelos educativos vixentes, constitúen os primeiros e decisivos pasos para unha política e praxe de solucións eficaces. Esta é tamén a maneira de denunciar todo o cúmulo de falsas reformas educativas que dende perspectivas neoliberais, cando non tamén dende un sector da esquerda, se veñen promovendo na maioría dos países. Pseudorreformas que se elaboran e se aproban dando a impresión de querer mellorar o sistema, pero que miradas de preto non fan máis que contribuír a facer realidade a afamada e cínica frase que Giuseppe Tomasi di LAMPEDUSA pon en boca do mozo aristócrata Tancredi, na novela do Gatopardo: “se queremos que todo siga igual, é necesario que todo mude”.
Mais convén saber que a humanidade sempre que se comprometeu con utopías conquistou grandes logros, algo que nos debe permitir ser optimistas na actualidade e seguir defendendo, cada vez con maior convencemento, que “outro mundo e outra educación é posíbel”.
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Los procesos de globalización, el alcance de las redes de comunicación -capaces de permitir la comunicación entre personas situadas en cualquier parte del planeta, hasta el punto de hacer cada vez más real la etiqueta de “aldea global”-, junto con la progresiva mejora de los niveles educativos y culturales de la población hacen cada vez más difícil ocultar la diversidad de culturas y personas y, por tanto, de sus realidades, necesidades, problemas y también de sus logros.
Plantearse la justicia social en el seno de cualquier sociedad obliga a tomar en consideración las dimensiones de equidad y las diferencias, y por tanto las situaciones de discriminación y las distintas formas de opresión. Implica sacar a la luz las cuestiones de poder, los privilegios, ventajas y desventajas de pertenecer a un determinado grupo o clase social, género, etnia, país, cultura, religión; de residir en un determinado núcleo de población, de tener una determinada edad, etc.
En las numerosas y diferentes luchas sociales llevadas a cabo en pro de mayores cotas de justicia social, las instituciones escolares no han permanecido al margen. Numerosos colectivos docentes progresistas durante todo el siglo XX han venido traduciendo en las aulas los compromisos políticos que como ciudadanas y ciudadanos compartían con organizaciones políticas y sindicales que luchaban para conformar otro mundo más justo y solidario.
Este compromiso en los sistemas educativos obligó a plantearse los niveles de justicia curricular, tanto en los fines como en los contenidos escolares (Jurjo TORRES, 2008). Al poner el foco de atención en los contenidos, la justicia curricular nos conminó a contemplar aspectos directamente relacionados con las políticas de inclusión, pero que habitualmente vienen pasando más desapercibidos, como son: prestar mucha atención a los materiales curriculares existentes en las aulas y bibliotecas escolares, a la decoración de las aulas, pasillos y demás espacios del centro, vigilando el rigor y justicia de las representaciones, aportaciones y valoraciones de las personas, colectivos, grupos y culturas que están presentes en las aulas, y en la sociedad más amplia en la que está ubicado el centro escolar.
Es preciso estar dispuesto a cuestionarse en qué medida la selección de contenidos culturales con la que se trabaja en las aulas tiene como objetivo fundamental preservar los intereses de determinados colectivos hegemónicos, construir y legitimar relaciones de poder a su servicio, antes que promover aprendizajes liberadores en contextos de enseñanza y aprendizaje democráticos.
De igual manera, el grado en que una institución escolar está guiada por ideales de lucha por la justicia exige implementar aquellas metodologías, modelos organizativos y de participación, modalidades de evaluación y procesos de admisión del alumnado más adecuados a las características de la población con la que se trabaja. No debemos olvidar que los niveles de justicia curricular, las políticas de igualdad de oportunidades en el interior de los centros y de cada aula siempre deben evaluarse tomando en consideración el tratamiento que reciben las personas y colectivos sociales más desfavorecidos.
Tenemos abundantes pruebas, documentadas principalmente por investigadoras feministas, en las que se viene denunciando el sexismo en los contenidos, libros de texto, modalidades de interrelación en las aulas y evaluaciones de los rendimientos. No debemos olvidar que este es un movimiento que desde los inicios de la década de los 70 no para de realizar seguimientos muy minuciosos sobre lo que sucede en el interior del sistema escolar. Es precisamente la vigilancia a la que sometemos el sexismo en las instituciones docentes lo que nos permite ir reduciendo los comportamientos y materiales machistas; conformando, de este modo, la personalidad de las nuevas generaciones para hacer frente al sexismo.
Despolitización y globalización
En las décadas anteriores las denuncias y la vigilancia de los sistemas educativos por parte de la izquierda se realizaba tomando en consideración casi exclusivamente la variable clase social; lo que sirvió para ir tomando medidas para impedir que la clase social fuera el elemento determinante del éxito escolar y de las posibilidades de continuar estudiando. Fue de este modo como se luchó y se consiguió ir alargando los periodos de la escolarización obligatoria y, asimismo, apostar con mayor contundencia por un sistema comprensivo en la Educación Secundaria, evitando desplazar y agrupar en determinadas ramas y especialidades a los hijos e hijas de las clases más populares. En la actualidad, a partir de la caída del Muro de Berlín, en 1989, parece haberse relegado este tipo de análisis a un lugar muy secundario, por no decir que se produjo un abandono de este tipo de investigaciones centradas en la dimensión clase social. Los procesos de despolitización que acompañaron la caída del Muro, no hicieron desaparecer las opresiones de clase, ni mucho menos. No investigar o prestar atención a un fenómeno social no conlleva su inexistencia; por consiguiente, sería un inmenso error presuponer que ya tenemos un sistema educativo en el que no existen prácticas de reproducción de las distintas clases y grupos sociales. Relegar esta dimensión contribuye a facilitar comportamientos, actitudes, conocimientos, destrezas y valores clasistas, pero sin ser conscientes de su existencia real.
A estos focos de atención, hay que añadir las transformaciones que se están propiciando con los procesos de globalización en los que están implicados la inmensa mayoría de los países. En las dos últimas décadas, son muchas las personas que se ven obligadas a abandonar sus territorios y países en la búsqueda de condiciones que permitan una supervivencia mínimamente digna, que en sus lugares de origen no existen; o a la procura de un país que acepte servir de refugio a quienes huyen de persecuciones políticas, guerras o de amenazas terroristas. Estas situaciones sirvieron para que afloraran situaciones de racismo, incluso en aquellos países, como España y Portugal, en los que sus ciudadanas y ciudadanas habían visto, hasta muy recientemente, como un sector cuantitativamente muy importante de su población se había visto forzado a emigrar a esos mismos países de los que ahora está llegando una gran parte de la población inmigrante; personas que en la actualidad se encuentran impelidas a abandonar su hogar, dado las situaciones de recesión económica que sus países vienen sufriendo en los últimos años. Es demasiado frecuente escuchar a personas definirse de manera estentórea como no racistas, cuando en realidad lo que deberían decir es que no son conscientes de cómo se manifiestan en sus actitudes, comportamientos e interacciones el racismo en el que fueron educados y socializados.
Es precisamente la inmigración proveniente de países pobres y la asistencia de las niñas y niños de estos colectivos sociales a las instituciones escolares lo que hizo mucho más visibles los resultados de la educación chauvinista y racista con la que los Estados-Nación venían adoctrinando a sus generaciones más jóvenes.
Si los grupos feministas, junto con muchos otros movimientos sociales progresistas llevaban décadas denunciando el sexismo y clasismo que regía en el interior de los colegios y aulas, entra dentro de la lógica imaginar qué existe un numeroso tipo de prácticas reproductivas, de opresión y de marginación que se están dando en aquellas dimensiones a las que prestamos mucha menos atención, como el racismo, el adoctrinamiento religioso, la promoción de un único modelo de sexualidad (la heterosexualidad), el militarismo, etc.
La educación no puede ser un instrumento que genere autoodio y, por tanto, que sirva para romper los lazos tanto con la propia familia como con la comunidad de origen. Debemos ser conscientes de que en muchos momentos la educación produjo, y lo sigue haciendo, “desclasamiento”, pero además asimilación o, más claramente, “des-culturización”.
Corrupción de los sistemas educativos
Todo sistema educativo tiene entre sus finalidades colaborar a construir las identidades de los niños y niñas. Entendiendo por identidad, aquellos conocimientos, procedimientos, destrezas y valores que cada persona aprende, desarrolla y pone en funcionamiento para comprender, evaluar e intervenir en el mundo Si estos contenidos (idiomas, creencias, ritos, procedimientos, actitudes, saberes, …) que se utilizan en el entorno en el que se vive sirven para discriminar a alguien, quiere decir que estamos ante un sistema educativo injusto, o sea clasista, y/o sexista, y/o racista, y/o homófobo, etc. El análisis de los posibles sesgos en este tipo de dimensiones es lo que permite evaluar los niveles de injusticia de las instituciones docentes.
Jacques HALLAK y Muriel POISSON denuncian la existencia de corrupción de los sistemas educativos, entendida como “la utilización sistemática de las instituciones públicas para obtener beneficios privados, con un impacto significativo en la disponibilidad y calidad de los bienes y servicios educativos y, en consecuencia, en el acceso, calidad o equidad en la educación” (2007, pág. 29). Un sistema educativo corrupto va a ser, por ejemplo, aquel en que los grupos sociales más desfavorecidos y necesitados se encuentran con escasos recursos educativos a su servicio, y de peor calidad. Un compromiso con la justicia social y curricular conmina a evaluar asiduamente de qué modos se viene plasmando esa desigual e injusta distribución de los recursos existentes. Este es el caso, por ejemplo, de las instituciones escolares públicas, ubicadas en los barrios en los que se hacinan los colectivos sociales más desfavorecidos y marginados, o de los núcleos de población rural pobres, más aislados y con peores accesos. En los centros escolares aquí ubicados, además, no es raro que se vea obligado a trabajar el profesorado más novato e inexperto, pues sus colegas con mayor experiencia tienen acumulada más antigüedad en la profesión y, en consecuencia, acostumbran a solicitar el traslado a instituciones escolares menos conflictivas, con mejores recursos e instalaciones, y ubicadas en barrios y núcleos de población más ricos.
Otro signo importante de corrupción es la situación que viven muchas familias cuando deciden escolarizar a sus hijos e hijas y se encuentran con que no son admitidos en los centros que desean y les corresponden, porque el profesorado, las direcciones de los centros o sus propietarios establecen criterios de admisión segregadores. Son múltiples las denuncias en los medios de comunicación realizadas por familias que constatan como sus hijas e hijos fueron discriminados por razones de sexo, clase social, capacidades, conocimientos previos, etnia, religión, etc. Algo que, asimismo, supone un atentado contra los derechos de la infancia, consagrados en la Convención de los Derechos de la Infancia, aprobados por la ONU el 20 de Noviembre de 1989, en la que, entre otros, en su Artículo 19.1., se dice que “Los Estados Partes adoptarán todas las medidas legislativas, administrativas, sociales y educativas apropiadas para proteger al niño contra toda forma de perjuicio o abuso físico o mental, descuido o trato negligente, malos tratos o explotación, incluido el abuso sexual, mientras el niño se encuentre bajo la custodia de los padres, de un representante legal o de cualquier otra persona que lo tenga a su cargo”.
Una educación comprometida
Una ciudadanía verdaderamente democrática precisa entrar en contacto con aquellos contenidos culturales que permitan desarrollar una comprensión más racional del mundo en el que vivimos; trabajar con metodologías didácticas que propicien el desarrollo de un pensamiento crítico y creativo, que posibiliten entender, argumentar y convivir con personas de distintas culturas, ideas e ideales. Esta praxis educativa precisa ir de la mano de modelos organizativos y de participación que fomenten una mayor interacción y colaboración con las personas de los distintos colectivos sociales que habitan en su mismo país.
Una educación comprometida con la diversidad no puede caer en el reduccionismo y folklorismo de introducir al alumnado en una especie de feria de culturas, compitiendo entre ellas para ver cual es más pura, incontaminada, exótica y tiene mayor antigüedad; tampoco puede caer en educar seres desvinculados socialmente, personas sin raíces ni tradiciones culturales. Educar personas autónomas, democráticas y libres obliga a hacerles conscientes de que precisan un amplio bagaje cultural que les facilite entender como es el mundo actual y, por supuesto, ser capaces de mayor autonomía y libertad de pensamiento; ser consecuentes con el hecho de que hay realidades e ideas que son y deben ser defendidas y otras, por el contrario, a las que hay que oponerse. Las distintas convenciones de Derechos Humanos, aprobadas por la ONU, son el mejor listón para medir el grado de validez de las opciones que se tomen. Como subraya Martha C. NUSSBAUM, 2005, pág. 324) “La gente que nunca ha aprendido a usar la razón y la imaginación para ingresar en un mundo más amplio capaz de acoger distintas culturas, grupos e ideas, se empobrecen personal y políticamente, a pesar de lo exitosa que sea su preparación profesional”. Educar personas autónomas, democráticas y libres obliga a hacerlas conscientes de que precisan de un amplio bagaje cultural que les facilite entender como es el mundo actual y, por supuesto, ser capaces de mayor autonomía y libertad de pensamiento y acción; ser consecuentes con el hecho de que hay realidades e ideas que son y deben ser defendidas, y otras, por el contrario, a las que hay que oponerse. Las distintas Convenciones y Recomendaciones aprobadas por la ONU y el Consejo de Europa destinadas a promover y garantizar los Derechos Humanos son el mejor listón para medir el grado de validez de las opciones que se tomen.
Bibliografía:
HALLAK, Jacques y POISSON, Muriel (2007). Currupt Schools, Corrupt Universities: What can be done?. Paris. International Institute for Educational Planning.
NUSSBAUM, Martha C. (2005). El cultivo de la humanidad. Una defensa clásica de la reforma en la educación liberal. Barcelona. Paidós.
TORRES SANTOMÉ, Jurjo (2008). “Diversidad cultural y contenidos escolares”. Revista de Educación, nº 345 (Enero-Abril) (en prensa).
Jurjo Torres Santomé
A axenda oculta da LOMCE
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Jurjo Torres Santomé
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Presentación empregada na Conferencia impartida ás ANPAS dos coléxios do Concello de Culleredo (A Coruña) o 30 de maio de 2013.
A axenda oculta da LOMCE
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Política educativa, multiculturalismo e práticas culturais democráticas nas salas de aula
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Jurjo Torres Santomé
Revista Brasileira de Educação. (São Paulo – Brasil), Nº. 4 (Janeiro-Abril, 1997) págs. 5-25.
Trabalho apresentado na XIX Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1996.
Elaborar uma proposta curricular obriga a participar da reflexão sobre que tipo de cidadãos e cidadãs e de sociedade queremos construir. Essa é, sem dúvida, uma das questões mais importantes que cabe colocar no âmbito da educação e que nos obriga a realizar uma série de tarefas prévias destinadas a analisar o presente, averiguar como são hoje nossas sociedades, que problemas aparecem como mais urgentes, quais são as causas das situações injustas que detectamos.
Esse tipo de informação a respeito do mundo em que vivemos é vital para qualquer professora ou professor. Nas salas de aula, uma das tarefas realmente importantes que o professorado leva a cabo é oferecer ao alunado parcelas da realidade para sua análise e conhecimento; daí a urgência de se manter atento e fomentar um constante espírito crítico perante esse tipo de processos seletivos e escolhas com finalidade exemplificativa com que as instituições escolares operam. Ninguém desconhece que, para o coletivo docente, esse é um dever já complicado por si só e ao qual há ainda que se acrescentar todo um grande conglomerado de tarefas e rotinas que são consubstanciais com a função didática nas salas de aula, com a criação de um ambiente que estimule processos de ensino e aprendizagem. Poucos trabalhos profissionais precisam atender a tantos focos de atenção como o da docência.
Desenvolver projetos curriculares nas salas de aula obriga a estar alerta a um sem-número de questões: as tarefas que cada um dos meninos e meninas executam, o acompanhamento de suas realizações, do que sabem e do que ainda é ininteligível para eles; detectar suas percepções da realidade, valorações, expectativas e pré-julgamentos; a apreciação de seu desenvolvimento social e emocional e das situações problemáticas que afetam suas inte- rações sociais. O professorado precisa se dedicar a esse tipo de investigação nas salas de aula e, ao mesmo tempo, tem de destinar tempo a leituras, seminários de atualização constante, trabalho em equipe de planejamento, acompanhamento e avaliação dos projetos curriculares com os quais está necessariamente comprometido.
Mas, além de tudo isso, tem de estar muito bem informado sobre questões culturais, trabalhistas, econômicas e políticas que são imprescindíveis para alcançar uma compreensão adequada da co- munidade e do mundo em que vive.
Perante tal acúmulo de deveres, o professorado tende a ser seletivo em seus focos de atenção. Todavia, nos últimos anos, a forte pressão dos discursos e políticas tecnocráticas estão tratando de convencê-lo de que seu trabalho profissional é apenas uma questão de aprender determinadas técnicas didáticas, tais como realizar programações, adaptar projetos curriculares elaborados pelas editoras de livros-texto até fazê-los parecer projetos curriculares de centro educacional e de sala de aula, elaborar controles ou provas de avaliação para detectar o rendimento de cada um dos meninos e meninas da classe, estabelecer uma série de normas disciplinares etc.
Um constante bombardeio de propaganda ideológica neoliberal e decisões políticas conservadoras pretendem menosprezar a função de intelectuais que compete às professoras e professores exercer. Essa negligência para com seu papel como intelectuais é favorecida (ainda que muitas vezes não seja essa a pretensão) por certos discursos psicológicos e didáticos que, com a idéia de apresentar novas conceitualizações, modelos ou metodologias, recorrem à estréia contínua de novos jargões, que para nada servem além de desviar a atenção do professorado para questões pouco relevantes e fazer as autenticamente importantes parecerem fora de moda.
Vivemos momentos de mudança, profundas transformações sociais estão em curso na maioria das sociedades, em grande medida como conseqüência das inovações e transformações nas estruturas produtivas e de consumo. Idéias e utopias que até há pouco orientavam e serviam de eixo vertebrador a discursos e práticas libertadoras vêm sendo rifadas quase sem que se disponha de argumentos válidos para isso. Estes são momentos de perplexidade e é também agora que a reflexão e o debate coletivo se tornam inevitáveis.
Urge recuperar para a função docente a concepção gramsciana de intelectual, neste momento em que os discursos e epistemologias dominantes pretendem recortar seu papel até deixá-la reduzida a dimensões técnicas e de gestão burocrática.
Intelectual é alguém dotado de faculdades para representar, organizar e articular mensagens, visões da realidade, atitudes, filosofias e opiniões de, assim como para, um determinado público (Said, 1994, p. 11). O exercício da função de intelectual pode ser feito, logicamente, em diversas direções; ou com o objetivo de tornar razoável, natural, inevitável e neutro os interesses dos grupos que estão em situações vantajosas, em posições hegemônicas, ou para des- montar essas metas particulares e parciais. Aqueles que colaboram na primeira modalidade de trabalho intelectual costumam receber a denominação de intelectuais hegemônicos, em conformidade com o trabalho de vigilância e legitimação das atuações dos grupos hegemônicos de poder.
Ao contrário, intelectuais contra-hegemônicos são aquelas pessoas que manifestam um maior compromisso com as classes e grupos sociais mais desfavorecidos e cooperam na detecção de práticas, metodologias e discursos que funcionam tratando de facilitar e justificar sua dominação e opressão. São também aqueles que contribuem para conformar práticas libertadoras, a serviço dos coletivos sociais explorados e marginalizados, estimulando entre estes a análise de seus atuais modos e condições de vida e provocando uma tomada de consciência capaz de permitir que elaborem e coloquem em ação respostas para fazer frente à sua subjugação. Tais intelectuais possuem uma responsabilidade especial como criadores e fomentadores de situações de deliberação e debate democrático no seio dos grupos sociais mais desfavorecidos, com os quais compartilham sua vida e ideais.
Não é aceitável renunciar a pôr a serviço desses grupos todas as habilidades e conhecimentos que os professores e professoras foram construindo como intelectuais. O exercício da crítica e da investigação é algo que define sua formação e a função de seu trabalho. Nessa direção, mecanismos com maior poder democratizador como a investigação-ação democrática e crítica são fundamentais para levar a cabo a revisão das práticas e discursos que, tanto no sistema educativo como em outras esferas sociais, não costumam levar em consideração a história, vozes e interesses de grupos sociais silenciados como as mulheres, a classe trabalhadora, meninos, meninas e adolescentes, as pessoas idosas, os povos, etnias e nações oprimidas.
O fato de realizarem esse trabalho de debate e análise não equivale a serem os únicos responsáveis por tal análise e pela formulação ou sugestão de linhas de ação; muito pelo contrário. É trabalho de intelectuais ir favorecendo que um número cada vez maior de pessoas possa exercer essa tarefa de análise e reflexão a respeito do que aconteceu e está acontecendo e sobre qual pode ser o futuro. Compartilhar e divulgar esse trabalho entre os membros desses coletivos sociais mais desfavorecidos, potencializar suas capacidades de reflexão, análise e ação é tarefa indissociável da função de intelectuais.
Convém, no entanto, que sejam suficientemen- te precavidos para não cair em simplistas categorizações dualistas do tipo “eles”/“nós”, “bons”/ “maus”; o que levaria implicitamente a construir categorias pouco sérias e reais de “inimigos”/“amigos”. A complexidade da vida humana é algo que algumas óticas pós-modernas estão ajudando a desvelar e a que se deve prestar atenção. Assim, já faz anos que os movimentos feministas deixaram claro que é possível atuar ao mesmo tempo como opressores e oprimidos. É o caso, por exemplo, de homens da classe trabalhadora que sofrem situações de dominação e opressão em seus lugares de trabalho fora do lar, mas que atuam como opressores sobre as mulheres no âmbito familiar.
Nesse sentido, o conceito de “assincronismo” pode vir a ser de grande utilidade. Nem sempre os diferentes grupos e movimentos sociais coincidem entre si em suas reivindicações e/ou nas prioridades pelas quais se organizar para combater formas e situações de dominação. Como destaca Cameron McCarthy (1994, p. 108), existem descontinuidades nas dimensões em torno às quais se agrupar e colaborar, “que derivam do choque de interesses, necessidades e desejos assincrônicos, que separam entre si diversos setores de grupos minoritários e os atores pertencentes a minorias dos da maioria”.
Essa dificuldade para coincidir na definição e concreção do que se considera que é prioritário atender é também sublinhada por Michel Foucault (1979) quando indica que não existe um único eixo em torno do qual todas as relações de poder e dominação, luta e resistência, possam se agrupar, “mas antes uma produção multiforme de relações de dominação que são parcialmente integráveis em estratégias de conjunto” (p. 171). Essas lutas sociais descontínuas costumam acontecer, por sua vez, em âmbitos espaciais locais e regionais, mais do que em âmbitos muito maiores que requerem modalidades de coordenação mais complexas.
Existem múltiplos espaços, formas e momentos nos quais diferentes grupos humanos se comprometem com questões de liberdade, dignidade, justiça, realização pessoal etc.
O exercício da crítica, típico do trabalho intelectual, tem de aprender a levar em consideração essa dinâmica de contradições, tensões e assincronias que se produzem na vida que tem lugar nas instituições escolares, no seio familiar, nos locais de trabalho, espaços de ócio, instituições culturais e políticas. Dessa maneira, é possível que seja mais fácil detectar e fazer frente às situações de injustiça e dominação que sofrem os coletivos sociais com menor poder.
Recuperar para o coletivo docente uma certa capacidade de “agitação social”, submetendo-se sempre à crítica por parte dos coletivos com os quais se encontra comprometido, não equivale a convertê-lo em líder e dirigente nem, evidentemente, nas únicas pessoas capacitadas para orientar ações, mas antes em promotoras, animadoras das vozes dos grupos silenciados e com menor poder. Trata-se de contribuir para que os que integram esses coletivos falem; que reflitam sobre sua situação e sejam eles que decidam e se comprometam com a direção de alternativas de atuação.
Creio que esteja patente uma coincidência do avanço da direita política com um momento de forte crise nos setores intelectuais, que parecem dominados por um certo “pânico” em refletir em voz alta. É como se o medo se tivesse apoderado das mentes das pessoas que têm obrigação moral, espaços e possibilidades de refletir sobre o momento atual. Tem-se a sensação de que se quer renunciar a criar con- dições para fomentar maiores cotas de debate e de análise; em resumo, é como se existisse uma rendição nos setores intelectuais não hegemônicos, quando não também uma certa sensação, que é pior, de se passar para o outro lado, contribuindo para conformar discursos legitimadores dos atuais modos e condições de exploração. Não ajudar expressamente a criar discursos libertadores é uma forma de colaboracionismo oculto com o poder estabelecido.
As professoras e professores intelectuais, a serviço da democracia e da justiça social, têm de contribuir para o estabelecimento de condições para que, nos centros escolares e nas salas de aula, o alunado possa chegar a descobrir o que se esconde por trás dos véus do “saber oficial”; que aspectos não estão sendo levados em consideração, de que ma- neira pode estar manipulada e distorcida a informação com que os meninos e meninas são bombardeados pelos meios de comunicação de massa e demais fontes informativas com as quais entram e, muitas vezes, são forçados a entrar em contato.
Ajudar a desmascarar os pré-julgamentos e estereótipos do conhecimento no qual se apóiam as práticas e discursos classistas, racistas e sexistas é tarefa vinculada à função das professoras e professores como intelectuais. É preciso favorecer que as pessoas possam discutir a aparição de imagens, discursos e narrativas, que nada mais pretendem a não ser fechar as portas ao futuro, impedir, a um importante número de coletivos sociais, de ser.
A educação, uma dimensão da política cultural da sociedade
As questões curriculares, conseqüentemente, devem ser consideradas como mais uma dimensão de um projeto de maior envergadura, como é a política cultural de cada sociedade. Toda proposta curricular implica fazer opções entre as distintas parcelas da realidade, supõe uma seleção cultural que se oferece às novas gerações para facilitar sua socialização, para ajudá-las a compreender o mundo que as rodeia, conhecer sua história, promover valores e utopias. Assim, pois, surge já uma primeira questão: quem são as pessoas que vão participar dessa tomada de decisões a respeito de tal seleção de conteúdos, e por quê?
Todas as investigações centradas nos conteúdos que vêm sendo trabalhados na maioria dos centros de ensino concluem que existe um forte viés nas opções que são promovidas como “exemplificantes”, que são silenciadas realidades daqueles que não estão vinculados a expedientes de poder político, econômico, cultural e religioso, isto é, das etnias e grupos sociais desfavorecidos e marginalizados (das mulheres, da classe trabalhadora, das pessoas de terceira idade, das pessoas pobres, desvalidas, de homossexuais e lésbicas, do mundo rural e marinheiro, dos meninos, meninas e adolescentes etc.) e do Terceiro Mundo. Esse silêncio de coletivos sociais importantes pode ser constatado de modo especial nos materiais didáticos que fecham as propostas curriculares, os livros-texto.
Mas quando se reflete sobre os porquês dessa censura e, até mesmo, manipulação da informação presentes em grande parte dos materiais curriculares que circulam nas instituições escolares, apenas encontramos explicações suficientemente potentes quando expandimos o olhar para fora das paredes das salas de aula e analisamos o que está acontecendo nas demais esferas dessa socieda- de da qual fazem parte.
A estrutura de classes e grupos sociais, os modelos produtivos e de comercialização, de acesso, divisão e organização do trabalho, os processos de acumulação de capital, as políticas econômicas, trabalhistas, sociais e culturais são outros tantos focos de atenção nos quais encontram-se as chaves potentes para entender o que está acontecendo na comunidade e, portanto, os motivos que explicam um sem-número de comportamentos grupais e individuais. É rastreando tramas semelhantes que chegaremos a discernir o sentido da maioria das tarefas escolares que ocupam alunos e alunas, assim como suas reações diante delas. É também nessa rede, da qual faz parte o sistema educativo, que se poderão explicar as atividades, rotinas e tarefas do professorado. Assim, será mais factível, como é urgente neste momento, elaborar linhas de ação com probabilidades de incidir no curso dessa realidade e condicionar o curso atual da história.
A desigualdade na distribuição de recursos educativos e culturais, sinal de sociedades injustas
Chama a atenção que o famoso lema em torno do qual se organiza a Revolução Francesa, “liberdade, igualdade e fraternidade”, que os cidadãos e cidadãs democratas convertem num dos objetivos e premissas sobre os quais construir e governar as sociedades modernas, pareça hoje um tanto antiquado e irreal. Especialmente se levarmos em conta que uma das idéias básicas sobre as quais se assenta a direita política é a da crença na “desigualdade” entre as pessoas.
Um modelo de sociedade conservador, liberal e neoliberal, como o que a estas alturas da história vem se impondo na maioria dos países tecnologicamente mais desenvolvidos, que se assenta em pilares como a defesa do “livre mercado”, precisa propagar filosofias e concepções que apresentem o ser humano isolado socialmente. Dessa maneira, todas as análises levam em consideração unicamente o indivíduo com capacidade para se autoformar, autodeterminar, sem que nada nem ninguém de fora possa influenciar ou condicionar suas possibilidades inatas. Todos seus êxitos e, logicamente, fracassos serão de sua responsabilidade; nada nem ninguém vai condicioná-lo. Todas as maneiras de pensar, a tomada de decisões sociopolíticas serão levadas a termo tendo-se em consideração perspectivas pessoais, individuais, não coletivas. Os direitos que se formu- lam e atendem acabam sendo pensados de modo individualista, do mesmo modo que as análises que são realizadas sobre a realidade.
A aposta e a defesa de filosofias individualistas, da competitividade e esforço pessoal são aspectos indispensáveis para o bom êxito dos modelos econômicos capitalistas e, agora, da globalização dos mercados. Essa ideologia obriga a assumir que as pessoas não precisam se agrupar em função de condições de vida ou valores compartilhados; não se contempla nada com capacidade suficiente para circunscrever cada indivíduo como membro de um grupo; não se deixam ver estratégias para vertebrar modos de atuação mais coletivos com possibilidades de transformar modelos organizativos e estruturas sociais que ocasionam situações de injustiça a grupos sociais concretos e, logicamente, a cada um de seus membros.
Por outro lado, como conseqüência das políticas ultraliberais, insiste-se mais em mostrar as pessoas como consumidoras e em prestar atenção a seus direitos de consumir do que à sua condição de cidadãs e cidadãos; isso acarreta uma redução de suas obrigações e deveres como seres humanos e um menoscabo de suas possibilidades de ação e intervenção. A dimensão consumista implica mover-se apenas num âmbito que permite realizar escolhas entre o que nos oferecem, não no da definição de suas necessidades e da realidade. Restringem-se as ocasiões e níveis de autonomia para as pessoas criarem modelos e orientações sobre como pode ou deve ser sua comunidade; minimizam-se os espaços e oportunidades de participar do estabelecimento de direções de desenvolvimento para a sociedade a que se pertence.
As novas sociedades de consumo estão tratando de transformar as instituições escolares submetendo-as às mesmas leis que regem o mercado de Consumo (Whitty, Edwards e Gewirtz, 1993). Pretende-se que as ofertas que os centros docentes realizem sejam feitas para satisfazer as demandas daqueles que têm possibilidades de formulá-las, os grupos empresariais. Nesse sentido, não podemos deixar de lado a existência de um mercado em que a manipulação da informação desempenha um im- portante papel. A informação é na atualidade um dos poderes mais decisivos, daí o grande interesse e a luta por obter o controle das comunicações, por possuir jornais, emissoras de rádio e televisão, redes informáticas etc. É sobre a base desse controle e manipulação da informação que podemos compreender que tanto as famílias como o próprio alu- nado sintam maior urgência por determinados conhecimentos e habilidades que, afirma-se, facilitam o acesso a empregos e estão mais diretamente vinculados a saídas para o trabalho, e, o que é pior, cheguem a considerar inúteis ou de escasso interesse conteúdos culturais e valores relacionados à compreensão da realidade, da justiça, da solidariedade e democracia.
O sistema educativo, portanto, aparece como algo a consumir, como a via para obter credenciais que, no futuro, facilitem entrar na demanda por trabalhos e salários, que permitam participar das escassas possibilidades de mobilidade social; não é concebido como um conjunto de instituições coadjuvantes na conquista de maiores cotas de justiça social, na luta contra a desigualdade e a opressão. Creio que um dos grandes perigos para nossas sociedades está na maneira como se obscurecem o sentido e a finalidade do sistema educativo.
Não obstante, como aponta R. W. Connel (1993), temos três razões para considerar a existência de um forte nexo de união entre os sistemas educativos e a conquista de maiores níveis de justiça social.
1. O sistema educativo é um dos maiores ativos públicos. É uma das maiores empresas em qualquer economia moderna. Para nos convencermos de que é uma das empresas mais importantes, basta pensarmos nas cifras bilionárias que manejam os ministérios da educação e da ciência da maioria dos países. Dado que se trata de uma empresa pública, é lógico perguntar quem obtém a maioria dos benefícios. As análises quantitativas revelam rapidamente uma forte desigualdade nessa distribuição de recursos e benefícios. Quando nos detemos em comprovar as formas que assume a distribuição dos alunos no sistema educativo, as formas piramidais se impõem (há muitas alunas e alunos nos níveis iniciais e, à medida que ascendemos no sistema educativo, vamos encontrando cada vez menos). Os piores resultados, já o sabemos, são dos meninos e meninas das classes trabalhadores, da etnia cigana, dos núcleos rurais mais desfavorecidos etc.
2. O sistema educativo, atualmente, não apenas é um dos principais ativos públicos, como também é previsível que o seja ainda mais no futuro. Convém ter presente que o conhecimento especializado tornou-se mais um dos componentes do sistema de produção e comercialização.
Atualmente, é no âmbito do sistema educativo que se dão as principais condições para a investigação e a promoção de inovações tecnológicas. Isso se comprova facilmente quando vemos, por exemplo, os fortes vínculos que se começaram a estabelecer entre o mundo empresarial e as universidades.
Viver numa sociedade democrática implica que os fundos públicos redundem em benefício de todas as pessoas e não somente de algumas poucas; significa que, nessas investigações custeadas com dinheiro público, os distintos grupos sociais devem ter parti- cipação, especialmente no estabelecimento de linhas prioritárias e urgentes de investigação; em outras palavras, os diferentes grupos e coletivos sociais têm de dispor de canais para participar da definição dos problemas atuais e da determinação de quais dentre eles urge resolver de maneira mais peremptória. Não é aceitável que todo o sistema público educativo se mova apenas ao ritmo e na direção que os grupos sociais com maior poder econômico e político decidem. Uma boa prova dessa disfuncionalidade está no fato de que a investigação de que os grupos empresariais privados necessitam está sendo levada a cabo, em grande parte, pelas universidades públicas e institutos de pesquisa financiados com fundos públicos.
Esse conhecimento que os sistemas educativos constroem e distribuem não apenas desempenha um papel importante na melhoria da produção e na expansão de mercados, mas também na estratificação social e, portanto, na manutenção de hierarquias sociais. Não esqueçamos que vivemos num mo- delo de sociedade no qual o credencialismo é uma de suas marcas idiossincráticas. O número de títulos profissionais alcançados e o prestígio da instituição que os expede decidem em grande medida as possibilidades de trabalho e a circunscrição a uma determinada classe e coletivo social.
Nesse sentido, é curioso como está sendo produzindo um maior crescimento da iniciativa privada em todos os níveis do sistema educativo (desde a educação infantil e primária até a própria universidade), mas com dinheiro público. Desde a década de 70, e em especial na de 80, a parcela orçamentária do Estado e das comunidades autônomas destinada às instituições escolares privadas não pára de crescer.
Os sistemas educativos distribuem oportunidades de participação e consumo nos atuais sistemas produtivos, bem como moldam os possíveis modelos de sociedade do futuro. Preocupar-se com uma maior democratização, participação e eqüidade para o futuro significa construir a partir de hoje instituições escolares que preparem esses pilares de apoio.
3. A terceira razão para se preocupar com o sistema educativo, segundo R. W. Connel, estaria na concepção do que é educar que essa sociedade concreta à qual nos refiramos defende em cada momento histórico.
Educar é uma tarefa moral, uma vez que implica levar em consideração dimensões morais. O ensino e a aprendizagem, como práticas sociais, sempre implicam questões acerca de propósitos e critérios para a ação (sejam ou não compartilhados), decisões sobre a aplicação de recursos (incluindo autoridade e conhecimento) e acerca de responsabilidades e conseqüências dessas ações. Essas implicações nunca podem ser eludidas, não é possível evitar esse tipo de questão. O fato de que não estejamos conscientes delas não significa que essas dimensões morais tenham sido relegadas; pelo contrário, tal como demonstram os estudos sobre o currículo oculto (Torres Santomé, 1996), não é difícil que, inclusive por não lhes prestar uma aten- ção explícita, estejamos participando, colaborando, na perpetuação de comportamentos morais que de maneira consciente repudiamos (autoritarismo, acriticismo, egoísmo, individualismo, falta de solidariedade, fanatismo, dogmatismo etc.).
No entanto, toda uma grande cultura conservadora pretende reduzir essas questões ao silêncio, criando estratégias e recursos didáticos que incorporam esses valores previamente decididos pelos grupos de poder mais conservadores e, ao mesmo tempo, tratando de despistar o professorado instando-o a que se ocupe, por exemplo, de tarefas que o impedem de levar em consideração esse tipo de elementos, tal como vem sucedendo nos últimos anos. Ele é forçado a dedicar cada vez mais tempo a questões burocráticas; reclamam dele esboços de projetos curriculares de centro educacional e de sala de aula, mas sem estabelecer condições que facilitem esse trabalho; pretende-se convencê-lo de que o mais importante é seqüencializar conteúdos já definidos e, o que é mais curioso, já hierarquizados pelos materiais curriculares mais dominantes, os livros-texto; perseguem-no com questões de disciplina e estratégias para “acalmar os estudantes”; sugerem-lhe que faça mais e mais avaliações e controles; enviam-lhe abundante legislação com terminologias constantemente renovadas etc.
Para a reprodução das atuais ideologias individualistas e meritocráticas, é preciso que cada uma das pessoas que compartilham um determinado espaço territorial seja convencida de tais valores, para o qual os que detêm o poder se vêem na necessidade de gerar uma cultura que sirva para coesioná-las e facilitar um grau importante de estabilidade social. Daí a pretensão que caracteriza os grupos hegemônicos conservadores e liberais de estabelecer e controlar conteúdos culturais obrigatórios que sirvam para reforçar a ideologia dominante. A busca de um “cânone” cultural para oferecer como legítimo, sem possibilidades de submeter à discussão e crítica, converte-se em estratégia indispensável para a perpetuação das condições estruturais que reforçam seu poder e hegemonia.
Portanto, falar e intervir no mundo da educação implica inevitavelmente considerar dimensões de justiça social.
No momento de destinar recursos ao âmbito educativo (dinheiro, pessoal, edifícios, recursos didáticos etc.), a comunidade e aqueles que, em cada momento, têm responsabilidades políticas enfrentam-se em dilemas de partilha e distribuição, na criação de condições que influirão decisivamente para tornar realidade ou não o ideal democrático da igualdade de oportunidades.
É óbvio que uma sociedade que distribui mal seus recursos está favorecendo mais a determinados coletivos sociais do que a outros.
As análises que vêm sendo efetuadas num número muito importante de países não cessam de colocar em relevo que alguns grupos sociais recebem mais apoio do que outros. As denúncias de imperialismo e colonização, classismo, racismo e sexismo no âmbito educativo são contínuas. No Estado espanhol é urgente e obrigatório enfatizar concretamente a marginalização racista que um po- vo como o cigano está sofrendo e suportando. Esse é um tema que apenas começou a dar passos, com exceção de alguns coletivos docentes que têm um contato mais direto e cotidiano com pessoas dessa etnia. Na prática, o mundo oficial, da administração, continua sem prestar-lhe a devida atenção.
Dimensões da discriminação e do racismo na educação
Vivemos numa sociedade na qual, continuamente, um enorme volume de publicações e emissões dos meios de comunicação de massa nos bombardeiam tratando de nos informar e de nos fazer participar da realidade; entre suas finalidades está a de levar suas consumidoras e consumidores a interpretar de uma maneira “correta” tudo que acontece. É através da imprensa, do rádio e da televisão que nos inteiramos de catástrofes, de fatos e acontecimentos cotidianos, de façanhas, descobrimentos etc., mas sempre de uma maneira seletiva. Os meios de comunicação de massa “filtram as realidades” de acordo com os interesses dos que detêm sua propriedade e controle.
Nessa “realidade construída”, os atores e atrizes são desenhados seletivamente, de tal forma que as minorias e grupos sociais sem poder acabam sempre levando a pior parte. As tentativas de silenciar “o diferente” e minoritário, ou mesmo optar por convertê-lo em algo disparatado podem ser facilmente constatadas. Mas nos casos em que essas realidades não podem ser escondidas, a opção mais usual é reelaborá-las, “reinterpretá-las” para apresentá-los como culpáveis pelos seus próprios problemas e até daqueles que ocasionam a outros grupos sociais majoritários e/ou com maior poder. Tratar de demonstrar, primeiramente, que suas condutas são “inadequadas” e, depois, procurar explicar que são conseqüência de condicionamentos inatos (sobre os quais os seres humanos não têm possibilidade de controle), de aspirações inadequadas às suas capacidades naturais ou são fruto de uma vontade de continuar aferrando-se a alguma de suas tradições “defasadas” etc. Numa palavra, recorre se a estratégias de “naturalização” das situações de injustiça, o que na atualidade é favorecido pela hegemonia das ideologias do individualismo e que, obviamente, afeta também a maneira de realizar muitas das análises sobre o que acontece no sistema escolar.
Assim, quando se fala do fracasso e do êxito escolar, de problemas disciplinares nas salas de aula, do que o alunado sabe ou desconhece, a unidade de análise é a pessoa considerada individualmente, e o discurso utilizado tratará também de deixar cla- ras as responsabilidades pessoais, individuais. Um exemplo disso, encontramos no difundido livro de Allan Bloom, The closing of the american mind (1987), em que, a propósito do sistema político dos Estados Unidos da América, destaca que “classe social, raça, religião, origem nacional ou cultura desaparecem ou chegam a ser algo sem interesse quando são contemplados à luz dos direitos natu- rais, que outorgam aos seres humanos interesses comuns e os convertem realmente em irmãos” (p. 27). Frase que contém implicitamente uma aposta na meritocracia como filosofia de vida. De modo semelhante, podemos explicar a atualidade de nu- merosas investigações que pretendem medir as ca- pacidades mentais das pessoas, por exemplo, o quo- ciente intelectual, para responsabilizá-las de modo individual pelos seus feitos.
O êxito e as possibilidades de promoção são vistos como atos de competitividade entre pessoas que, mediante o esforço individual e suas capacidades naturais inatas, alcançam méritos com os quais concorrer e demandar acesso a privilégios sociais de maneira também individual.
Por outro lado, não convém cair em simplificações no momento de analisar e tratar de questões de racismo e de discriminação, já que nem todas as pessoas que compartilham alguma das marcas idiossincráticas de uma raça ou etnia sem poder sofrerão com a mesma intensidade as situações de opressão. Pode acontecer, até mesmo, que alguns dos membros de um grupo social marginalizado cheguem a ser muito respeitados e aceitos pelos grupos dominantes.
Não poderemos compreender bem os problemas raciais se não contemplarmos as dinâmicas de classe e gênero que interagem em seu interior. É óbvio, por exemplo, que ser uma mulher cigana dedicada a tarefas domésticas e familiares é difere te de ser uma mulher cigana que trabalha e triunfa no mundo do espetáculo, da televisão ou do cinema; ou ser um homem cigano dedicado a catar papelão de ser um ancião patriarca ou desempenhar outro trabalho artístico ou profissional de maior prestígio. Em nossas análises e estratégias de intervenção em relação a qualquer coletivo social, é preciso levar em consideração também essas variáveis. As pessoas constroem esquemas conceituais através dos quais sua experiência cobra sentido, analisam e valoram as situações nas quais se vêem envolvidas, em resumo, percebem a realidade. Por conseguinte, qualquer evento no qual se vejam envolvidas terá um significado específico dependendo da raça a que pertençam, da classe social, do gênero, da idade, do território em que vivem etc. Tudo isso obriga a que, nas propostas de trabalho para as salas de aula e centros de ensino, se preste atenção a tais dimensões no momento de ponderar o significado ou relevância das tarefas que se planejam e se executam.
Neste ponto, encontramos já duas implicações para o trabalho nas aulas:
1. Tudo o que se programe como tarefa escolar, como proposta de trabalho curricular, tem de tornar visível suas conexões com as experiências cotidianas e significativas para o coletivo estudantil ao qual é oferecido. É necessário que se permita que os problemas, preocupações, aspirações e interesses do alunado sejam acolhidos.
2. Toda proposta curricular tem de estar apoiada na cultura de procedência do alunado. E quando falamos de cultura de origem não é como conceito abstrato sem maior significado, mas sim estamos nos referindo aos “diferentes e dinâmicos estilos de vida de sociedades e grupos humanos e às redes de significados que as pessoas e grupos usam para construir seus significados e comunicar-se entre si” (Hall, 1992, p. 10).
Conteúdos culturais dos currículos e reconstrução de identidades sociais
O problema das escolas tradicionais, apesar da forte ênfase nos conteúdos culturais apresentados em pacotes disciplinares, em forma de matérias, é que não conseguem fazer que o alunado seja capaz de ver esses conteúdos como parte de seu próprio mundo. A física, a química, a história, a gramática, a educação física, a matemática são dificilmente visíveis; conseqüentemente, o que se trabalha nas salas de aulas, para a maioria de nossos estudantes, existe apenas como “estratégia” para enfastiá-los, para que possam passar de curso a curso, com a esperança de obter um título. A escola aparece como o reino da artificialidade, um espaço em que regem determinadas normas, fala-se de uma manei- ra peculiar e onde é necessário realizar determinadas rotinas, que servem somente para poder obter felicitações ou sanções por parte do professorado e mesmo de suas próprias famílias, mas a coisa só vai até aí. É muito difícil estabelecer laços de conexão entre os blocos de conteúdo dos quais se fala nas aulas, entre as tarefas escolares e a vida real, os problemas e realidades mais cotidianas.
Se há uma crítica comum e reiterada ao longo da história das instituições educativas é a de selecionar, organizar e trabalhar com conteúdos culturais pouco relevantes, de forma nada motivadora para o alunado e, portanto, perdendo o contato com a realidade em que se situam tais atividades docentes. As situações e problemas da vida diária, as preocupações pessoais, ficam fora das paredes das salas de aulas e dos centros de ensino em numerosas ocasiões.
Não é raro que o currículo tradicional acabe mostrando uma notável semelhança com alguns jogos de perguntas e respostas sobre assuntos triviais ou concursos de televisão de cunho nominalista. Competições nas quais, para obter êxito, basta ser capaz de recordar pequenos fragmentos de informação sem maior aprofundamento e, o que é mais grave, sem a devida compreensão dos conteúdos que são verbalizados. Apenas é preciso saber aparentar que se entende aquilo que se pronuncia, embora a realidade seja outra.
Educar equivale a socializar os alunos e alunas, torná-los participantes do legado cultural da sociedade da qual são membros e dos principais objetivos, problemas e peculiaridades do resto da humanidade. A compreensão e a reflexão a respeito do que se trabalha, é óbvio dizer, é imprescindível. Mas, do mesmo modo, é indispensável ter em conta que contribuir para uma compreensão crítica da realidade obriga a assumir que quase todas as matérias e temas tem dimensões controversas, questões sem resolver. Essas perspectivas conflitivas existem paralelamente às diferentes opiniões, valores, prioridades e interesses patentes e ocultos em toda a comunidade. Isso pode afetar questões como as seguintes:
> a seleção e/ou definição de um problema a ser resolvido;
> a análise de suas causas, prognóstico e conseqüências etc.;
> as ações, soluções e decisões que se propugnam;
> por quem, quando, como, onde serão tomadas essas decisões corretoras ou resolutivas etc.
Tentar preservar o alunado das dimensões controvertidas da realidade equivale a introduzi-lo num limbo, desligá-lo do mundo real.
Evidentemente, nessa tarefa, os recursos didáticos através dos quais se veiculam conteúdos culturais (livros-texto ou outro tipo de fontes de informação: monografias científicas, revistas especializadas, dicionários, documentários, vídeos, software etc.) desempenham um papel crucial. O valor e o rigor não será o mesmo para todos. Uma prova do que dissemos já encontramos no momento de procurar, nos livros-texto que circulam atualmente nas instituições escolares, a presença de coletivos inteiros, como o povo cigano, e o que se diz deles. Chama poderosamente a atenção a pobreza documental e, o que é pior, a distorção e a manipulação informativa que caracterizam muitas redações que aparecem em tais livros-texto, o recurso ainda dominante nos centros de ensino (Calvo Buezas, 1989; Torres Santomé, 1996a, 1996b).
De qualquer maneira, não gostaria de modo algum de dar a impressão de que assumo que os estudantes e docentes aceitam sem mais nem menos tudo o que aparece nos livros-texto, sem opor resistências, reinterpretar, revisar ou alterar a informação ali contida. Alunas e alunos manifestam resistências, umas intencionadas e outras não, diante de seu conteúdo. Assim, vemos que algumas vezes reinterpretam informação que lhes é apresentada tendo em conta outras informações prévias que possuem ou experimentaram, outras vezes as rejeitam de múltiplas formas, por exemplo, mantendo-se indiferentes.
Repensando a aprendizagem escolar
Em muitas ocasiões, está sendo esquecida a necessidade de reconsiderar a aprendizagem escolar levando em consideração de uma maneira expressa o efeito das transformações estruturais que fragmentam e desorganizam radicalmente a experiência humana (Nixon et al., 1996, p. 29). Ultimamente, a ênfase está sendo posta mais em aspectos economicistas e em considerações a partir de óticas das políticas de mercado, enquanto as preocupações morais e éticas são relegadas. Desse modo, já nem o próprio fracasso escolar é considerado uma falha dos mecanismos de justiça social que toda sociedade democrática tem obrigatoriamente que se impor.
Propor-se a estimular processos de ensino e aprendizagem, tal como é função das instituições docentes, obriga também a não deixar à margem as condições e filosofias subjacentes que caracterizam esses processos. É a partir das finalidades dos centros de ensino, dos objetivos sociais de que estão incumbidos, que se deve questionar o porquê dos conteúdos curriculares que são escolhidos ou promovidos, as formas adotadas para desenvolver os processos de aprendizagem e modelos organizativos coerentes com as dimensões anteriores.
Aprender é desenvolver processos de compreensão sobre a realidade que induzem à participação nela e se originam a partir das tarefas escolares com as quais alunas e alunos se comprometem dia a dia na sala de aula. Aprender é participar num clima de sala de aula que incita quem ali participa a entrar em situações de diálogo e cooperação, servindo-se dos recursos materiais adequados para chegar a maiores níveis de compreensão das situações sociais nas quais participa e convive. Em tal concepção de aprendizagem, é óbvio que não é apenas às peculiaridades psicológicas de cada pessoa a que se deve recorrer para obter informação a respeito da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. São também, em meu modo de ver, mais decisivos os valores éticos e morais, compartilhados de maneira reflexiva e explícita, que servem de guia para a criação e avaliação de ambientes educativos.
É imprescindível ter presentes as dimensões morais nas tomadas de decisão sobre os modelos organizativos de sala de aula e de centros educacionais, assim como nos momentos de decidir a respeito das características dos conteúdos e recursos didáticos a empregar, os papéis das figuras docentes e os comportamentos do alunado e, logicamente, das tarefas escolares e procedimentos de avaliação.
Partindo-se da aceitação da importância dessa dimensão filosófica e política no momento de pensar nas estratégias de ensino e aprendizagem, é indiscutível que o trabalho em equipe adquire um significado especial. Este deixa de ser contemplado como algo exclusivamente benéfico a título individual, não apenas pelas habilidades interpessoais e cognitivas que favorece, mas também pelas capacidades de socialização que ajuda a construir (ver Quadro I). São fomentados hábitos de respeito em relação às demais pessoas, de colaboração e de compromisso com ideais coletivos e democráticos que vão além de considerações e sucessos individuais. Colabora-se na conformação de hábitos sociais de participação e crítica, imprescindíveis numa sociedade democrática, justa e solidária.
É com propostas de trabalho planejadas de maneira democrática entre estudantes e docentes, desenvolvidas e avaliadas em equipe, que se contri- bui também para valorar as diferenças pessoais e a diversidade no seio de cada comunidade, assim co- mo entre sociedades e países. Elas devem, por con- seguinte, tornar possível o desenvolvimento de ati- tudes de respeito, tolerância e cooperação.
Conteúdos culturais nas salas de aula num mundo global e solidário
As situações de ensino e aprendizagem nas situações escolares devem facilitar a análise e a compreensão do modo de funcionamento das estruturas sociais que caracterizam e condicionam a vida dos cidadãos e cidadãs. Desse modo, serão assen- tadas as bases que os capacitarão a fazer frente e atuar em defesa de seus legítimos interesses.
Para essa meta, é importante prestar atenção aos conteúdos culturais que serão promovidos nas salas de aula. Esses conteúdos, em teoria, referem-se ao conhecimento, habilidades e aptidões que as pessoas usam para construir e interpretar a vida social. Atualmente, seria muito difícil afirmar que as tarefas escolares com as quais enfrentamos o alunado na sala de aula capacitem-no para refletir e analisar criticamente a sociedade da qual faz parte, preparem-no para intervir e participar dela de maneira mais democrática, responsável e solidária. Dificilmente se pode constatar que os atuais processos de ensino e aprendizagem que têm lugar nos centros escolares sirvam para motivar de cara o alunado a se envolver mais ativamente em processos de transformação social, influir conscientemente em processos tendentes a eliminar situações de opressão. Em muito poucas situações, as alunas e alunos são estimulados a examinar suas pressuposições, valores, a natureza do conhecimento com o qual se defrontam dia a dia nas salas de aula, a ideologia subjacente às distintas formas de construção e transmissão de conhecimento etc.
Uma educação humanística, científica e técnica para uma sociedade pluralista precisa estimular e favorecer uma maior atenção aos produtos culturais de cada sociedade, prestando atenção a suas condições e processos de construção e à forma como são percebidos e valorados, tanto dentro da própria comunidade quanto por outras sociedades. Isso obriga a levar em consideração os pontos de vista dos diferentes grupos culturais, etnias e classes sociais, assim como as variáveis de gênero e idade das pessoas. Dessa maneira, facilita-se que as propostas curriculares sejam coerentes com ideais sociais de justiça, respeito e democracia, assim como se força a reconsideração de algumas das características do que comumente se vem entendendo como qualidade do ensino.
O reconhecimento da diversidade cultural e de sua importância político-moral são pontos de apoio de qualquer luta em favor de uma maior democratização e da garantia de maiores cotas de igualdade social. Mas também é necessário o reconhecimento da realidade híbrida e mestiça da imensa maioria dos povos, nações e estados do mundo.
Prestar atenção, nas instituições escolares, a todas as culturas possíveis, passadas e atuais, a todos os países do planeta, coletivos sociais existentes, produções culturais e científicas, fatos relevantes, aspirações é sinceramente impossível. Portanto, também de uma perspectiva antidiscriminação e de justiça social, é preciso estabelecer alguns cri- térios de seleção dos conteúdos culturais que podem ser incorporados ao trabalho curricular nas salas de aula. Entre os numerosos critérios que podem ser determinados, um que é decisivo é o de prestar mais atenção às culturas e grupos desfavorecidos. Os mais favorecidos já dispõem de uma multiplicidade de canais informativos para se fazerem ver e notar. Num mundo global, convém não esquecer que as condições e a qualidade de vida de todos os povos são e serão num futuro iminente cada vez mais interdependentes. Em muitas ocasiões, as condições de vida de um povo dependem e repercutem sobre as dos demais.
Uma instituição como a escolar, que tem entre suas finalidades principais preparar as novas gerações, precisa obrigatoriamente construir hábitos nos meninos e meninas que lhes permitam levar em consideração outros povos e coletivos sociais nas análises da realidade que levem a cabo e nas tomadas de decisão nas quais se vejam implicados.
Detectar como as narrativas que foram sendo divulgadas e promovidas estavam escritas unicamente a partir das vozes e interesses de uma minoria, portanto, recorrendo a processos de silenciamento, manipulação e deformação, é uma tarefa em que as instituições escolares também têm uma importante missão.
Qualquer leitura atenta da maioria dos manuais escolares que circulam entre o alunado permite constatar processos de censura e deformação de importantes eventos históricos, culturais, científicos e tecnológicos; tanto nas informações referentes às condições de produção de tais fenômenos como em suas interpretações e valorações (Delfattore, 1992). Conseqüentemente, isso significa que no processo de socialização das novas gerações existem sinais de uma certa estafa intelectual e moral que, infelizmente, pode funcionar no futuro como estopim para comportamentos coletivos e individuais de cunho racista, sexista, imperialista, classista etc. É preciso, no entanto, não esquecer que essas peculiaridades de determinada cultura escolar nada mais são do que conseqüência da origem da educação institucionalizada, ou seja, algo consubstancial com uma instituição como a acadêmica, cuja finalidade, até o presente, não foi outra senão preparar as futuras elites, não facilitando, por conseguinte, o acesso e/ou a permanência dos filhos e filhas das classes e grupos sociais populares. Logicamente, essa filosofia continua vigente em muitas práticas na atualidade, o que podemos comprovar na facilidade com que se justifica o atraso escolar dos meninos e meninas do mundo rural e de grupos sociais desfavorecidos. Não deixa de ser curioso que um tema de tanta importância como o do fracasso escolar tenha passado a ser de interesse secundário, de acordo com a maioria das temáticas dos cursos, encontros e conferências dirigidos ao professorado.
Se um observador de fora tratasse de averiguar quais são as preocupações dominantes no sistema educativo espanhol, recorrendo às temáticas escolhidas para a atualização do professorado, poderia chegar à conclusão de que no Estado espanhol não existe fracasso escolar. Por outro lado, chamaria sua atenção o interesse por aprender a avaliar e qualificar com mais precisão, em como hierarquizar uma série de conteúdos disciplinares ao longo de um ciclo escolar, como elaborar Projetos Curriculares de Centro, etc. No entanto, a realidade do fracasso das instituições escolares em suas finalidades formativas é percebida com bastante unanimidade pelos cidadãos e cidadãs.
Convém não deixar à margem a análise das novas formas de desvantagem social, cultural e econômica, especialmente quando informes de instituições como a Caritas evidenciam que em nosso país está crescendo o número de pessoas em situação de pobreza, ou de organismos internacionais que apontam como as distâncias entre grupos sociais são incrementadas; as pessoas pobres o são cada vez mais, e núcleos importantes das classes médias perdem poder e possibilidades a cada dia. Do mesmo modo, é preocupante como a pobreza continua com um processo notável de feminização; são as mulheres que em maior porcentagem vivem em condições de necessidade e pobreza.
Uma importante ajuda na capacitação para compreender esse tipo de situação é a análise e revisão dos conteúdos culturais que são oferecidos como exemplificantes ao alunado.
Todas as disciplinas possuem aspectos em seus conteúdos que permitem prestar atenção às questões de justiça social e diversidade; tanto as chamadas ciências sociais e humanas como as físico-naturais. No fundo, as diferentes disciplinas ou ciências não são outra coisa que a formalização e sistematização dos conhecimentos, habilidades e valores que cada sociedade possui para sobreviver da maneira mais satisfatória possível, para fazer frente aos desafios de seu desenvolvimento e alcançar maiores níveis de eqüidade e justiça. As diferentes disciplinas, através dos tempos e em cada sociedade concreta, variam mais ou menos em função da comunicação que tais povos mantém entre si. Obviamente, em épocas históricas em que a comunicação era mais difícil, cada povo ia gerando formas mais idiossincráticas de resposta às necessidades que detectava. Mas toda sociedade sempre construiu e utilizou conhecimentos de física, química, economia, direito, tecnologia etc. para viver. À medida que os povos se comunicam, intercambiam esses conhecimentos e os conhecimentos adquiridos e reconstruídos vão se organizando para facilitar sua aprendizagem pelas novas gerações. Nessa dinâmica é que também vão surgindo as especialidades e os especialistas.
Se atualmente ainda existem comunidades com as quais as formas de comunicação não são suficientemente fluidas, nessa medida alguns conhecimentos, habilidades e tecnologias aparecem como mais idiossincráticos.
Trabalhar com essa concepção de fundo pressupõe planejar propostas curriculares integradas (Torres Santomé, 1996b), nas quais os estudantes e as estudantes se vejam obrigados a:
> Incorporar uma perspectiva global. Assumir a análise dos contextos socioculturais nos quais se desenvolve sua vida, assim como daqueles das questões e situações que submetam a estudo; atender às dimensões culturais, econômicas, políticas, religiosas, militares, eco- lógicas, de gênero, étnicas, territoriais etc. (ante uma educação mais tradicional em que a descontextualização é uma das peculiaridades da maior parte de tudo que se aprende.)
> Pôr a descoberto as questões de poder implicadas na construção da ciência e as possibilidades de participar de tal processo.
> Deixar patente a participação daqueles que constroem a ciência e o conhecimento; não silenciar quem são para demonstrar a historicidade e condicionantes de tal construção.
> Incorporar a perspectiva histórica, as controvérsias e variações que ocorreram até o momento sobre o fenômeno objeto de estudo; a que se deveram, a quem beneficiavam etc. Incidir, portanto, na provisoriedade do conhecimento.
> Integrar as experiências práticas em âmbitos cada vez mais gerais e integrados.
> Compreender todas as questões que são objeto de estudo e investigação levando em consideração dimensões de justiça e eqüidade. Converter o trabalho escolar em algo que permita pôr em prática e ajudar a compreensão das implicações de diferentes posições éticas e morais.
> Partir da valorização da experiência e do conhecimento do próprio alunado. Facilitar a confrontação de suas convicções e pontos de vistas pessoais com os de outras pessoas.
> Promover a discussão a respeito de diferentes alternativas para resolver problemas e conflitos, assim como dos efeitos colaterais de cada uma das opções.
> Proporcionar possibilidades de avaliação e reflexão das ações, valorações e conclusões que são suscitadas ou nas quais se vêem comprometidos.
> Aprender a comprometer-se com a acei- tação de responsabilidades e a tomada de decisões, a assumir riscos e a aprender com os erros que cometam.
> Potencializar a personalidade específica de cada estudante, seus estilos e características pessoais. Chegar a convencer-se do valor positivo da diversidade pessoal, algo imprescindível para chegar a assumir a de outros povos e culturas.
> Empregar estratégias de ensino e aprendizagem flexíveis e participativas. Aprender num âmbito organizativo flexível, participativo e democrático, no qual se preste especial atenção à integração de estudantes de diferentes grupos étnicos e níveis culturais, de destintas capacidades e níveis de desenvolvimento, no qual as tarefas escolares sejam levadas a cabo em grupos cooperativos de trabalho.
No fundo, trata-se de educar as cidadãs e os cidadãos com um “ceticismo informado” ou, o que é a mesma coisa, com capacidades para o pensamento crítico, como uma das estratégias perante uma sociedade e um mundo no qual os fundamentalismos, o pensamento dogmático, tendem a inundá-lo e a se colocar como único parâmetro a perpetuar.
Pôr em ação essas estratégias nos ajudará na conformação de cinco hábitos mentais que iremos construindo com o trabalho curricular nas salas de aula. Hábitos que ajudarão a obter uma capacitação mais adequada para participar de um mundo em que a diversidade é uma de suas marcas mais peculiares. Procuraremos fazer que as alunas e os alu- nos prestem atenção e se preocupem com:
1. Evidências. Como conhecemos o que conhecemos? Que tipo de evidências consideramos suficientemente boas, válidas?
2. Pontos de vista. Que perspectivas, critérios escutamos, vemos e lemos? Quem são seus autores ou autoras, onde as elaboraram, quais eram suas intenções ou finalidades?
3. Conexões. Como estão relacionadas umas questões com outras? Como se encaixam entre si?
4. Conjecturas. O que acontece se…? Supondo que… Podemos imaginar alternativas?
5. Relevância. Que controvérsias se estabelecem? A quem se presta atenção? (Wood, 1992, p. 172).
Tal clima de aula estará, em meu modo de ver, contribuindo para que o alunado desenvolva uma consciência crítica que lhe permita analisar, valorar e participar de tudo o que acontece e tem a ver com seu entorno sociocultural e político.
Manipulações populistas das filosofias progressistas
Algo que vem adquirindo grande peso em nossa sociedade é o discurso populista. Nele se recorre ao emprego de um vocabulário que faz referência a conceitos muito interessantes e valiosos, mas que são descarregados de significado, desvirtuados, para aparentemente dar a sensação de que se enfrenta uma série de problemas sociais urgentes; mas é só isso, aparência. Temos um exemplo disso nos discursos populistas contra o racismo, a pobreza, o desemprego etc. Neles são nomeadas realidades e direitos como os do povo cigano, da mulheres, da população negra, dos homossexuais e lésbicas etc., mas evitando considerar por que temos de nomeálas, a razão pela qual se presta atenção a dimensões idiossincráticas de etnia, raça, gênero, sexualidade etc. Ocultam-se relações de poder existentes nas sociedades em que convivem esses coletivos que so- frem alguma forma de marginalização, as categorias de classificação, sua valoração e os motivos pelos quais foram sendo construídas essas situações de marginalidade nessa determinada comunidade a que nos referimos.
Evidentemente, essa estratégia de confusão chegou também ao mundo da educação. As administrações educativas, concretamente através das leis que elaboram e dos decretos e normas que as desenvolvem, vêm manejando conceitos que foram construídos por forças sociais progressistas, formulados e reformulados mais de uma vez à medida que eram melhoradas as análises sobre a realidade, mas que agora se esvaziam de seu conteúdo social e, portanto, se despolitizam ou “repolitizam” em sentido inverso, conservador. Conceitos como globalização, interdisciplinariedade, currículo integrado e outros tão vinculados a estes, como socialização, igualdade de oportunidades, democracia escolar, participação e similares, passam a funcionar como vocábulos vazios ou muletas de expressão, sem dar conta de sua carga de significado e das conseqüências de seu uso. Outros, como atenção à diversidade, sofrem um forte reducionismo, deixando-os circunscritos a aspectos de índole exclusivamente pessoal, a dimensões de conduta ou a problemas psicológicos que têm a ver apenas com alguns indivíduos concretos. O mesmo cabe dizer de termos pedagógicos como profissionalização, projeto curricular etc., conceitos para fazer figura, mas não para ser conseqüente com eles e criar as condições administrativas, de trabalho e de formação que possam tornálos realidade na prática cotidiana das salas de aulas e dos centros escolares.
Surgem, inclusive, novas figuras e estruturas profissionais (psicopedagogos e psicopedagogas, orientadores e orientadoras, equipes psicopedagógicas de apoio, de atenção antecipada, de estimulação precoce etc.), mas com uma formação e orientação bastante enviesada: para atender unicamente a aspectos de patologia individual, e não a problemas que afetam coletivos sociais e que requerem prestar atenção a dimensões que condicionam sua vida e, por conseguinte, o aprendizado de cada aluno ou aluna.
O construtivismo como estribilho
Os que promovem as novas ideologias conservadoras não hesitam em tratar de esvaziar e “reorientar” todos aqueles conceitos e filosofias que no momento histórico presente tenham ganhado presença e prestígio. Uma boa mostra disso é seu apoio e promoção dos atuais discursos em defesa do construtivismo, filosofia psicoeducativa que, em suas divulgações pelas instâncias e personalidades vinculadas ao poder, vem se mostrando demasiadamente parcial.
Esse modelo teórico elabora seus argumentos com demasiada ênfase em dimensões individualistas ou excessivamente “universalistas”, abstraindo-se das peculiaridades de cada comunidade e do momento sócio-histórico que está vivendo. Nesses discursos psicológicos, o ser humano aparece confinado à margem de aspectos essenciais, como suas dimensões socioculturais e histórico-geográficas. Ne-les não se trata de pôr em relevo como essas variáveis jogam um papel decisivo na aquisição do conhecimento, do sistema de valores e desenvolvimento de habilidades, tanto em sua seleção como em sua valoração, interpretação e aceitação.
Dificilmente poderíamos nos opor à atual corrente epistemológica que promove que “o conhecimento se constrói”. Mas não deixa de ser chamativo que em muitos momentos esse discurso venha a se esgotar em frases tão simples como uma muleta de expressão ou um cacoete, deixando o aprofundamento de tal filosofia para o leitor ou ouvinte. No Estado espanhol, costuma ser freqüente, especialmente do ponto de vista da psicologia, que a defesa das teses construtivistas entre o coletivo docente acabe se resumindo em alguns slogans com os quais todo o mundo concorda e assume, dada a simplicidade de sua formulação. Ao final, fica apenas a idéia um tanto abstrata de que tudo é questão de “construção”, essa sim revestida com frases e conceitos que gozam de certo prestígio. Sem dúvida, nos momentos da ação prática, muitos professores e professoras sentir-se-ão incapazes de transpor essa filosofia para situações reais nas salas de aula. Todavia, uma análise mais minuciosa e crítica mostrará, com relativa prontidão, que o construtivismo não é algo do qual possamos falar no singular e com o qual concordem todas as pessoas que assim se etiquetam. Existe conflito entre as concepções e explicações subjacentes a tal perspectiva ou âmbito explicativo, como detecta César Coll (1993, p. 239) quando afirma que “por trás do termo ‘construtivismo’ escondem-se interpretações e explicações diversas e nem sempre coincidentes”.
Além disso, não deixa de ser curioso que, depois de muitos anos em que as análises sociológicas estiveram e continuam gozando de importante aceitação no campo do ensino, de repente, muitos dos discursos psicológicos pretendam silenciar essas dimensões e características que foram sendo enfatizadas. As pessoas constroem conhecimentos, mas quais? Quando? Onde? Em que condições? Com que finalidades? A serviço de quem? Promovidos por quem? É em torno de questões semelhantes a essas que o silêncio de muitos construtivistas chama a atenção.
Não costuma ser freqüente que, nos discursos sobre construtivismo, apareçam reflexões a respeito de quem orienta e promove o processo construtivista e em que direção. Portanto, existe o perigo de assumir tacitamente um certo “naturalismo”: que todas as meninas e meninos deixados à sorte constroem de uma maneira adequada.
Nos últimos anos, é visível a impregnação das concepções individualistas em muitos momentos do discurso construtivista psicológico, assim como nas orientações práticas que derivam desse modelo. Um exemplo disso temos no Brasil, no texto que o Ministério da Educação e Cultura divulga sobre “O ensino fundamental: Parâmetros Curriculares Nacionais”. Documento muito impregnado de construtivismo e no qual, no momento de derivar propostas práticas para as aulas, como no que diz respeito às formas de agrupamento do alunado, podemos ler o seguinte:
Devem estar atentos às diferentes formas de agrupamento possíveis segundo uma variedade de aspectos, por exemplo: desempenho diferenciado, desempenho próximo, gênero, afinidades para o trabalho, afinidades afetivas, possibilidade de ajuda, possibilidade de cooperação, ritmo de trabalho etc.
Não existe “o melhor” critério de organização de grupos para uma atividade, é necessário que o professor decida em cada tipo de atividade, em cada momento do processo de ensino e aprendizagem, para aqueles alunos específicos, qual é a melhor forma de organização social.[…]
Os agrupamentos são medidas eficazes para facilitar a individualização do ensino, pois podem ser consideradas as necessidades de cada aluno e garantidas situações adequadas para o desenvolvimento de certas aprendizagens.[…]
É possível pensar em grupos que não sejam estruturados por série e sim por objetivos a serem alcançados, onde a diferenciação entre séries se dê pela exigência adequada ao desempenho de cada um (p. 24).
Em explicações e propostas como as anteriores, penso que se pode constatar o predomínio de uma concepção exclusivamente individualista da aprendizagem. Cada aluno e aluna constrói seu próprio conhecimento, exclusivamente pessoal. Os outros companheiros e companheiras são considerados instrumento ou recurso para favorecer essas aprendizagens em cada pessoa. Não existe uma só linha de argumentação, num tema tão decisivo como o dos agrupamentos do alunado, que finque pé na necessidade de desenvolver a solidariedade entre os que compartilham uma sala de aula ou centro escolar, na exigência de trabalhar em grupo para aprender a colaborar, conhecer as demais pessoas que nos rodeiam, banir pré-julgamentos ou estereótipos sobre aqueles que pertencem a coletivos sociais marginalizados ou a etnias sem poder.
Quando se realiza a enumeração das modalidades de agrupamento de estudantes, isso é feito como se todas tivessem o mesmo valor, como se se tratasse de uma tomada de decisão meramente técnica, para favorecer o potencial inato de cada menino ou menina, para construir um conhecimento pessoal e que, podemos deduzir, terá conseqüências individuais. Esquece-se de mencionar as lutas que o coletivo docente, juntamente com outros coletivos sociais, levou e leva a cabo para contribuir para banir o sexismo promovendo agrupamentos mistos, de meninos e meninas; para favorecer a integração das pessoas com discapacidades, conformando grupos de estudantes de diferentes níveis de capacidades e conhecimentos; para colaborar na luta contra o racismo, sobre a base de agrupar alunas e alunos de diferentes etnias num mesmo grupo; para educar pessoas mais solidárias, fomentando o trabalho em equipe no qual cada estudante se sinta útil aos demais membros etc.
O professorado é muito mais do que promotor de conflitos sociocognitivos e, por conseguinte, precisa deter-se em pensar questões que ultrapassam os aspectos puramente psicológicos, tais como dimensões de valor, justiça, democracia, solidariedade que acompanham a produção e utilização do conhecimento e a tecnologia.
Um “sentido comum”, cuja construção esteve controlada pelos círculos de poder, pelos discursos promovidos por todo um conjunto de intelectuais oficialistas que gozam de todo o tipo de facilidades para aceder aos meios de comunicação e dirigir a produção do conhecimento e tecnologia, pode, deixado a seu livre arbítrio, funcionar em direções reproducionistas. A realidade não costuma adornar-se com etiquetas explicativas, pelo contrário, é imprescindível esforçar-se para revelar seu significado mais autêntico. Convém estar atento para que o discurso “construtivista” não acabe convertido em etiqueta que dissimule posições “reproducionistas”, mas com roupagens e máscaras que dificultem captar sua manipulação a serviço dos mesmos interesses dos de sempre.
É preciso não esquecer que em cada época, como se evidencia a partir da filosofia da ciência (Kuhn, 1980; Toulmin, 1977; Lakatos, 1982) e ultimamente no que se vem conceituando como pós- modernidade (Foucault, 1990; Feyerabend, 1984; Harding, 1993), toda uma série de condições, influências, pressões e normas vão tratar de avaliar a validade dos conhecimentos, assim como favorecer e obstaculizar a aparição, divulgação e utilização de determinados saberes e tecnologias.
Na ciência, a verdade está em disputa com muitíssima freqüência, assim como seus fundamentos metodológicos. Por conseguinte, podemos afirmar que são distintas condições sociais, econômicas, políticas, culturais, militares e religiosas, assim como os conflitos de interesse entre os desafios que vão se colocando para os distintos grupos sociais, etnias, gêneros que entram em jogo na construção de conceitos, categorias, procedimentos, metodologias, valores e, portanto, nas soluções que as ciências e os diferentes saberes vão poder enfrentar.
É imprescindível dar-se conta de que a consciência das pessoas historiadoras, cientistas, artistas, políticas, literatas está sempre condicionada pelo ambiente em que vivem, pelas práticas nas quais se vêem envolvidas, pelas normas que possibilitam o acesso a postos de trabalho e as condições de sua realização, pelos sistemas de valores, modos de perceber, saberes e racionalidades em que se apóiam.
Convém ter certa atitude de dúvida diante de teorias que aparecem com demasiada arrogância, escudando-se num excesso de frases feitas e slogans que funcionam para despolitizar realidades sociais conflitivas e acabam por se transformar em escudos protetores ante análises e propostas mais libertadoras, minuciosas e críticas.
Com muita freqüência, esquece-se que, também mediante processos discursivos e retóricos, contribui-se para dar forma ao pensamento hegemônico, à criação de um “sentido comum” que coopera para apresentar e pensar como normal, lógico, natural e único o que não passa de um modelo concreto de atuar, governar, pensar etc., entre outros possíveis. Isso já foi evidenciado por Michel Foucault (1990b, p. 198) quando, ao se referir às “práticas discursivas” deixa claro que estão sujeitas a “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, numa dada época e para uma dada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa”; ou seja, condicionam e limitam os temas a respeito dos quais se pode falar, analisar, classificar, explicar, nomear; promovem um leque limitado de significados.
É também mediante práticas discursivas que conceitos que até um determinado momento têm um determinado significado, uma vez que são frutos de outros discursos que lhes conferiam esse significado, ao intercalar-se em outras práticas diferentes, podem chegar a alterar por completo seu significado ou ficar reduzidos a meros slogans ou frases-fórmula. Em tais slogans “sua simplicidade proporciona uma embalagem de idéias com traçado verdadeiramente claro e sólido. Eles comunicam paradigmas, idéias modelo que podem ser aplicadas a novas ‘instâncias’, mas distanciando-se de seus referentes originais” (Fowler, 1991, p. 177-179).
Não podemos esquecer que a instituição escolar, através de suas práticas e ênfases, é coadjuvante na construção das maneiras de pensar, atuar, perceber e falar a respeito da realidade, do mundo de cada estudante e, por isso mesmo, de cada cidadã e cidadão. Na aprendizagem de matérias como história, matemática, física, geografia, literatura, idiomas etc., “constroem-se” possibilidades de perceber, interpretar e valorar a realidade; fomentam-se atitudes perante o mundo que nos rodeia e do qual temos alguma noção; influi-se na conformação de sentimentos e expectativas perante as pessoas com as quais convivemos e compartilhamos este planeta.
O forte peso do conservadorismo atual contribui para que as questões morais, políticas e socio-econômicas sejam aspectos que tendem a desaparecer do vocabulário e, portanto, da práxis curricular. Ainda se pode constatar o medo de reconhecer e assumir que educar é uma ação política, não um trabalho meramente técnico. Os discursos profissionalizadores, curiosamente, estão sendo utilizados como disfarce para despolitizar e desfigurar grande parte do trabalho sociocultural e educativo. Trata-se de discursos nos quais se faz notar que a única coisa importante são as preocupações por eficiência, controle, gestão, objetividade e “neutralidade”, o que é coerente com os discursos hegemônicos, oficiais, sobre o fim das ideologias.
É preciso recuperar a capacidade de contextualizar e historizar nossos discursos e práticas. Urge voltar a retomar algo que já parece um slogan vazio: conectar a instituição escolar com o meio. Do contrário, corremos o risco de construir um currículo fundamentalista, uma proposta de trabalho na qual se dá uma seleção fechada de conteúdos culturais a serem trabalhados nas classes, possibilita-se o acesso a uma única interpretação desses conteúdos culturais, uma só valoração e uma única resposta verdadeira.
Se as opções conservadoras continuam ganhando cotas de poder, há um risco importante de que os currículos fundamentalistas venham a se ver ainda mais favorecidos. Currículos cujas diferenças estarão no viés que desejam “vigiar” com maior atenção; é previsível que apareçam projetos curriculares obcecados por determinadas opções religiosas, econômicas (para promover um determinado modelo produtivo e de relações de trabalho de interesse para os grupos empresariais no poder), políticas, racistas, sexistas etc. Estamos cada vez mais diante de instituições de ensino que apenas vendem o “conhecimento oficial” (Apple, 1993). O que parece imperar é uma cultura da “objetividade”, entendida como uniformismo, como ataque à diversidade, com a finalidade de favorecer a articulação de sociedades “mono”: monoculturais, monolingüísticas, monoétnicas, monoideológicas etc. Pretende-se negar a diversidade para impor uma única cultura que se anuncia e se faz pública como “comum”, “consensual”, “valiosa” e “histórica (a de sempre)”.
Os coletivos de intelectuais, pesquisadoras e pesquisadores, artistas e docentes têm uma importante tarefa a desempenhar, ajudando a construir, a voltar a interpretar a história das sociedades levando em consideração as percepções e interesses daqueles que ficaram à margem e sofreram a história.
Apostar na democracia obriga a que conceitos como “justiça social”, “responsabilidade ética”, “participação”, “igualdade” não se transformem em fórmulas vazias, mas em modos de vida. Assim, a pedagogia tem uma função dual: ajudar a proporcionar os meios através dos quais os coletivos sociais oprimidos chegam a tomar consciência de sua opressão e servir como instrumento mediante o qual es- sas mulheres e homens lutem para encontrar métodos de transformação da realidade (Trend, 1995, p. 148).
É imprescindível estar atento a todo momento para que esse trabalho de ação social em prol de maiores cotas de democracia e justiça social se mantenha vinculado aos demais movimentos sociais que estão comprometidos nessa mesma direção de redistribuição de poder e dos recursos existentes na comunidade; movimentos que procuram em todos os momentos tornar viável uma autêntica e informada participação de todas as cidadãs e cidadãos nas tomadas de decisão que servem para configurar e determinar a sociedade. Isso está ficando cada vez mais difícil, dado o forte individualismo que impera nas sociedades pós-modernas e da informação que, por sua vez, facilita a reaparição de um notável culto às lideranças carismáticas. Uma prova disso, e na verdade preocupante, é a apatia para com o debate que surge no próprio seio de estruturas como partidos políticos e sindicatos e que tem como resultado o afloramento de apostas por uma espécie de “cesarismo”. Diante de um importante grau de atrofia dos mecanismos de participação e regulação democrática da vida no interior de muitos partidos políticos ou mesmo de governos, a figura do dirigente capaz de tomar as rédeas e o controle adquire um peso desmedido.
A constante denúncia de apatia com a qual se etiqueta a imensa maioria da população das sociedades pós-industriais, fruto das experiências pseudodemocráticas nas quais se encontram implicadas, corre o risco de servir de situação embrionária de novos fascismos ou autocracias mais invisíveis; nestas a democracia fica minimizada numas tantas formas e ritos externos, mas sem conteúdo. Os espaços de participação e controle democráticos estão tramados por figuras representativas do mundo econômico, militar e líderes do governo. Um panorama semelhante é também percebido por Paulo Flores D’Arcais (1996) quando escreve:
Estes são os dois modelos que aparecem no moderno obscurecer-se da promessa democrática: a partitocracia de partidos-máquina, cada vez mais parecidos entre si, acompanhados de seus respectivos engenheiros do consenso e o gigantismo de aparatos burocráticos e auto-referenciais. E o populismo taumatúrgico, com seus improváveis eleitos pelo senhor, seus insolentes vendedores de felicidade e o néscio estrondo do aplauso forçado. Os dois modelos não apenas não se excluem, como antes parecem celebrar em desconexa mestiçagem as bacanais pós-modernas em versão caótica. E assim em todo o mundo (p. 59-60).
Diante de uma perspectiva tão ameaçadora, torna-se prioritário recuperar para o maior número possível de cidadãos e cidadãs e, evidentemente, para o trabalho docente os papéis de ativistas contra-hegemônicos com fé no futuro; com suficientes doses de utopia entremeadas de realismo para configurar um futuro mais justo, democrático, numa palavra: humano.
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JURJO TORRES SANTOMÉ é Catedrático de Didática e Organização Escolar na Universidade da Coruña, Espanha. Trabalha com temas relativos a Sociologia da Educação, Política Curricular e Currículo Integrado. Entre suas obras se destacam: Globalización e interdisciplinariedad: el curriculum integrado, Madrid, Morata, 1996, 2a ed.; El curriculum oculto, Madrid, Morata, 1991.
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