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10 mayo
2015
escrito por jurjo

A imperiosa necessidade de uma teoria e prática pedagógica radical crítica: 

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Diálogo com Jurjo Torres Santomé

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João M. Paraskeva. Universidade do Minho, Braga, Portugal

Luís Armando Gandin. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

Álvaro Moreira Hypolito. Universidade Federal de Pelotas, UFPel

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.Currículo-sem-Fronteiras-

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Curriculo sem Fronteiras

Vol. 4, nº 2, pp. 5 – 32, Jul.- Dez. 2004

 

Resumo

Entrevista com o professor Jurjo Torres Santomé, na qual ele discute o tema da educação, globalização e currículo, centrando sua análise na crítica ao pensamento conservador e neoliberal hegemônico no processo de reestruturação educacional em curso. Vários aspectos da realidade educacional espanhola e mundial são analisados, o que permite uma visão clara da sua compreensão acerca das principais temáticas do campo do currículo, envolvendo ensino, métodos, políticas educacionais, reformas educativas, globalização e neoliberalismo.

Abstract

Interview with Professor Jurjo Torres Santomé, in which he discusses issues related to education and curriculum and its relation to globalization. Santomé focuses his analysis on the critics of hegemonic, neo-conservative and neo-liberal educational restructuring. Several aspects of the educational context in Spain and throughout the world are analyzed, bringing a better understanding of curriculum, and themes such as teaching, methodology, educational policies, educational restructuring, globalization, and neoliberalism.

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Currículo sem FronteirasVocê esteve profundamente ligado ao PSOE [Partido Socialista Operário Espanhol] e profundamente envolvido – na concepção e implementação – na reforma educativa na Espanha. Posteriormente, você se retirou e anunciou o rumo que a reforma viria a assumir. Quais as razões que o levaram a afastar-se de um projeto político importante, no qual esteve profundamente envolvido?

Jurjo Torres Santomé – Eu fui assessor do Ministério da Educação e Ciência nos dois primeiros governos do PSOE, apesar de nunca ter sido militante desse partido. Eu sempre me mantive mais à esquerda. Durante os anos em que estudei na Universidade de Salamanca, fui ativista num grupo nacionalista de ideologia comunista, na UPG (Unión do Povo Galego), que atualmente integra o BNG (Bloque Nacionalista Gallego), coligação que reúne diversos partidos e movimentos sociais nacionalistas da Galícia. A Galícia é uma das províncias que fazem parte da Espanha (juntamente com o País Basco e a Catalunha) e que reivindica maiores cotas de auto-governo no Estado Espanhol. Apesar de não ser atualmente militante de forma organizada, todos os que me conhecem sabem que simpatizo e apoio o BNG. No entanto, quando o PSOE foi eleito em 1982 para governar a Espanha, toda a esquerda concordou em apoiar a primeira experiência progressista no país depois da longa e cruel ditadura do General Francisco Franco Bahamonde. A minha colaboração enquadra-se na aposta da esquerda para democratizar um Estado que uns meses antes tinha sofrido um golpe de estado levado a cabo por um importante grupo de militares, mas que apenas durou algumas horas. Este golpe militar falhado viria a provar que a democracia era algo ainda muito débil. É nesta base que se enquadra o meu apoio ao Governo Socialista. O Ministério reuniu um conjunto de pessoas nas quais confiou a criação de uma lei nova para todo o sistema educativo. Pretendia-se a substituição da Lei Geral da Educação, que tinha sido promulgada em 1970 durante o Governo ditatorial do General Franco. O meu trabalho foi muito intenso, dado que colaboro no sentido de pôr em marcha diversos programas e iniciativas para ajudar os professores na defesa de uma educação pública com mais qualidade. Além disso, junto com outros colegas, entre eles, José Gimeno Sacristán, Angel Pérez Gómez, Alvaro Marchesi, César Coll, Jesús Palacios, fomos incumbidos de decidir como deveria ser a educação neste país, construir uma nova Lei. Durante duas legislaturas fomos criando o projeto de uma nova lei, a LOGSE (Lei Orgânica Geral do Sistema Educativo) que viria a ser aprovada em 1990. Eu colaborei ativamente com o Ministério da Educação desde 1989, altura em que o Projeto da Lei começou a ser debatido no Parlamento Espanhol. Nesses últimos quatro anos as minhas divergências aumentaram, pois havia programas que se iam atrasando sem justificações convincentes: programas dedicados a promover bibliotecas escolares e salas de aula, propostas para incentivar o uso de mais variedade de recursos didáticos nas escolas, relegando os livros escolares para um lugar mais secundário. Propus que os documentários que a Televisão Espanhola produzia e que por essa razão eram financiados com dinheiro público se distribuíssem em todas as escolas. Não entendo como é que qualquer pessoa pode ter acesso através da televisão a documentários sobre os rios da Espanha, os montes, a vegetação, obras de teatro representadas pelas melhores companhias de teatro, concertos de música, etc., financiados com dinheiro público e, por outro lado, nas escolas os mesmos temas são reduzidos nos livros escolares a quatro ou cinco linhas incompreensíveis. Pareceu-me que esta idéia era boa e com custos reduzidos, bastava gravar em fitas de vídeo, uma vez que os restantes custos de produção já tinham sido bancados pelo Estado. Também propus que se incentivasse a criação de bibliotecas temáticas de divulgação. Tratava-se de oferecer apoio econômico às editoras para publicar livros de divulgação científica de forma a que os alunos fossem entrando em contato com livros bem concebidos, bem escritos e documentados, elaborados por autênticos especialistas.El Lissitzky

Logicamente este tipo de medida não era bem vista pelas principais editoras de livros. As pressões foram muito fortes e este tipo de proposta nunca foi avante, foi sendo adiada muitas vezes. Assim, nem sequer nos deixaram participar no modelo de programa. Curiosamente, José Gimeno, Angel Perez e eu (os três únicos pedagogos da equipe) fomos excluídos desse debate e os psicólogos do grupo optaram por recorrer a uma proposta muito mais tecnocrática, praticamente tyleriana, e inundaram o ambiente educativo com uma linguagem claramente psicóloga. Quando decidi abandonar o Ministério publiquei um artigo cujo título expressava claramente as minhas idéias sobre esses acontecimentos: “La Reforma educativa y la psicologización de los problemas sociales” (En VV. AA.: Sociedad, Cultura y Educación. Edit. Centro de Investigación y Documentación Educativa, Ministerio de Educación y Ciencia y Universidad Complutense de Madrid. Madrid, 1991, págs. 481- 503). Era como se a psicologia e mais concretamente o construtivismo, fosse a pedra filosofal que iria resolver todos os problemas do sistema educativo. Curiosamente deu-se um novo fenômeno: o Ministério deixou de fazer política educativa para se tornar numa espécie de Faculdade Universitária dedicada a incentivar e legitimar oficialmente o construtivismo psicológico. No entanto, o verdadeiro motivo que me levou a deixar de colaborar com o PSOE foi o fato de terem cometido um erro para o qual vínhamos a chamar à atenção durante anos: não houve nenhum compromisso oficial no sentido de financiar a nova Lei. Aprovar no Parlamento ou no Senado uma Lei sem um programa de financiamento concreto era como aprovar uma cortina de fumaça. Era claro que não havia dinheiro para a Educação e o pouco era gasto para os professores freqüentarem cursos acerca do construtivismo em psicologia. Mas, como me diziam alguns professores: o que fazer depois nas aulas com o construtivismo? Nem sequer se aproveitou para tentar alterar a formação base dos professores.

A LOGSE é uma lei que manteve a formação dos professores tal como estava. No fundo parecia que o Ministério pensava que bastava legislar para mudar a vida nas escolas. Em resumo, penso que a Espanha desperdiçou um momento decisivo em que todos estavam dispostos a colaborar e a ajudar. Nunca a esquerda esteve tão unida. A partir dessa altura, o ambiente foi piorando e o Partido Popular, à direita, chegou ao poder e lá continua.

Currículo sem Fronteiras Ao nível da União Européia, a realidade tem demonstrado nos últimos anos, que as gestões socialistas e sociais democratas têm-se confundido, sobretudo nas áreas judicial, da saúde e da educação. Tomando como exemplo o caso da Espanha e no que diz respeito às políticas educativas e curriculares, que paralelismos poderia estabelecer entre o período de governo socialista e o período atual liderado pelo Partido Popular?

Jurjo Torres Santomé – Sou dos que pensa que na Europa ainda há diferenças entre social democratas e socialistas e os conservadores e neoliberais dos partidos de direita. No entanto, os primeiros confiam no Estado e lutam por consolidar o Estado do Bem Estar. Ainda existe uma forte idéia de Estado como garantia de serviços tais como saúde, educação, seguridade social, aposentadoria, habitação, serviços sociais para a terceira idade, etc. Isto é mais visível nos países nórdicos. No sul, onde este estado de Bem Estar foi sempre fraco, como, por exemplo, em Portugal e na Espanha (entre outras razões, devido aos grandes períodos de ditaduras militares a que ambos estiveram sujeitos), as políticas para abandonar o passado e passar a reger-se por completo pelo mercado são mais claras nos partidos de direita. Contudo, nas últimas décadas tem de se reconhecer que os partidos socialistas e social-democratas têm adotado cada vez mais políticas neoliberais. O caso mais visível é o do Reino Unido em que a Terceira Via dos trabalhistas de Tony Blair quase se transformou num estratagema lingü.stico para encobrir as políticas econômicas neoliberais. Uma coisa preocupante é a obsessão que tem, por exemplo, na Espanha, o PSOE para atrair os votos da direita. Isto leva ao abandono de tudo o que eram os seus símbolos identificadores, cedendo na luta pelos grandes ideais para atrair uma direita capitalista que o levará a tomar atitudes pouco claras, levando a que população vote à direita, pois é a única leitura clara e sem ambigüidades que consegue fazer. Vivemos num mundo onde a direita controla os meios de produção e em especial, os meios de comunicação, algo em que até há pouco tempo a esquerda era mais poderosa.

Não há muitos anos a esquerda tinha mais facilidade de divulgar as suas mensagens, de promover debates intelectuais importantes com idéias e propostas de ação. Atualmente, um dos grandes problemas da esquerda é o acesso à televisão, ao rádio e à imprensa. A direita aprendeu a controlar habilmente estes meios e existem muitas pessoas que acreditam que não existem nem discursos nem modelos alternativos. Obviamente estão fortemente censurados. Os social-democratas parecem entrar nesse jogo. A direita deixa-lhes pouco espaço para aparecerem nos grandes meios de comunicação social, no entanto exige contrapartidas: exige-lhes que baixem o valor das suas propostas. Assim, por exemplo, na Espanha o PSOE tem apenas um jornal ao seu serviço, o “El País” (de grande tiragem e muito êxito); no entanto este jornal não aceita um pensamento mais à esquerda. Assim, qualquer analista de imprensa estrangeiro poderia constatar que na Espanha não existe Esquerda Unida (uma coligação em que está integrado, entre outros, o Partido Comunista) ou o Bloco Nacionalista Galego, apesar de serem coligações com representação no Parlamento e no Senado. Esta censura vai aumentado se, para além de se ser de esquerda, for “nacionalista de esquerda”. Aqui a manipulação passa a ser escandalosa, pois o discurso oficial tanto da direita espanhola como do Partido Socialista é tão manipulador que apresentam os nacionalistas de esquerda como se tratassem de nazistas (o Partido Popular, que na realidade é ultranacionalista, ou seja, tem um discurso fortemente nacionalista e conservador só que com outras fronteiras, as do Estado Espanhol. Analise-se a política de imigração que é defendida pelos partidos que dizem que não são nacionalistas e veja-se como é que se explica a notícia sobre o direito de admissão de trabalhadores de outros países). Nada mais longe da realidade. Eu considero-me nacionalista de esquerda e toda a minha vida tenho lutado contra as idéias e práticas da direita e contra algumas da esquerda espanhola; não me sinto de forma alguma representado pela imagem oficial que se tem da cidadania do que é o nacionalismo e em concreto do nacionalismo de esquerda.

Currículo Sem FronteirasNo artigo “Democracia, Instituições Escolares. Diversidade e Justiça Social” você defende a educação como uma dimensão da política cultural de uma determinada sociedade, não só destacando que as questões curriculares devem ser consideradas no âmbito mais amplo da política cultural, como também denunciando toda a proposta curricular como a resultante de opções entre distintas parcelas da realidade. Assim, e uma vez que o currículo, na seqüência do que nos propõe também Forquin, expressa o resultado de uma intencional seleção no seio de uma dada cultura, como será possível efetuar esta seleção por forma a que se promova a justiça e igualdade sociais, numa época em que, mercê das políticas neoliberais, se assiste cada vez mais, à cristalização do espectro da segregação.

Jurjo Torres Santomé – Penso que a segregação é um dos grandes problemas do século que agora se inicia, o século XXI. Pode-se afirmar que este problema sempre existiu, no entanto atualmente está a aumentar devido aos modelos econômicos neoliberais que dominam este mundo globalizado. Se há algumas décadas se dizia que no mundo existiam países em vias de desenvolvimento, também se acreditava que se uma vez desenvolvidos continuariam nesse grupo para sempre. Hoje em dia aquilo que se constata é que são cada vez mais os países em vias de subdesenvolvimento, ou seja, países que tinham entrado em pleno a competir de igual a igual no mercado dos países desenvolvidos, agora sofrem crises constantes, países com economias na bancarrota e com condições de vida semelhantes às dos países mais pobres do mundo. Um bom exemplo é o caso da Argentina. Quem iria imaginar há 30 anos que um dos países mais cultos e ricos como era a Argentina chegaria à situação grave em que se encontra hoje em dia? Ninguém. No mundo da economia observase que dia após dia toda a riqueza e os recursos estão mais concentrados. Basta consultar o ranking das pessoas mais ricas do mundo que a revista Forbes publica periodicamente. Um autêntico escândalo! A segregação vai aumentando, embora em muitas alturas até chegue a dissimular-se. Pensemos como nos últimos anos apareceu um fenômeno completamente novo: a “pobreza vergonhosa”, ou seja, um grupo de pessoas que não nasceram em famílias pobres, tendo pelo contrário, nascido em famílias da classe média e até classe alta, que fizeram parte dessas classes durante muitos anos e que fracassaram na profissão chegando até à pobreza. Essas pessoas tentam esconder de todas as formas, gastando inclusivamente o pouco dinheiro de que dispõem em roupa e objetos para dissimular e ocultar assim a sua pobreza. Porque é que não se unem, protestam e lutam por outro tipo de sociedade e de mundo? Isto acontece essencialmente porque os discursos dominantes convenceram-nos, não só a eles como a uma grande parte da população, de que vivemos em sociedades em que já existe igualdade de oportunidades, por conseguinte agora as diferenças sociais são fruto de esforços individuais, do valor individual ou inclusive, dos genes. Ninguém é responsável por esses fracassos individuais, só cada um deles individualmente considerados. É terrível! Logicamente, na construção desses discursos, a escola também tem algumas responsabilidades, é óbvio que não as principais, mas desempenha um papel importante no desenvolvimento das pessoas para pensar, julgar e poder intervir em assuntos coletivos, públicos.

Jonathan DarbyHá alguns anos tenho denunciado a degradação dos conteúdos dos livros didáticos. Contudo, continuam a existir demasiados temas que não são objeto de atenção nos conteúdos lecionados nas aulas. No entanto nas análises de matérias curriculares que faço periodicamente, as escolas continuam a pensar que no mundo só existem homens de raça branca, de idade adulta, que vivem em cidades, empregadas, cristãos, de classe média, heterossexuais, elegantes, saudáveis e robustos. Dificilmente nos conteúdos de tais livros se encontra informação sobre temas como: a vida quotidiana das mulheres, das raparigas, rapazes e adolescentes: sobre a situação das etnias oprimidas e os porquês das suas condições de vida; o que acontece às culturas das nações sem Estado? Por que as reprimem e tentam exterminar os seus idiomas e as obrigam a aceitar as línguas e culturas dos países hegemônicos? O que é que se ensina aos alunos sobre a vida das pessoas desempregadas, sem trabalho, sobre as injustiças que sofrem as pessoas no seu trabalho, sobre como podem defender-se? Que formulas de organização dos trabalhadores se ensinam para lutar por outras formas de produção e distribuição mais justas e democráticas? Como se explica a pobreza e por que aparece? Onde e quando se estuda a vida quotidiana das pessoas que vivem da agricultura e da pesca; as injustiças que enfrentam, a escassez de recursos de que dispõem devido à sua concentração exclusivamente nas cidades? Como podem defender-se e com o quê, os trabalhadores com baixos salários e suportando más condições de trabalho? Por que é que a vida das pessoas com menos capacidades físicas e/ou psíquicas é tão dolorosa e injusta? Como é que se explica que além de pessoas heterossexuais existem gays e lésbicas? Como se explicam as injustiças e situações de marginalidade dos homossexuais? Como se estuda a situação das pessoas idosas e doentes? Que idéias acerca do ser humano e do mundo são as mais acertadas e dignas? Que dizer sobre as religiões não cristãs ou das explicações atéias acerca do mundo?

Não é justo que os alunos durante a escolaridade obrigatória não cheguem a conhecer e refletir sobre as relações de poder existentes nas sociedades em que vivem esses grupos que sofrem de alguma forma de marginalização, a classificação, o seu valor e os motivos pelos quais apareceram essas situações de marginalidade no mundo em que vivemos.

Tenhamos presente a luta das mulheres, dos grupos étnicos sem poder, dos povos sem estado, dos gays e lésbicas, etc., que deram relevo através do seu poderoso ponto de vista na definição do que vinha a considerar o conhecimento válido e necessário, a grande desigualdade de oportunidades e, como tal, as situações de injustiça a que estavam sujeitas as pessoas que faziam parte desses grupos. Uma escola comprometida com a justiça social e a liberdade tem de incluir estes ternas como conteúdos dos programas para os estudantes. É obrigatório se queremos formar cidadãos, ou seja, pessoas com informação e competências para analisar e avaliar a vida quotidiana não só da sua comunidade como a de dos povos mais distantes. Uma escola em que a escolha das matérias dadas oculte ou altere as condições de vida de grupos silenciados será uma escola opressora, injusta e colonizadora. É tudo o contrário da razão de ser desta instituição.

Currículo Sem FronteirasNum outro trabalho “As culturas negadas e silenciadas no Currículo” você, entre outras questões cruciais, denuncia o currículo como um mecanismo de constante desvalorização de determinados quadros culturais, alertando para a necessidade de perceber a perigosa tensão entre os valores que preparam as pessoas para a cidadania e para o mundo do trabalho. Você acha que a temática da cidadania tem sido educativa e curricularmente bem tratada, ou tem sido apenas mais uma mera estratégia política construída em redor de um significado flutuante?

Jurjo Torres Santomé – Efetivamente, parecem-me muito preocupantes os silêncios e desvalorizações, a maioria das vezes conseguidas recorrendo a subterfúgios, de muitos grupos sociais que estão mais longe dos grupos sociais com maiores possibilidades de acesso a estruturas de poder e com maiores fontes de poder nas suas mãos. Esta situação agrava-se nas sociedades neoliberais, onde o mercantilismo a que submetem o sistema educativo leva a que determinadas matérias escolares sejam vistas como pouco interessantes, pois não são exigidas pelas empresas no mercado de trabalho. Os mercados fomentam o espírito empreendedor, mas não estão interessados numa cidadania preocupada com assuntos como a justiça e as responsabilidades sociais. As pessoas apenas são importantes como consumidoras, não como cidadãs. A cidadania que sempre se preocupou em conseguir mais justiça social e igualdade de oportunidades agora pode ser substituída pelos consumidores que apenas se regem pelas leis do mercado: a sua preocupação é ter liberdade para escolher e competir. Esta diferença de filosofias é o que explica que uma grande percentagem de pessoas pertencentes às novas classes médias já não se preocupam tanto com a política social, nem pela democratização da educação, nem por novos modelos educativos mais próximos das idiossincrasias dos alunos. A sua obsessão é que nas escolas os seus filhos obtenham boas notas sem nunca chumbar1 durante o curso e, se possível, que os convertam e transformem em pessoas obedientes à autoridade.

Não podemos esquecer que as escolas são um dos locais em que a sociedade delega a tarefa de socializar as novas gerações; o que significa ajudá-los a entender as condutas, tipos de inter-relação, formas de trabalho, estratégias de raciocínio, os juízos e valores que explicam o modo de ser das pessoas que fazem parte da sociedade em que os alunos são parte integrante, assim como as outras comunidades diferentes. Este processo, por sua vez, tem de servir para desenvolver todo um tipo de destrezas e valores que lhes permitam integrar-se como cidadãos na sociedade, de uma forma reflexiva e crítica. Uma missão tão importante implica, entre outras coisas, dedicar atenção às matérias culturais que se selecionam para atingir tais objetivos.

Este debate sobre a cultura escolar é um dos que pode suscitar as polêmicas mais comuns. Há muito tempo que os analistas do programa oculto e explícito têm trazido à luz enormes contradições nos valores que a escola promove sobre os diferentes modelos de vida e os produtos culturais mais importantes gerados pela sociedade, sobre o mais valioso da herança cultural. No decorrer da análise realizada pelo Ministério da Educação para a seleção cultural com o objetivo de impor conteúdos obrigatórios às escolas é fácil concluir que determinados grupos sociais fiquem melhor preparados do que outros, em relação a artefatos culturais, tecnológicos e científicos produzidos pelos grupos mais elitistas que são considerados os mais importantes. São as posições de poder e privilégio que detêm determinados grupos sociais que têm por hábito explanar muitos dos conteúdos culturais escolhidos como obrigatórios para as aulas.

Dena MatarMas, apesar da intenção de controlar a cultura e de modificar os conteúdos para os apresentar como neutros, desinteressados, à margem da política, nas últimas décadas, mostrou-se na nossa sociedade um grande consenso acerca de determinadas tarefas e conteúdos que deveriam fazer parte do programa escolar. Assistimos a como as escolas dia após dia enfrentam as novas propostas da sociedade. Além de lhes exigir um aumento do nível cultural das novas gerações, atribuiu-se-lhes o incremento do desporto, de hábitos pessoais saudáveis, de educar para o ócio e tempo livre, de ensinar uma alimentação saudável, persistiram muito mais na informação acerca do comportamento cívico. Até a pouco tempo, a maioria das pessoas considerava estes assuntos uma obrigação exclusiva das famílias, porém hoje em dia existe legislação para que também sejam tarefas obrigatórias das escolas. Os nomes das matérias transversais são um bom exemplo desta nova extensão do significado e da missão das instituições escolares: “educação para a saúde e qualidade de vida”, “educação moral e cívica”, “educação sexual”, “educação ambiental”, “educação para a paz”, “educação do consumidor”, “educação para a igualdade de oportunidades entre os sexos”, “educação para o ócio”, “educação para a vida”.

No entanto, os últimos anos de governo do Partido Popular na Espanha, e em particular com a promulgação da Lei Orgânica de Qualidade da Educação (Dezembro de 2002), os resultados estão a ser notáveis. Assim, por exemplo, uma das ausências preocupantes no programa proposto pela Administração (outra coisa é o que as escolas ensinam na realidade) é o abandono do que se tem denominado, a “Educação cívica ou da cidadania”. Algo que obrigaria os alunos a lidar com temas que se consideram imprescindíveis para poderem exercer os seus direitos e deveres como cidadãos. Temas, entre outros, como a justiça social, o desenvolvimento sustentável, a interdependência e globalização, os direitos humanos e responsabilidades sociais permitiriam aos alunos analisar valores e atitudes, ajudá-los-iam a questionar e explorar as suas próprias concepções do mundo e as que são mais dominantes na sua comunidade e em outras partes do mundo. Poderiam vir a conhecer as interdependências que existem nos produtos com que se alimentam, vestem, se informam e se divertem, e as formas de vida que têm outros povos que, em alguns casos, fabricam esses produtos e, noutros casos, não lhes têm acesso.

É óbvio que estes conjuntos de conteúdos estão dispersos num programa curricular, mas também se constata que grande parte dos cidadãos queixa-se que os jovens não estão informados, nem se comportam como deveriam em tudo o que diz respeito aos seus deveres e obrigações cívicas. A educação transversal que promovia a anterior lei promovida pelo Governo Socialista, a LOGSE (Lei Orgânica Geral do Sistema Educativo, Outubro de 1990), marcou um avanço neste caminho. Os seus resultados práticos ainda não estão suficientemente avaliados, mas podemos comprovar que nos projetos curriculares dos centros e das aulas elaborados pelos professores é dedicado um capítulo exclusivamente a este tipo de temáticas.

Obviamente, conscientizar os alunos e, até os professores de que seria necessário tornar mais visível a realidade nos conjuntos temáticos de que se compõem as matérias que são distribuídas nas aulas (razão pela qual a LOGSE integra a educação transversal), originou situações que não eram do agrado do Governo do Partido Popular. As escolas que sabem que têm obrigatoriamente que trabalhar de uma forma transversal matérias como “Educação para a paz”, “Educação moral e cívica” ou “Educação ambiental”, viram-se obrigadas a canalizar a sua atenção para problemas atuais, como o desastre ecológico na Galícia e todo o norte da Espanha devido à maré negra do petroleiro Prestige, bem como a guerra com o Iraque. Estes dois temas foram vistos como uma ameaça ou um absurdo por parte do Governo conservador de Manuel Fraga Iribarne na Galícia, o que deu lugar à promulgação das “Instruções da Direcção Geral para as Escolas e Preceitos Educativos” (12 de Março de 2003) na tentativa de impedir que estes temas se tratassem nas como conteúdos transversais.

Estas “instruções” servem para intimidar a maioria das escolas, dado que estes dois temas estavam a ser objeto de uma imensa atenção, tanto por parte dos alunos como dos professores. Advertem-se as direções das escolas para que não utilizem locais de anúncios e outras instalações para fins que a Administração apelida de propangandísticos e publicitários. No meu país, Galícia, os dias que se seguiram à divulgação destas instruções foram dedicados pelas escolas ao debate sobre o que fazer com os trabalhos realizados acerca do desastre ecológico do Prestige e da guerra com o Iraque. A conclusão unânime, por aquilo que pude constatar, foi de que iriam continuar com este tipo de tarefas escolares e não iriam ter em conta as ameaças de sanções da parte do Ministério da Educação da Junta da Galícia, dado que se correspondem, pelo menos, com os conteúdos de três das matérias transversais que devem ser lecionandas obrigatoriamente: a “educação ambiental”, a “educação para a paz” e a “educação moral e cívica”. Esta situação de conflito com a Administração é uma boa amostra das intenções dos grupos conservadores que integram o governo do Partido Popular para controlar o conhecimento que se produz e circula nas escolas.

O avanço do neoliberalismo com intenção de criar pessoas consumidoras e não cidadãos, juntamente com a aliança com os grupos sociais mais conservadores preocupados em conformar seres humanos submissos e pouco críticos, militantemente convencidos com verdades que nunca se atrevem a questionar nem a debater, é algo que nos deveria levar a um verdadeiro debate democrático acerca dos conteúdos escolares que são objeto de estudo nas escolas e bem como as próprias metodologias.

Currículo Sem FronteirasO currículo nacional, construído com o intuito de atenuar a desigualdade social, viria a tomar-se num currículo fundamentalista, isto para usar sua própria terminologia. Desgastado como solução política, várias vozes têm tentado promover uma outra plataforma curricular, ornamentando-a com significados outros, nomeadamente, o currículo integrado. Seguindo a sua concepção teórica [e ainda de outros autores e autoras, como Beane, Apple, Ladson-Billings, Greene], que, de todo, não é a dominante, o currículo integrado é de fato a melhor maneira de se “fazer currículo”. Todavia, e é esta a nossa preocupação, você não acha que o debate em torno da integração curricular tem sido colocado de uma forma viciada, uma vez que acontece nos limites impostos pela ditadura disciplinar e algum [embora porventura compreensível] corporativismo da classe docente?

Jurjo Torres Santomé – Se existe uma crítica comum e reiterada ao longo da história do ensino, é a de selecionar, organizar e trabalhar com conteúdos culturais pouco relevantes, de forma nada motivadora para os alunos, correndo mesmo o risco de perder o contato com a realidade. Nesse modelo, as situações e problemas da vida quotidiana, as preocupações pessoais, acabam normalmente por ficar à margem dos conteúdos e processos educativos, fora dos muros das aulas e escolas. Por mais de uma ocasião é normal que o programa tradicional por disciplinas acabe apresentando uma semelhança notável com alguns jogos ou concursos de televisão de sentido nominalista, como, por exemplo, o jogo “Trivial Pursuit”; ou seja, considera-se aprender por se ser capaz de recordar pequenos fragmentos de informação sem entrar em pormenor e, mais grave ainda, sem uma verdadeira compreensão desses conteúdos que se verbalizam. Por exemplo, uma pessoa que diz que o Dom Quixote foi escrito por Cervantes dá a sensação de que tem conhecimentos de literatura, num concurso de televisão até receberiam um prêmio pela resposta à pergunta de quem escreveu Dom Quixote. No entanto, é muito provável que nunca sequer o tenham lido, que não entendam o verdadeiro sentido da maioria das situações que ali são narradas, que não saibam qual a época em que vive e escreve Cervantes, o que estava a suceder naquela sociedade, quais os motivos que levaram o autor a escrevê-la, de que forma influenciou a literatura a partir daí, qual o interesse atual desta obra, etc. Uma análise deste tipo obriga-nos a recorrer a muitas outras informações que são objeto de outras disciplinas. Para fazer frente a esta classe de problemas escolares durante todo o século XX foram criadas diversas estratégias didáticas. Soluções que têm como finalidade tentar converter os conteúdos culturais da escola de forma relevante e significativa.

Georgia O'KeeffeConvém não esquecer de uma das perguntas mais freqüentes feitas pelos alunos aos professores: por que temos de estudar esta cadeira ou este tema? E a resposta mais freqüente do professor costuma ser, adotar uma atitude de transcendência e importância, dizendo que esse tema é importantíssimo para que no curso seguinte o possam entender como qualquer outro tema. Normalmente, serve sempre para o “próximo curso”, nunca para compreender qualquer situação atual ou um fenômeno do presente. Normalmente costumo dizer que o programa curricular se parece com os romances policiais de Agatha Christie. Todo um conjunto de informações com a finalidade de no final da escolaridade tenham sentido e se vejam as suas inter-relações. Nos romances de Agatha Christie com, por exemplo, 200 páginas, passa-se as primeiras 195 páginas fornecendo pistas, sem nunca as percebermos claramente. Sempre nos enganamos no diagnóstico, aquela pessoa que parece ser o assassino é na realidade boa pessoa. O assassino aparece nas últimas cinco páginas e é sempre uma surpresa, sendo nestas páginas que toda a informação anterior passa a fazer sentido. A minha pergunta é: onde estão essas cinco últimas páginas no processo da escolaridade obrigatória? Quando e em que momentos é que o aluno capta a relação que existe entre as diversas disciplinas que tem de estudar? E especialmente, quando se vê obrigado a integrar esses conteúdos oferecidos como peças de um puzzle na tentativa de cobrar plena consciência do quadro que compõem? Desde a minha experiência, penso que unicamente quando trabalham com modelos mais interdisciplinares, mais integrados.
Pensemos que a interdisciplinaridade é um dos conceitos que servem para justificar com maior contundência o programa integrado. Ou seja, a reorganização dos conteúdos, umas vezes para recuperar e outras para construir uma rede mais integrada entre conceitos e modelos e estratégias de investigação que uma subespecialização organizou em compartimentos estanques, não apenas com possibilidades de comunicação, mesmo quando tenham como finalidade analisar e intervir num espaço comum, com os mesmos objetos e/ou pessoas, um fim semelhante, etc. Tenhamos presente que a cultura das especificidades cria numerosos problemas à própria sociedade, pois é comum que diante de algum problema social, industrial, econômico, etc. diferentes disciplinas ofereçam soluções completamente distintas e, inclusivamente, contraditórias. Aquilo que na realidade acontece nessas ocasiões é que cada uma dessas disciplinas toma em consideração determinadas variáveis e ignora e despreocupa-se com outras. Um destes exemplos é o que acontece quando uma comunidade tenta obter mais energia, dependendo dos especialistas a consultar assim serão as propostas. É provável que os profissionais da física optem pela construção de plantas de energia nuclear, enquanto os que têm uma formação com maior peso da biologia, da sociologia, a filosofia etc., é mais provável que se decidam por propostas de intervenção muito diferentes, opondo-se com múltiplos argumentos às soluções dos anteriores. Podemos afirmar que as disciplinas “disciplinam” a forma como se interpreta, ou seja, só nos permitem observar e tomar em consideração a realidade com os conceitos, com as informações, com os conteúdos dessa disciplina que estudamos ou em que somos especialistas. Pensemos nas pessoas com o curso universitário concluído, por exemplo, sociólogas, economistas, psicólogas, físicas, etc. Ou seja, as pessoas que conseguiram concluir e ter êxito no sistema educativo. Quantas vezes nas conversas em que participam especialistas não escutamos reprovações do tipo: Claro, como tu és economista, tudo se resolve com a economia! ou és mesmo psicólogo, pois reduzes tudo a problemas interpessoais, questões de percepção, prejuízos, complexos, …! Frases semelhantes, o que fazem é chamar à atenção para o importante ponto de vista das nossas observações e análises.

Uma estratégia que pode contribuir para resolver problemas semelhantes é a criação de hábitos intelectuais nas pessoas, desde o primeiro momento de sua escolarização, para que se tome sempre em consideração o maior número possível de perspectivas quando se analisa, avalia ou intervém em qualquer situação ou resolução de qualquer problema. É óbvio que não podemos ignorar que esta divisão que domina o pensamento e a forma de atuar da maioria das pessoas que estão ou já passaram pelo sistema educativo não é unicamente resultado de subespecializações científicas e culturais, mas também conseqüência de modelos políticos que incentivam uma exploração de recursos naturais e a exploração econômica, cultural e, numa só palavra, o domínio de umas pessoas sobre outras.

Como conseqüência, falar de interdisciplinaridade é observar as aulas, o trabalho curricular do ponto de vista dos conteúdos culturais, ou seja, investigar quais as relações e os grupos de conteúdos que podem ser postos em prática, por temas, por conjuntos de conteúdos, por áreas de conhecimento e experiência, etc. Conseqüentemente, o programa integrado, é o resultado de uma filosofia sociopolítica e de uma estratégia didática. Tem como fundamento uma concepção do que é a socialização das novas gerações, o sonho de um ideal de sociedade, do sentido e do valor do conhecimento e, para além disso, do como se podem facilitar os processos de ensino e aprendizagem. Não nos esqueçamos que as questões curriculares são uma dimensão diferente, mais à imagem de um projeto de maiores dimensões de cada uma das sociedades, como é exemplo a política cultural. Qualquer proposta curricular implica opções sobre parcelas da realidade, partindo da idéia de seleção cultural que se oferece às novas gerações de forma a facilitar a sua socialização: com o intuito de os ajudar a compreender o mundo que os rodeia, conhecer a sua história, valores e utopias. O mesmo podemos concluir do programa curricular, o puzzle, nas palavras de Basil Bernstein, onde o parcelamento não é mais do que uma conseqüência da divisão e hierarquização da própria vida social. O programa é dividido em disciplinas ou temas, subdivididas então em grupos de conteúdos ou lições, em conteúdos, capacidades e valores; em trimestres, semestres, cursos acadêmicos e etapas educativas; o horário escolar é dividido em grupos rígidos que separam as atividades que deveriam ter maior continuidade: os professores subdividem-se em departamentos (a maioria das vezes de forma incoerente): o corpo docente isola-se da comunidade. etc.

Por outro lado, este tipo de divisões, são vistas como um dado adquirido, como algo que sempre foi assim e que não pode ser de outra forma; são questões que raras vezes são questionadas ou revistas, visto que não se assumem como algo que é assim porque algures, algumas pessoas que optaram por esta estrutura tiveram o poder suficiente para convencer os restantes profissionais de educação. E colocada de parte a análise dos interesses ideológicos, políticos e econômicos que estão por detrás da atual organização curricular do conhecimento, dos temas e conjuntos de conteúdos que são selecionados como foco de atenção para as aulas e centros de ensino.

O problema das escolas tradicionais, onde se dá uma forte ênfase aos conteúdos apresentados em pacotes de disciplinas, é que não acreditam que os alunos sejam capazes de ver esses conteúdos como parte do seu próprio mundo. Quando a física, a química, a história, a gramática, a educação física e as matemáticas não são visíveis para a maioria dos estudantes é fácil que tudo o que é ensinado nas aulas só se entenda como “estratégia” para os aborrecer ou, de uma forma mais otimista, ser o preço a pagar para que possam transitar de curso para curso com a esperança de obter uma licenciatura e depois logo se vê o que acontece. A instituição escolar aparece como o reino da artificialidade, um espaço em que existem umas normas particulares de comportamento, em que se fala de uma forma peculiar e em que não é necessário executar determinadas rotinas, que apenas servem para obter felicitações ou sanções por parte dos professores e, inclusive, das próprias famílias, mas não passa disso. Muitos estudantes chegam a assumir, levando em consideração a forma como levam a vida nas aulas, onde se torna muito difícil estabelecer uma interligação com a vida real, com os problemas e realidades mais quotidianas ou que isso apenas está reservado para as pessoas mais inteligentes, aos seres excepcionais. Desta forma, contribui-se para a continuação da mitificação do conhecimento, ocultando-se as condições da produção bem como as respectivas finalidades e perigos.

Não dar atenção a esta artificial compartimentalização que se estabelece entre a vida acadêmica e a vida exterior às escolas que pode até pôr em perigo o fim da escolaridade, em especial nos anos obrigatórios, ou seja, preparar os cidadãos para entender a realidade, a sua história, tradições e porquês e habilitá-los para intervir e melhorar a sociedade de uma forma democrática, responsável e solidária.

Uma das finalidades mais importantes que está na base de conceitos e modelos como o programa integrado é a preocupação de organizar os conteúdos culturais dos currículos de forma significativa, de tal forma que desde o primeiro momento o aluno compreenda o porquê das tarefas escolares em que se envolve.

O fato de se optar por estratégias integradas não significa que as disciplinas desapareçam, nem que deixem de fazer sentido as estruturas conceituais, as seqüências de conceitos e procedimentos nas planificações dos programas. No entanto, uma questão é essa estrutura disciplinar e outra é que na altura de as concretizar em propostas de trabalho para os alunos tem de se seguir essa mesma ordem que caracteriza a estrutura lógica dos conteúdos das disciplinas. Estas estão presentes nas idéias dos professores, mas as propostas curriculares que se conjugam regem-se por outra lógica, a de prestar também atenção à possibilidade ou não de se revelarem importantes e de interesse para os alunos. É necessário dar atenção aos conceitos, estruturas conceptuais e procedimentos que são indispensáveis para prosseguir em direção a maiores níveis de aprofundamento do conhecimento, que permitem enfrentar problemas cada vez mais complexos e avançar para níveis de maior domínio do conhecimento, dando atenção ao significado, relevância e interesse das tarefas escolares na perspectiva do estudante.

No trabalho curricular integrador a estratégia visível, o motor para a aprendizagem está estimulado por um determinado tema, tópico, ou centro de interesse que faz de eixo principal das necessidades individuais com as dimensões mais propedêuticas do sistema educativo, ou seja, com as condições para o acesso a outras etapas superiores do sistema escolar. Desde a preocupação com vertentes humanas, comunitárias, à preocupação com problemas sociais da atualidade e dos desafios da ciência e tecnologia como ajustar a funcionalidade e valor dos conteúdos culturais do programa, das teorias, conceitos, procedimentos e valores que se escolhem para trabalhar nas aulas.

Victor EkpukPor conseguinte, um bom método de ensino integrado é muito mais do que a aplicação de uma determinada metodologia ou uma técnica. Pelo contrário, supõe-se não perder de vista as razões pelas quais se adota esta modalidade de trabalho curricular. Isso explica a preocupação dos professores que optam por esta filosofia pedagógica para criar condições, ambientes em que o aluno se sinta motivado para investigar, questionar e aprender. O desenvolvimento da inteligência, afetividade, sensibilidade, motricidade está condicionado pelas oportunidades de executar, envolver os alunos em questões como a resolução de problemas, planificação, desenvolvimento e avaliação de projetos de trabalho, estudo de casos sobre questões de conflito ou críticas, etc.

Currículo Sem FronteirasNum outro trabalho “Sem muros na sala de aula: o currículo integrado”, Jurjo defende que o currículo integrado implica uma proposta de trabalho coerente, tanto para os alunos e alunas, como para a classe docente o que implica um debate claro em torno dos objetivos, daquilo que se planifica, assim como a discussão de um conjunto de alternativas. Mais, entende ainda o currículo integrado como uma forma dos cidadãos e cidadãs aprenderem a mover-se em estruturas flexíveis, numa sociedade onde a palavra flexibilidade foi convertida num vocábulo mágico. A questão que lhe colocamos é a seguinte: Como explica a existência de condições para uma discussão ampla e justa em torno dos objetivos educativos, em geral, e curriculares, em particular, sobretudo numa altura em que as políticas sociais neoliberais têm vindo a fragilizar, progressiva e acentuadamente, tanto o papel dos alunos e alunas quanto o da classe docente?

Jurjo Torres Santomé – Obviamente, não é de estranhar que com esse tipo de políticas sociais de fundo, o programa integrado esteja a retroceder. As políticas neoliberais e conservadoras que têm dominado a última década não estão interessadas em propostas pedagógicas baseadas na interdisciplinaridade, pois isso implica que os conteúdos curriculares não possam ser controlados com tanta facilidade. Caso se trabalhe com um programa integrado nas aulas surgem mais facilmente perguntas menos convenientes para as pessoas conservadoras. Pensar na diferença que existe na hora de se falar da reprodução humana como uma lição de biologia ou como ponto fundamental de um projeto de trabalho integrado. No primeiro caso, apenas seriam trabalhadas as noções de biologia, no segundo caso, o aluno teria de determinar, para além dos aspectos puramente fisiológicos, a temática da sexualidade ou seja o prazer das relações humanas, os tipos de sexualidade, as condutas sexuais e as respectivas valorizações sociais, o mercado da sexualidade, a igualdade de gêneros nos comportamentos e inter-relações sociais, a história da sexualidade, o papel das religiões na construção das funções da sexualidade e as diversas modalidades de matrimônio, etc. Ou seja, estaríamos a forrar uma cidadania mais informada e responsável, capaz de pensar de forma autônoma, não aceitando dogmas e imposições autoritárias.

Na Espanha, na nova Lei da Qualidade da Educação em vigor desde 2002, vê-se claramente como desapareceu a aposta na interdisciplinaridade; já não se fala de temas colaterais, a opção tímida que promoveu a lei socialista anterior, regressando-se à linguagem severa das disciplinas. Falar da realidade com um conhecimento disciplinar permite ocultar muito melhor aquelas perspectivas mais conflituosas dessa mesma realidade, permitindo dissimular os interesses políticos, militares, religiosos, econômicos, de gênero, etc., dessas divisões da realidade que apresentamos aos alunos como tema de estudo.

Se os conteúdos das diversas matérias escolares têm de possibilitar ao aluno avaliar outros modos de vida e valores diferentes pelos quais se regem familiares e amigos, tornase óbvio que a não promoção de maiores quotas de interdisciplinaridade e programas transversais é uma forma de dificultar enormemente a educação de uma nova cidadania.

As políticas contemporâneas dos países, como é o caso a Espanha, têm nos governos partidos conservadores que defendem modelos econômicos neoliberais. Outro rasgo distintivo subjacente é a notícia da participação em todas as esferas da sociedade e, portanto, no âmbito da educação. Assim, por exemplo, os conteúdos obrigatórios, o programa nacional, é legislado sem antes se promover qualquer debate social acerca da sua conformidade, oportunidade e validade. É o governo que de um dia para o outro, decide publicar um decreto com uma lista de conteúdos para o ensino obrigatório, mas sem explicar porque faz este tipo de seleção da cultura. Uma série de burocratas decidem o que é importante e o que acham que não é não incluem nessa lista de temas obrigatórios que o aluno deve estudar. Para além disso, com a nova Lei da Educação é diminuída a participação tanto das famílias como dos alunos e dos professores na vida das escolas. Reforça-se o papel dos diretores das escolas, dotando-os com mais poder de decisão.

Uma vez mais se constata, que quando se diz que nas nossas sociedades estão a perder liberdades, algo que muitos temos vindo a denunciar, não nos estamos a referir a abstrações, mas sim às possibilidades reais que os cidadãos têm de se fazerem ouvir e poder participar nas tomadas de decisões que nos afetam a todos. Contudo, isto não significa que não existam possibilidades de criar formas mais democráticas de gestão e participação nas escolas. As liberdades sempre foram uma conquista e não uma oferta daqueles que governavam. Temos de pensar que existem muitos professores, assim como estudantes e cidadãos que não aceitam este corte de liberdades. Obviamente isto obriga a que não nos esqueçamos das estratégias utilizadas noutros momentos da história para lutar pelos mesmos ideais. Convém estar alerta e ter na memória o passado, pois uma das estratégias às que recorre a direita é o corte das fontes de memória, fazendo-nos crer que só existe o presente e que este é e será sempre assim. Na memória do passado temos armas suficientes e formas de ação para fazer frente aos que tentam impor um único pensamento, aos que se adiantaram para consolidar o fim da história.

Há muitos docentes envolvidos em experiências educativas com muito valor e convém apoiá-los, divulgar os seus trabalhos para fazer ver às gerações de professores mais jovens que existem alternativas.

Desta forma, o aluno tem de aprender que nem todas as coisas que se estudam nas escolas têm de servir para ganhar dinheiro e cargos de poder. Infelizmente, o mercantilismo está a causar grandes estragos entre a juventude, mas não nos esqueçamos que outra das características das últimas décadas é o crescente número de organizações de voluntários, de Organizações não-Governamentais dedicadas a colaborar com os sectores sociais mais desfavorecidos: estas ONG’s são na sua grande maioria constituídas por jovens, por adolescentes que ainda acreditam no valor das utopias e empregam o seu tempo, os seus saberes e inclusivamente põem em perigo as suas vidas para ajudar os outros. Esta juventude encontra-se na sua maioria escolarizada, sendo assim mais fácil mobilizá-la se formos capazes de lhes demonstrar a importância da educação. Estes alunos são aqueles que irão exigir que nas aulas se discutam temas vitais, que se debatam as questões que muitas vezes ocupam as primeiras páginas dos jornais e telejornais. O programa integrado é a estratégia mais adequada para converter as aulas em espaços de vida.

Currículo Sem Fronteiras Você tem uma determinada experiência ao nível da educação pré-escolar. Num outro espaço, você reflete sobre o brinquedo e o jogo como instrumentos de socialização, produção de consciência, transmissão de ideologias. Entendendo a educação como um projeto político [dado que constrói a identidade de um determinado país] e uma vez que os primeiros passos educativos e curriculares se dão ao nível do ensino pré-escolar, por que razão este nível de ensino tem sido tão negligenciado nas agendas políticas?

Jurjo Torres Santomé – Penso que este é um bom exemplo do desmoronar do Estado de Bem Estar que está a criar ideologias neoliberais. É tudo uma questão econômica e para tal é necessário diminuir as hipóteses de intervenção do Estado para compensar minimamente os excessos do mercado. A opção neoliberal do Partido Popular de José Marfa Aznar explica-nos a orientação mercantilista da nova lei de qualidade da educação (LOCE); o que justifica a defesa clara do ensino privado e, como conseqüência, o abandono que se tem vindo a sentir nos últimos anos em relação ao ensino público. A finalidade é converter o Sistema Educativo num mercado, regido apenas pela lei da procura e da oferta; mesmo sabendo que nem todas as pessoas possuem capacidades, informação e recursos econômicos para fazer a seleção de temas sobre educação. É também este governo neoliberal que reduz a oferta da educação infantil, em especial do grupo com idades entre os zero e os três anos. Recuperaram inclusive o nome injusto de Educação Pré-escolar para essa primeira etapa dos zero aos três anos.

Foram as lutas das professoras progressistas, dos sindicatos dos professores e das Associações cívicas dos bairros que conseguiram transformar a Educação Pré-escolar em Educação Infantil; algo que o governo socialista que chegou ao poder em 1982 contribuiu para a legitimação, resultando assim, na Lei da Educação de 1990, a LOGSE, passando o grupo dos zero aos seis anos de idade a ser conhecido por Educação Infantil.

Falar de Educação Pré-escolar é reconhecer que a educação das crianças entre os zero e os seis anos é algo pouco importante; mais relacionado com a guarda das crianças enquanto os pais trabalham. Tanto a designação Pré-escolar como as funções que se estabelecem, dando mais importância à componente assistencial do que à componente educativa, colocam esta etapa fora do sistema educativo e, inclusive, à margem do Ministério da Educação. Na Espanha durante os governos anteriores ao do Partido Socialista, esta etapa dependia de vários ministérios: Ministério da Educação e também do Ministério do Trabalho. Existiam redes de creches promovidas pelo Ministério de Trabalho para facilitar a incorporação de mulheres no mundo do trabalho, uma situação correta mas que não pode ser feita à custa de uma oferta de educação sem qualidade às crianças.

HundertwasserA Educação Infantil como etapa que abarca as idades dos zero aos seis anos, foi uma conquista social que teve início na década dos anos setenta. Todo o conhecimento especializado que se tem vindo a construir até hoje, sobre o desenvolvimento e a aprendizagem infantil têm uma grande importância nestes anos iniciais. É por esta razão que a designação anterior, LOGSE (1990), apoiando-se no que as Neurociências, a Psicologia, a Pedagogia e a Sociologia têm vindo a constatar, propõe como medida política de justiça social, garantir a educação das crianças desde o momento do seu nascimento. Algo que as famílias mais favorecidas já vinham a fazer através de inúmeros programas privados de estimulação precoce e de educação infantil. Qualquer governo minimamente comprometido com políticas de igualdade de oportunidades e de justiça social não pode deixar de dar atenção a esta etapa educativa. Este é um dos marcos que servem para avaliar as políticas educativas e sociais.

A maleabilidade que caracteriza o ser humano nos primeiros anos de vida é o argumento de maior peso na hora de defender a necessidade de uma Educação Infantil de qualidade. Atualmente, a ciência confirma como o desenvolvimento da fala, da cognição, a regulação das emoções, o desenvolvimento psico-motriz, precisam de um ambiente com os estímulos adequados para um bom desenvolvimento. E necessário um projeto educativo em que esteja bem planificada a regularidade de determinadas rotinas, a repetição de determinados exercícios, as variações graduais de determinadas tarefas, a duração e continuidade de determinadas estímulos.

É este tipo de ambiente educativo que vai possibilitar que as crianças, através das interações que estabelecem, das experiências em que participam, vão construindo as suas capacidades, adquirindo conhecimentos que irão mais tarde condicionar outros. A socialização como membro de um grupo cultural de uma comunidade humana requer ajuda, não é algo que venha com os genes.

Um pequeno diagnóstico sobre a Educação Infantil deveria ter em consideração o trabalho que os professores têm vindo a desempenhar nesta etapa. O seu trabalho, claramente educativo faz com que inclusive as tarefas que tradicionalmente assim eram consideradas, passassem a sê-lo graças ao seu esforço e profissionalismo. Refiro-me a tarefas tais como os cuidados e a limpeza corporal, o descanso, o sono e o período de lazer. As tarefas que a uns anos atrás se desenvolviam de uma forma rotineira, mecânica e fria mas que agora se converteram em momentos educativos.

Obviamente, esta etapa educativa também cumpre um trabalho essencial, dado que facilita às mães e aos pais o desempenho das suas carreiras profissionais. No entanto, foi o trabalho dos que têm a responsabilidade de educar durante esta etapa que contribuiu para uma volta nestas funções: as tarefas que há pouco tempo eram as mais idiossincráticas das instituições que acolhiam as crianças durante estas idades. Atualmente as necessidades infantis passaram a ocupar o centro das atenções.

Tenhamos presente, mesmo assim, que o trabalho das Escolas Infantis têm vindo a desenvolver, não começa e termina com o aluno, alcançando cada vez mais as famílias. Um bom exemplo é que cada vez há mais escolas “Escuelas de Madres y Padres” promovidas a partir destes centros escolares. É também desta forma que as famílias vão conhecendo melhor como são as suas crianças, como podem ajudá-los no seu desenvolvimento e, assim, compreender a importância de colaborar e participar nas escolas para melhorar a qualidade da educação. Esta tarefa de formação que se realiza junto das famílias surge e consolida-se mais como uma tarefa educativa, dado que os professores que trabalham nesta etapa possuem uma formação que nunca existiu anteriormente. As famílias foram assim aprendendo cada vez mais a dar valor à Educação Infantil e passaram desta forma a ser mais exigentes com as escolas para onde enviam os seus filhos.

Mas os resultados conseguidos nesta etapa não se ficam por aqui. Recorde-se que é na Educação Infantil onde surge uma das revoluções mais importantes do século XX nas metodologias didáticas. Os centros de interesse, os métodos globalizados, o trabalho com projetos e as unidades didáticas são estratégias para adaptar o que se pretende ensinar em função das características de cada criança, têm a sua origem na etapa Infantil, mas muito cedo este tipo de inovação vai-se adotando também noutras etapas, principalmente na Escola Primária, embora também na Escola Secundária, em especial quando os professores estão preocupados em estimular os seus alunos com matérias relevantes e significativas

Uma simples observação do Sistema Educativo tenderia irremediavelmente para valorizar este proveito e, assim, promover e reforçar cada vez mais esta etapa educativa, o que representa o inverso do que agora se pretende com a LOCE (2002), que implica retroceder muitas décadas, quase até ao século XIX, quando surgiram as creches. Nessa altura eram as necessidades dos processos de industrialização em curso as que levaram à criação de creches que cuidavam das crianças durante as horas em que os adultos estavam a trabalhar. As indústrias em crescimento necessitavam muito de mão de obra, como tal, se se pretendia que as mulheres trabalhassem fora de casa era imprescindível criar alguma instituição para cuidar das crianças.

Uma prova da regressão na concepção educativa para esta etapa dos zero aos três foram as declarações recentes do Ministro Espanhol do Trabalho, Eduardo Zaplana, quando anunciou como promessa para o próximo exercício a garantia da criação de 400 mil novas creches, situadas o mais perto possível dos centros de trabalho e, se possível, dentro das próprias empresas. Um planejamento semelhante, recorrendo à denominação de creches, mostra que a única coisa que se pretende é a existência de espaços para guardar, cuidar e vigiar. O mercantilismo dominante afasta as funções educativas e origina um forte ataque aos Direitos da Criança.

Qualquer Governo com um mínimo de preocupações pela infância teria que considerar um plano para expandir a educação nesta etapa e, inclusivamente, torná-la gratuita, especialmente se pretendesse que os grupos sociais mais desfavorecidos se preocupem pela educação dos seus filhos. Recordemos que sempre que se deu atenção a estes grupos uma das medidas a que tradicionalmente se recorria era a programas de Educação Compensatória dirigidos aos meninos destas idades.

A Educação Infantil deve continuar a ser uma etapa educativa, o que não obsta que ao mesmo tempo desempenhe, embora de forma secundária, outras funções sociais, como a de facilitar o trabalho das mulheres e dos homens fora de casa e ser também uma instituição que sirva para contribuir na reorganização dos bairros, povos e aldeias em que se habita. Cada vez são mais as escolas infantis que desenvolvem projetos educativos em que estão envolvidas não só as famílias, mas também outras instâncias sociais, como as associações vizinhas, as lojas e negócios comerciais à sua volta, instituições como a polícia local, os bombeiros, etc. Quando a escola trabalha desta forma, transforma-se numa instância de reorganização comunitária, visto que nos torna conscientes de quão interdependentes somos e que todos devemos ser. Ao mesmo tempo em que se contribui para facilitar a socialização das crianças, faz-se com que os adultos, se tomem conscientes dos laços que nos unem.

Apresentar esta etapa como etapa principalmente assistencial significa deixar a perder todo o trabalho realizado até agora pelas escolas infantis que estão comprometidas com uma filosofia e uma política claramente educativas.

Falar de educação Infantil é falar dos Direitos da Criança, falar de educação pré-escolar é falar apenas a partir do direito das mulheres ao trabalho. As mulheres têm que dispor de boas condições para exercer os seus direitos como cidadãs e trabalhadoras, não devendo por esse fato condicionar a qualidade da educação a que têm direito às crianças dos zero aos seis anos.

Destacar esta etapa como pré-escolar é algo muito bem visto pelo Governo neoliberal de José Maria Aznar, pois deste modo pode reduzir ainda mais o seu investimento no mundo da educação, para, entre outras coisas, poder investir mais em armas de destruição massiva, juntar-se às aventuras bélicas imperiais de George Bush.

Currículo Sem FronteirasNo seu trabalho “O Currículo Oculto” você efetua uma excelente análise em torno do conceito gramsciano de hegemonia dissecando o modo como determinadas ideologias se conseguem impor porque garantem um determinado consenso através do consentimento das classes que se encontram arredadas do controle do poder. Boaventura Sousa Santos na sua obra “A crítica da razão indolente; contra o desperdício da experiência” contesta a noção de consensualidade inerente ao fenômeno hegemônico e avança com o conceito de resignação, o que de modo algum colide na sua análise com a noção de agência humana. Dado o momento atual, onde as políticas sociais conservadoras têm deixado um rasto de multiplicação da miséria e de segregação econômica e cultural gritante estaremos a viver um momento de resignação ou, pelo contrário, mantém que assistimos a uma estratégia de geração de consenso?

Jurjo Torres Santomé – Na minha perspectiva penso que ambas as coisas podem compatibilizar-se como explicação. As escolas, em conjunto com os meios de comunicação de massa estão a desempenhar um papel importante na construção do consenso. Ao censurar montanhas de informação e só apresentar e insistir com teimosia em determinados discursos explicativos e justificativos da realidade, conseguem que muitas pessoas acreditem nessa explicação e acomodem a ela os seus comportamentos e expectativas vitais. No meu livro “Educación en tiempos de rico liberalismo” (2001) dedico um capítulo inteiro ao que dou o nome de o processo de naturalização das condutas individuais recorrendo a explicações inatas. Os discursos hegemônicos neste momento histórico em que os meios de comunicação cada vez são menos independentes, dado que as grandes empresas têm consciência da sua importância e, por isso, se apropriaram deles, jogam um papel muito importante na construção do consenso especialmente na medida que empregam grandes esforços a “naturalizar” as situações de injustiça. Assim, quando se fala do fracasso do êxito escolar, de problemas disciplinares nas aulas, do que conhece ou desconhece o aluno, a unidade de análise costuma ser a pessoa individualmente considerada e o discurso utilizado também tratará de deixar clara exclusivamente as responsabilidades pessoais. O êxito e as possibilidades de promoção são vistas como atos de competitividade entre pessoas que mediante o esforço individual e as suas capacidades naturais inatas, conseguem méritos com os quais podem competir e concorrer ao acesso a privilégios sociais de forma igualmente individual.Laxeiro

Em geral, podemos dizer que recuperam valor as posições teóricas e políticas que defendem a primazia das eleições pessoais e da mobilidade social individual, não considerando as condições estruturais que levam ao fracasso social e logicamente, escolar, aos grupos sociais mais afastados do poder.

Desde as instâncias oficiais, não se promoveram análises que tenham em consideração mais perspectivas e interesses sociais comunitários. A sociedade vê-se como reificada, com uma roupagem de despolitização e neutralidade, não dá atenção aos problemas de desigualdade política, econômica e social de caráter estrutural.

Logicamente, o atual marco econômico, político, cultural e social dominado pelas políticas de mercado e de fragmentação social precisa de discursos que confluam na construção da conformação do consenso da cidadania sobre a inevitabilidade das concepções dominantes.

As teorias acerca do individualismo serão um dos pretextos mais recorrentes para manter e justificar o atual estado das coisas, o mundo em que vivemos.

Se as pessoas se sentem sós e pensam ser as únicas responsáveis pelo seu destino, sem que as estruturas sociais, a distribuição dos recursos e o poder condicionem as suas escolhas, a sua vida como indivíduos, torna-se muito fácil cair na resignação. A resignação, no meu ponto de vista, é a ausência de alternativas, inclusivamente incapacidade sobre a possibilidade de as imaginar. Imaginem, por exemplo, o papel que desempenham as teorias do fim da história desenvolvidas por Francis Fukuyama. Estamos diante de discursos com os quais se pretende construir um tipo de pessoas que aceitem como inevitável as suas realidades: pessoas que normalmente são limitadas nas suas aspirações pessoais, ao assumir que o melhor é “deixar-me estar como estou”, pois como diriam algumas das leis de Murphy que circulam entre as pessoas, “tudo o que pode piorar acabará por acontecer”.

Com linhas de discurso semelhantes às de Fukuyama, pretende-se que as pessoas não cheguem a pensar nas enormes disfunções que as atuais formas de economia capitalista neoliberal estão a provocar, nem se procurem imaginar outras alternativas. Não será de estranhar que desde os círculos do poder e meios de comunicação com que são bombardeados os cidadãos, se consiga desvirtuar também os discursos sobre o significado e formas de democracia e se discuta sobre os Direitos Humanos como algo abstrato, sem qualquer ligação à vida quotidiana de cada ser humano ou de cada povo. É desta forma que quem ocupa postos de responsabilidade na defesa do poder estabelecido trava a conflito das crises nos mercados, procura convencer a população de que o desemprego originado pelo capitalismo atual, as injustiças e a pobreza deste momento histórico são coisas normais, no entanto, passageiras que se atravessam num caminho futuro de grande prosperidade.

É curioso como, entre as teorias preferidas pelas opções mais conservadoras e fundamentalistas, que de uma maneira insistente aparecem e reaparecem ao longo do século XX, deve-se distinguir as que vão ligar os comportamentos a condicionamentos biológicos das pessoas, a sua estrutura genética, à conformidade dos seus cérebros ou a níveis hormonais. Caso se consiga convencer cada pessoa que o seu destino social está programado no seu código genético, a partir desse momento não terá outra saída senão “suportar” o mundo, não se lembrará de lutar para que se transforme, pois como se pode lutar contra o que está decidido no código genético. Um pensamento idêntico leva-nos a pensar em imagens de épocas anteriores quando o ser humano era uma marionete das divindades que lhe negavam a liberdade para poder decidir e participar na construção do mundo. Penso que é urgente lutar contra este pessimismo e que são muitas as pessoas que ambicionam fazê-lo. Estou convencido que se nos dedicarmos a salientar as possibilidades a que temos acesso na atualidade para melhorar o estado das coisas, a pôr diante dos olhos dos nossos alunos exemplos positivos de como muitos grupos sociais lutaram com êxito pelos seus direitos, como conseguiram melhorar as suas condições de vida coletiva, estaremos a educar pessoas com confiança no futuro e não pessoas resignadas.

A cultura da comunidade foi promovida por pessoas que se sentiam mais perto das restantes, mas que estavam, sobretudo, convencidas de que era possível alterar o rumo da história: existiam projetos de sociedade que eram vistos como viáveis se atuassem em coordenação com os restantes vizinhos. Nestes momentos, o pensamento neoliberal esforça-se por abrir caminho a esses ideais de transformação, tentando convencer as pessoas de que já não é possível idealizar outro tipo de sociedade. A esquerda política desanimou-se devido aos fracassos dos modelos comunistas e, na atualidade, a direita é mais conservadora, especialmente na mão dos movimentos religiosos mais fundamentalistas, que estão a tentar realizar projetos comunitários em grupos que não teriam outra saída senão a resignação. De qualquer forma, é tal o nível de frustração que as formas de organização do trabalho capitalista originam em cada vez mais camadas da população que voltam a observar-se sérias intenções de resposta da esquerda. Movimentos sociais populares como o “Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” (MST) no Brasil, dos grupos anti-globalização, ecologistas, feministas, etc., é importante dar-lhes cada vez mais visibilidade para provar que nem tudo está perdido. Quiçá, já possamos começar a afirmar que começa a dar-se uma transformação no significado de comunidade, não a sua eliminação: surgem novos tipos de associação diferentes das mais tradicionais: partidos políticos e sindicatos. No entanto, pode ser que estes novos tipos de associação cheguem a ser política e socialmente mais eficazes, que facilitem uma melhor coesão social que as anteriores, cujas estruturas, fortemente burocratizadas e profissionalizadas, não ajudam os cidadãos a vê-las como parte de um projeto que diga respeito a todos os membros da sociedade.

Currículo Sem Fronteiras No seu livro “Globalização e interdisciplinaridade”, você, entre outras questões, salienta a necessidade de um currículo globalizado, com integração das áreas do conhecimento, não fragmentado em disciplinas estanques, compatível com a realidade. Na verdade, isto, em essência, não é uma posição muito diferente da que foi colocada em prática por Dewey, na sua Escola Laboratório em Chicago. Gostaríamos aqui de colocar duas questões. Em primeiro lugar, como transformar a globalização por via da educação, em geral, e do currículo, em particular, num fenômeno de plena justiça e equidade social. Em segundo lugar, por que razão, muitos educadores e demais curriculistas [mesmo situados na esquerda política] persistem em negligenciar nas suas análises o pensamento de Dewey? Será por ter sido um personagem controverso politicamente?

Jurjo Torres Santomé – Quando utilizo o termo globalização neste livro faço-o num sentido diferente daquele que a palavra tem na atualidade. Na Espanha o termo globalização, aparece, curiosamente, pela primeira vez no mundo da educação, como uma metodologia didática coerente com o modo em que a psicologia evolutiva nos indicava que se fomenta o desenvolvimento e a aprendizagem humana. Foi uma metodologia muito divulgada na década de setenta, apoiando-se num primeiro momento nas investigações da psicologia da Gestalt e, posteriormente, na criação da psicologia genética da escola de Piaget. É uma perspectiva em que o centro do discurso justificativo se situa na pessoa, individualmente considerada. A questão fundamental é: como é que as pessoas compreendem a realidade e como aprendem? A psicologia de Piaget e, em concreto, as investigações de Ausubel sobre a aprendizagem significativa, junto com os trabalhos de Ovide Decroly e a sua metodologia dos centros de interesse, são os motores de arranque, desenvolvimento e inovação curricular que denominávamos como “globalização”. Nesse livro, argumento que o programa integrado se justifica de um modo muito contundente recorrendo a três grandes linhas de argumentação: 1) o discurso da globalização (ou a melhor forma de promover a aprendizagem individual), 2) o da interdisciplinaridade e 3) da mundialização. Estes dois últimos discursos centram a nossa atenção, por um lado, nas perversidades que se produzem quando se intervém na realidade de um modo disciplinar, como comentei anteriormente, e, por outro lado, a necessidade de alargar os nossos horizontes a realidades mais distantes quando se contemplam os resultados das nossa ações. Esta última linha discursiva é a que hoje em dia se tem vindo a denominar de “globalização” ou em terminologia mais francófona, “mundialização”. Em concreto, no livro sobre o Programa Integrado, servi-me da palavra mundialização, pois no meu país naqueles anos no âmbito da educação o conceito globalização era usado como metodologia para trabalhar nas aulas. De fato, a LOGSE, a lei da educação que acaba de ser abolida, especificava claramente que as metodologias com que devia trabalhar nas aulas de Educação Infantil deviam ser “globalizadas”. Imagina que tem sido muito falado um livro que escrevi no início dos anos noventa, mas, no entanto, há mais de década que se publicavam trabalhos sobre essa metodologia didática mais integrada.

Cada vez estou mais convicto da urgência de avançar para teorias mais integradas se realmente queremos educar e facilitar o acesso reflexivo à informação dos alunos. Um compromisso com a justiça no âmbito educativo obriga a termos presente a possibilidade de se incorrer continuamente numa enorme injustiça curricular, dado que é muito provável que tanto os conteúdos dos programas escolares como as tarefas de cultivar o aluno para que aprenda estejam mais relacionados aos interesses dos grupos sociais mais favorecidos. Quando alguns grupos sociais observam que as suas propostas são mais consideradas nas aulas que outras, isso significa que com os mais desatentos estamos a criar situações de injustiça curricular. Estas situações injustas são mais agravadas dado que as crianças pertencentes a grupos sociais mais desfavorecidos costumam aprender em escolas mal dotadas, sem bibliotecas, sem laboratórios, com poucos professores; escolas que também têm falta de profissionais para ajudar: orientadores educacionais, assistentes sociais, bibliotecários, professores de apoio, etc. Uma escola mal dotada é um sinal claro de injustiça curricular e social.

Luis SeoaneMas, voltando a centrar-me apenas na tua pergunta, existe um fenômeno que penso deve merecer uma atenção muito especial, o da mundialização ou globalização sociopolítica. Obviamente, a globalização neoliberal que se promove em todo o mundo é algo verdadeiramente perverso, porque só favorece as grandes empresas multinacionais a fazer negócios ainda mais rentáveis, sob a ameaça aos Estados de encerrar empresas para as ir abrir noutros países que ofereçam condições mais vantajosas, ou seja, a Estados com sindicatos muito fracos, inclusive a países sem democracia e sindicatos, como tal, com trabalhadores sem qualquer proteção e forçados a trabalhar em situações de semiescravidão ou escravidão total. É necessário fazer frente a este tipo de globalização recorrendo a movimentos sociais, à globalização dos direitos de cidadania. Penso que as instituições escolares desempenham um papel fundamental na tentativa de se conseguir estes direitos humanos em nível mundial. A escola deve ser um espaço onde aprendemos a ver-nos como seres humanos interdependentes, como pessoas que cada vez que tomamos alguma decisão saibamos que teremos de ter em consideração quais as repercussões em temas que estão mais afastados de nós. A criação de uma mentalidade solidária em nível mundial tem de ser um objetivo de trabalho de todos os professores. Uma mentalidade semelhante obrigaria a cada cidadão pensar de uma forma mais internacional, ou seja, por exemplo, quando compramos uma camisa numa loja não só olhamos para o preço dessa peça de roupa, se é barata, mas também prestamos atenção a: onde é fabricada?, em que condições estão as pessoas que a fabricaram?, existem crianças a trabalhar nessas empresas?, os salários desses trabalhadores são justos?, as matérias primas foram obtidas e pagas de uma forma justa?, etc. Uma “escola globalizada” é também aquela em que o aluno mantém uma comunicação fluida com outras instituições escolares mais afastadas, em que se informa dos problemas dessas crianças e, inclusive, tenta arranjar formas para tentar ajudar a resolver esses problemas.

Se para a manutenção de qualquer democracia é necessário existir uma cidadania educada e informada, a luta por um mundo global mais democrático e justo precisa dessa cidadania, mas com uma consciência claramente planetária, acostumada a ter uma visão solidária e responsável para lá dos limites do seu bairro, cidade ou país. A nossa escola tem uma grande tarefa a planear, a colaboração na mundialização da visão, mas mais urgente é a preocupação com a pobreza, as necessidades e as injustiças. A preocupação com as realidades internacionais mais inúteis e classicistas, é algo que infelizmente muitos grupos têm vindo a promover, em especial, os meios de comunicação em massa. Não devemos permitir que a globalização apenas ocorra com os anúncios da Coca-Cola, com os restaurantes da MacDonald’s ou da Pizza Hut, devemos trabalhar no sentido de tornar visível as grandes urgências de muitos países, as enormes injustiças suportadas por inúmeros povos e, conseqüentemente, mobilizar a cidadania para a criação de estratégias para solucionar estes problemas. O ensino da matemática, da história, da literatura, das ciências, da língua, … A matemática tem de servir para que as novas gerações aprendam  a medir e quantificar as injustiças suportadas por muitos milhões de crianças; as aulas de história devem contribuir para explicar como se geraram noutros momentos de história conflitos que atualmente ainda continuam por se resolver; a literatura tem de servir para que as crianças possam entrar em contato com outras idéias mais afastadas, com realidades, sonhos e aspirações que são narradas por pessoas que vivem fisicamente mais afastadas de nós e, além disso, para que se expressem através de uma linguagem muito rica e elaborada e noutros idiomas não hegemônicos, mas que são utilizados por muitas pessoas.

Ao que me é dado a entender sobre o esquecimento de John Dewey, penso que se deve fundamentalmente ao fato de vivermos numa sociedade majoritariamente consumista que considera “fora de moda” e que já não vale a pena tudo o que não se produziu ou escreveu nestes últimos dois meses. Estou convencido de que uma imensa maioria de pessoas que trabalho na área da educação nunca sequer leram um livro escrito por Dewey. Parece-me uma grande injustiça, pois acredito que é dos poucos autores do século XX que deveriam ser considerados de leitura obrigatória. Preocupa-me o esquecimento enorme de obras que continuam a ter uma importância fundamental e que poderiam servir para abrir novos horizontes neste mundo que alguns consideram não ter futuro. Surpreende-me de forma dolorosa ver que a maioria dos estudantes que fazem doutoramento ou inclusive professores no ativo que desconhecem a obra de autores como Celestin Freinet, Giner de los Rios, Mario Lodi, Condorcet, Emile Durkheim e a pedagogia institucional francesa, etc. Não acredito que na maioria dos casos seja devido a censuras explícitas por parte dos professores que estão a formar as novas gerações de professores, mas sim ao fato de nesta sociedade consumista termos a tendência a ver apenas o último livro que acabou de ser publicado e a considerar como defasado tudo o que foi publicado no ano anterior. Isto é um enorme erro ao qual temos de fazer frente.

Currículo Sem FronteirasNo seu mais recente trabalho “Educação em tempos de neoliberalismo”, você desafia o pensamento único, defende a recuperação da utopia como um dos motores da transformação social, opõe-se à lógica de que não existem alternativas à “cruzada” neo-liberal e denuncia [tal como Gimeno] o mercado como uma metáfora inadequada para a educação. Se houve oratória e prática política que mais tumultos criou no tecido educativo foi, sem sombra de dúvida, o neoliberalismo. Trazendo mais uma vez Dewey à colação, quais os grandes desafios que enfrentam agora os educadores perante o cerco cada vez mais apertado das políticas neoliberais?

Jurjo Torres Santomé – Penso que o maior perigo tem a ver com a destruição do Estado de Bem-estar e em concreto do Ensino Público. A educação para os governos conservadores e grupos neoliberais já não é considerada como um serviço público, mas sim como ume rede de centros que são colocados à disposição das famílias de forma a escolher para onde vão estudar as crianças. Por sua vez, as famílias observam atentamente os colégios como um local onde os seus filhos aprendem algo que servirá amanhã para terem um salário e prestígio social. A filosofia de mercado está a apoderar-se do pensamento, das práticas e das instituições escolares. Os compromissos principais que vinham orientando o pensamento e as diretrizes dos que trabalharam para e nas escolas públicas, estão a ser esquecidos no que diz respeito aos processos de privatização que afetam a educação. Vejamos, a título de exemplo, no difícil momento que nos encontramos em centros escolares organizados com base em argumentos que, até recentemente, serviam para organizar o trabalho educativo, tal como: a igualdade de oportunidades, a educação centrada no aluno, a integração das pessoas menos capacitadas, o anti-racismo, o anti-sexismo, o anticlassicismo, a democratização dos centros, a escola ao serviço da comunidade, o multiculturalismo, a educação crítica, a educação compreensiva… Discursos e opiniões sobre a educação que atualmente estão sendo atacados frontalmente por parte dos defensores do mercado e das ideologias conservadoras, se bem que é de ressalvar que ainda existe um grande número de professores que continuam a ter estes objetivos ou semelhantes como motor das suas vidas.

Ao admitir-se a comparação dos colégios com as empresas teremos de admitir também que a procura de benefícios econômicos privados é um dos seus principais objetivos. No entanto, convém não esquecer que, enquanto os negócios privados tentam conseguir lucros para os seus proprietários e acionistas, as instituições públicas regem-se pela procura e ganhos de bens públicos, de prestações destinadas a toda a população, dando maior atenção aos que mais dela precisam.

É conveniente comprovar se a possibilidade de se obterem benefícios econômicos por parte da iniciativa privada podem levar a perdas sociais; em determinadas circunstancias é provável que a obtenção de lucros se dê à custa de interesses sociais. Um exemplo destas perdas sociais é o caso das empresas poluentes que para obterem maiores benefícios econômicos não têm quaisquer problemas em gerar maior poluição atmosférica ou marítima, de destruir determinadas áreas naturais ou explorar determinados minerais e plantas. No caso em questão, as perdas sociais são resultado da potenciação de uma rede de centros privados que continuam a favorecer a desorganização social; conseguindo que determinados grupos sociais menos favorecidos acabem por ficar limitados a escolas públicas tipo “apartheid”.

Não nos passará despercebido que defende uma economia de mercado neoliberal não se questiona sobre se são necessários alguns limites. Que não torne mais clara a diferença entre bens públicos e privados. Os bens privados, como o próprio nome indica são aqueles que são adquiridos e desfrutados pelas pessoas individualmente e que não afetam as restantes pessoas; o que acontece, por exemplo, com a aquisição de uma mesa ou de uma guitarra. Por oposição, os bens públicos são aqueles a que todas as pessoas têm acesso e que podem ser desfrutados por todos. Assim, a saúde é algo a que todos devem ter acesso, ao mesmo nível da educação, ou viver num meio ambiente sem poluição, visto que a saúde, a cultura ou uma boa qualidade do ar que respiramos, a água, as plantas e os minerais, contribuem de forma decisiva à conservação da vida no planeta. Limitando-nos mais à área da educação, considerada como um bem público significa um compromisso para com o desenvolvimento de todos os seres humanos, não sendo exclusivamente para aqueles que só porque nasceram no seio de determinada família têm recursos para ela. Tenhamos presente, para, além disso, que se todas as pessoas tiverem acesso a uma educação, a vida de toda a população será muito melhor, pois todos serão beneficiados com a contribuição dos outros. A violência, no sentido mais alargado da palavra, a mortalidade, as altas taxas de reprodução, as doenças e pragas que geram pobreza, a ignorância e a marginalidade serão obviamente reduzidas, o que será benéfico para toda a sociedade.

No Estado Espanhol, a política educativa neoliberal que vem sendo desenvolvida pelo Partido Popular (PP) tem como um dos principais objetivos, a liberdade de seleção de centros, mas com o sentido de aumentar a privatização do ensino. Um bom exemplo é o livro “La libertad de elección en educación” (1995), publicado por Francisco López Rupérez, Director Geral dos “Centros Educativos del Ministerio de Educación y Cultura” do Governo do Partido Popular (PP); obra editada pela Fundación para el Análisis y los Estudios Sociales, de que é presidente José Maria Aznar López, o Primeiro Ministro do Governo Espanhol. Nesta publicação, o autor, também ele ideólogo do PP, utiliza os seus esforços na tentativa de convencer as pessoas das vantagens da livre escolha, fazendo com que desapareçam os “clientes cativos” dos centros públicos. Este ideólogo conservador e neoliberal considera que as instituições públicas bem corno os funcionários que nelas trabalham são seres perversos, os quais têm de ser afastados das crianças, dado que segundo ele, estamos perante “um monopólio bilateral formado, por um lado, pelo governo e por outro pelos professores sindicalizados”.

Torna-se chamativa a forma como este autor se esquece de considerar a diferença radical que deve existir no comportamento do governo num regime ditatorial e num regime democrático. No primeiro caso é típica a tirania das decisões e ações, no entanto, numa democracia um comportamento como o que denuncia este Diretor Geral tornar-se-ia inconcebível, seria o maior sintoma da falsidade de uma situação que se denomina democrática. Uma frase como a anteriormente citada deixa transparecer a sua escassíssima fé nos mecanismos democráticos, a par da sua total antipatia com os Sindicatos, uma das instituições fundamentais das sociedades democráticas.Vasily Kandinsky

Quando o Estado se retira ou não intervém, equivale a deixar desprotegidos os grupos mais fracos. Estas crianças são as que estudam nos colégios piores, e com professores abandonados à sua sorte, sem ajuda para resolver os problemas que surjam. Eu estou habituado a dizer e é algo que desenvolvo neste livro a que fazem referência, “Educación en tiempos de Neoliberalismo”, que as escolas não podem ser clubes. As primeiras dizem respeito aos interesses de toda a cidadania, ao bem público, os clubes, pelo contrário, só se preocupam com os seus sócios. Penso que este é o grande desafio dos próximos anos: impedir que as escolas se transformem em clubes privados.

A privatização começa pela privatização das instalações, mas continua com a privatização dos conteúdos que se trabalham nas aulas. Se só preocupam os interesses privados dos alunos de cada clube, é previsível pensar que também se acabe por oferecer somente aquelas assinaturas [disciplinas] que interessem a esse grupo de famílias “proprietárias” do clube e, por hipótese, somente às perspectivas ideológicas que elas defendem. É a forma de construir sociedades dualizadas, fragmentadas, em que cada coletivo social vê os outros como rivais ou perigosos para iludir e eliminar.

A educação do futuro, tal como chamou a atenção a comissão presidida por Jacques Delors, tem entre os seus desafios trabalhar para que nas aulas as novas gerações aprendam a viver em comunidade. O neoliberalismo caminha na direção oposta.

Currículo sem FronteirasVocê não esconde, de forma alguma, a sua identidade galega. Tem inclusivamente vinculado a sua posição política, de uma forma muito explícita, à causa galega, como demonstra o Manifesto 15D, emitido em Santiago de Compostela a 15 de Dezembro de 2001. Pode-nos explicar qual o grande propósito político do Movimento Reintegracionista Galego?

Jurjo Torres Santomé – Considero-me um nacionalista galego de esquerda. Algo que nos tempos de conservadorismo que correm pode ser considerado chocante, pelo menos para as pessoas que não vivem no que nós denominamos “uma nação sem Estado”. A Galícia é uma província dentro do Estado Espanhol que fruto das lutas sociais que têm sido levadas a cabo desde os finais do século XIX foi atingindo níveis importantes de autonomia, mas presentemente são insuficientes e daí que neste momento em províncias como o País Basco, Catalunha e Galícia se estão a exigir uma maior dimensão nos Estatutos de Autonomia que nos governam.

A finalidade do Manifesto do 15 de Dezembro de 2001, divulgado em Santiago de Compostela, era de protestar pela política lingüística que tem vindo a ser promovida pelo Governo galego, do Partido Popular, do mesmo partido que Governa o Estado Espanhol. Na Galícia a língua que falamos é o galego, também o espanhol, mas a língua própria, é o galego. Esta língua é uma variante do português, mas a política oficial, num primeiro momento tratou de a proibir. De fato durante a minha infância na escola castigavam-nos se falávamos em galego. Era a língua da incultura, diziam, e proibiam-nos de falar e, claro, estudar. Com a chegada da democracia e, em concreto, com a aprovação da Constituição Espanhola de 1978, reconheceu-se a Galícia como uma Nacionalidade histórica e o “direito” a falar-se em galego, mas não a “obrigação” de falar em galego. A política conservadora desde esse momento já não se opôs “oficialmente” à língua, mudou somente de estratégia: tentar dialetizar a língua galega, até se transformar numa variante do espanhol. Por ter sido tanto tempo proibida, a língua galega conservou-se fundamentalmente graças aos grupos mais populares, os que nunca tinham estudado ou tinham estudado pouco tempo. A língua ao ser estudada foi-se misturando com vocabulário e até com determinadas estruturas gramaticais próprias do espanhol. A estratégia de dialetização passava por legitimar essas influências e inclusivamente promover outras novas, até a língua galega ficar descaracterizada, confundindo-se com o espanhol. O movimento nacionalista apostou no reintegracionismo e a nossa estratégia e o nosso trabalho é recuperar a língua e devolvê-la ao início, o galego-português. É algo óbvio para qualquer Português, Brasileiro ou Galego, que vê como se entendem e utilizam o mesmo vocabulário.

Ser nacionalista de esquerda não é sinônimo de um reacionário e muito menos uma pessoa que quer abrir novas frentes para separar e expulsar aos não galegos.

Esta é a imagem que a direita e alguma esquerda estatal estão a divulgar para confundir a população e refrear o avanço do nacionalismo progressista. Nunca o nacionalismo galego falou de expulsão, mas sim de integração. Principalmente quando somos um dos povos do mundo que sofreu com mais crueldade o fenômeno da emigração. Nunca desde o nacionalismo se falou de refrear a chegada de imigrantes, algo que tanto o Partido Popular como o Partido Socialista Trabalhista Espanhol falam e legislam. Na realidade essa política de exclusão nacionalista é a que eles praticam, só que o que fazem é traçar outras fronteiras. Todos os dias as fronteiras espanholas expulsam centenas de cidadãos por não terem nascido na Espanha. Os nacionalistas galegos estão contra as leis de estrangeiros aprovadas no Parlamento Espanhol e contra elas votaram os Deputados do Bloco Nacionalista Galego.

O movimento nacionalista de esquerda pretende que a Galícia amplie o seu Estatuto de Autonomia para poder desenvolver as suas potencialidades econômicas, culturais e sociais, mas tendo ciente que a internacionalização e o universalismo são as chaves que devem impregnar e construir todas as nossas ações. Aquilo que nós sempre afirmamos é que o galego é todo o indivíduo que vive na Galícia e o que pretendemos é aproximar muito mais a cidadania às possibilidades de participar ativamente no projeto do que deve ser esta nação. De fato, uma das idéias que guiam os grupos nacionalistas é caminhar para uma Europa dos Povos, não dos Estados, pois acreditamos que desta forma cada uma das Nações que a compõem terão mais possibilidades de participar e agrupar. É a forma que considero para harmonizar uma Europa verdadeiramente democrática, sem “colônias interiores”, sem povos inteiros marginalizados.

Notas

1  Chumbar é uma expressão utilizada em Portugal para significar reprovação na escola. O mesmo que “tomar bomba” ou “rodar” no Brasil. [Nota dos editores]

David Hockney

.David Hockney – «Autumn Leaves«

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13 enero
2015
escrito por jurjo

Currículum intercultural, redes y comunidades globales de aprendizaje colaborativo

 

Jurjo Torres Santomé

   Leitura. Teoría & PráticaLeitura: Teoria & Prática,

Associação de Leitura do Brasil (ALB),

vol. 32, nº. 63, (Dezembro, 2014) pp. 51 – 75

En nuestras sociedades informacionales en las que, cada vez con mayor periodicidad, se constatan notables crecimientos exponenciales del conocimiento corremos el riesgo de perder de vista la razón de ser de políticas, actividades y conductas que realizamos rutinariamente; olvidando cuándo, porqué y los motivos que las promovían y dirigían. Peligro que se agrava en un momento como el presente en el que se está imponiendo en nuestros sistemas educativos una pedagogía burocrática y ahistórica, que promueve un injusto uniformismo, que desconsidera la diversidad de los contextos en el que están ubicados nuestros centros escolares, en especial los de titularidad pública; que ignora qué tipo de alumnado acogen, la realidad e idiosincrasia de cada estudiante, qué características tienen sus familias, de qué tipo de capital cultural y económico disponen, etc.

No podemos olvidar que una parte importante del alumnado problemático en los centros, con modelos de conducta antisocial, pertenece a familias económica, social y/o étnicamente desfavorecidas, o que están pasando por complejas y difíciles circunstancias de índole interpersonal, social, médico o laboral. En demasiados casos, suele ser frecuente la realidad de chicas y chicos que viven en primera línea esas enormes tensiones; que se sienten rechazados o infravalorados en sus barrios y en otros lugares que desearían frecuentar y que, a continuación, perciben que en los colegios a los que asisten tampoco son bienvenidos. Estas vivencias negativas no hacen más que acumularse en sus vidas; lo que con mucha probabilidad va a propiciar que se vean como seres fracasados y, en consecuencia, a buscar salidas alternativas; lo que explica que incluso una parte de ellos lo haga optando por conductas de violencia y de disrupción.

Los actuales sistemas educativos de la mayoría de los países de nuestro entorno están afectados de un injusto uniformismo, que lo único que refleja es una pérdida de memoria acerca de cuáles fueron y cómo continuaron evolucionando las razones de ser y finalidades de los sistemas educativos; cómo se fueron consolidando a lo largo de la historia, mediante qué dinámicas y luchas.

En estas últimas décadas estamos viendo como, al amparo de una fuerte crisis financiera que situó a nuestros países casi a borde de la bancarrota, un número creciente de ciudadanos y ciudadanas está cayendo en la pobreza más absoluta, haciéndoles sentirse cada vez más al margen de la historia.

Esta situación de crisis económica está siendo utilizada por los sectores más neoliberales y conservadores de nuestra sociedad para, a su vez, redefinir los sistemas educativos de un modo completamente autoritario, sin el más mínimo debate y sin mecanismos de toma de decisiones de manera democrática. Por el contrario, grandes organizaciones mundialistas como la OCDE, el Fondo Monetario Internacional y el Banco Mundial están pasando a ejercer de gobierno mundial, pero sin ser elegidos democráticamente por la ciudadanía de aquellos países a los cuales imponen sus políticas económicas, sociales y, en consecuencia, también educativas. La estrategia de las estadísticas comparativistas a nivel mundial, de la que se vienen sirviendo (Jurjo TORRES SANTOMÉ, 2011), con la finalidad de reorientar la educación de las nuevas generaciones para formar trabajadoras y trabajadores y consumidoras y consumidores, aleja cada vez más las metas que sirvieron de acicate para las grandes luchas sociales y sindicales en favor de un sistema escolar dirigido a conformar una ciudadanía más educada, capaz de analizar y tomar decisiones informadas y razonadas acerca de todo lo que acontece a su alrededor. La política comparativista, por ejemplo, la que subyace en las pruebas de PISA, sirve para obsesionar a los gobiernos e, incluso, al profesorado con buscar estrategias para implementar en las aulas, que incidan en la enseñanza al alumnado de trucos eficaces para favorecer una mejora de los resultados en las próximas estadísticas.

Carlo CarràEstamos viviendo una peligrosa desvirtuación de los sistemas educativos, algo que es constatable, entre otras cosas en las dificultades de la inmensa mayoría de la ciudadanía para comprender el mundo en el que vivimos y cómo podemos mejorarlo. Por el contrario, el desarrollismo que tanto nuestros sistemas económicos y productivos, como también los sistemas educativos se vienen encargando de propagar impide que numerosas personas caigan en la cuenta de que el desarrollo nos llevó al consumo desmedido, a la competitividad, a asumir una posibilidad de crecimiento sin límites, a avalar procesos de explotación económica y laboral, confiando en que esta era la única vía para mejorar la situación de toda la población a medio y largo plazo, pero de manera especial la de los colectivos sociales más explotados, de quienes arrancan en peores condiciones. El capitalismo depredador, así como los colonialismos y los modernos neocolonialismos se vienen apoyando notablemente en esa confianza ilimitada en el desarrollo; confianza que también los libros de texto siguen tratando de inculcar en la mente de cada estudiante (Jurjo TORRES SANTOMÉ, 2011).

Para nadie es un secreto las contradicciones con las que una gran parte del profesorado y estudiantes planifican, organizan y desarrollan su vida en el seno de las instituciones escolares. Pese a enunciados en los proyectos curriculares de centro y de aula definiendo al centro como una estructura democrática e, incluso, argumentando que la mejor manera de formar una ciudadanía democrática es mediante la práctica de una cultura democrática en la organización y gestión de la institución escolar, la realidad más aplastante es que aun estamos muy lejos de los compromisos a los que obligan, entre otros, la Convención sobre los Derechos de la Infancia, de 1989.

Incorporar al alumnado en la toma de decisiones, además de ser una modalidad respetuosa de sus derechos como ciudadanos y ciudadanas, que contribuye de manera decisiva a su educación política y cívica, sirve como estrategia para co-responsabilizarlos de la organización del centro y, por tanto, de las tareas escolares necesarias para llevar a buen término el proyecto curricular del aula y del centro escolar.

En el fondo, todavía seguimos lastrados por una concepción de la infancia completamente inadecuada a los tiempos que nos está tocando vivir. Conviene no olvidar que la etimología latina infans alude a una etapa dominada por carencias. La palabra está compuesta del prefijo privativo in y el participio presente fans, del verbo for, fari, fatus sum, que significa hablar, decir; de modo que, literalmente, infancia significa ausencia de habla; el que no habla; o sea, quien no tiene nada que decir y, por tanto, no necesita hablar. Preguntemos a cualquier persona que haya estado escolarizada cual es la palabra que más veces escuchó en las aulas. Sus respuestas harán visible el autoritarismo del modelo todavía vigente en un buen número de aulas escolares; con seguridad sus respuestas serán que lo que más veces escucharon fueron expresiones como: «silencio», «cerrar la boca», «no hableis», …

Allison JAMES y Alan PROUT (1997, pág. XV), mencionan seis problemas que subrayan hasta qué punto la infancia es un colectivo que el mundo adulto no contempla en todos sus análisis sobre la realidad; que sigue siendo un sector de la población invisible en cuanto a contar con él para los análisis de la realidad y la consiguiente toma de decisiones. Este silenciamiento es manifiesto en los numerosos errores en los que se acostumbra a caer en las investigaciones sobre la infancia y adolescencia, por ejemplo, en la recogida de información específica sobre la infancia; en los fallos en el reconocimiento de la contribución productiva de las niñas y niños; en la no participación de las niñas y niños en la toma de decisiones; en el uso de un modelo estándar de infancia inadecuado; en la búsqueda de intereses adultos mediante vías que reducen a los niños y niñas a la pasividad; en la falta de atención a las relaciones de género y, asimismo a las intergeneracionales. Asimismo, habría que añadir la existencia de una completa omisión de las dimensiones multiculturales derivadas de la pertenencia de los chicas y chicos a una determinada etnia, religión, periodo histórico, … que contribuyeron decisivamente a conformar específicas maneras de ver y actuar sobre el mundo.

Conviene ser conscientes de que la infancia y el debate sobre el tipo de educación que debe recibir está condicionado por la propia concepción de lo que consideramos que es un niño y una niña, por el tipo de argumentos y características con las que se clasifiquen las diferentes fases de su desarrollo evolutivo, así como por el modelo de sociedad en el que vivimos y por el que deseamos conformar en un futuro a medio y largo plazo.

Frente a las tradicionales concepciones deterministas y uniformistas de la infancia -considerando que todas los niños y niñas son iguales; que su personalidad, sus características psíquicas y físicas están determinadas por sus códigos genéticos, por sus idiosincrásicos genomas, o por los dones distintivos que la divinidad les otorgó, o por la estructura de la bóveda celeste en el momento de su nacimiento- que, por consiguiente, creían que los programas educativos apenas podían incidir en su desarrollo futuro, la Modernidad va a traer consigo transformaciones de enorme calado. De este modo, aproximadamente desde el siglo XVII hasta la actualidad, las explicaciones sobre la infancia van a cambiar de una manera radical la conducta de las personas adultas frente a la infancia; va a transformarse nuestra concepción de como vemos y, en consecuencia, como nos relacionamos con niñas, niños y adolescentes. Es a partir de la Modernidad cuando comenzaremos a contemplar a la infancia como una construcción social (Philippe ARIÈS, 1987).

No obstante, cuando se hacen enunciados como que la infancia es una construcción social es preciso ver qué características tienen los discursos, imaginarios y teorías que se vinieron elaborando y con las que venimos condicionando nuestras miradas e intervenciones sobre esa etapa evolutiva del ser humano; qué evoluciones, rupturas y continuidades se mantienen en tales explicaciones de esa construcción; en qué momentos históricos y lugares se producen y los porqués. Es una obligación científica, ética y política la tarea de desvelar qué papel vinieron desempeñando campos organizados del conocimiento como, por ejemplo, la medicina, la psicología, la sociología, la antropología, la filosofía, las religiones, la biología, las tecnologías, … Cometido que, a su vez, impone tomar en consideración qué dinámicas sociohistóricas nos permitieron y forzaron a ver que la categoría infancia es demasiado amplia; que esconde la realidad de múltiples infancias, con consideraciones, posibilidades y oportunidades muy diferentes y desiguales. Urge, asimismo, sacar a la luz qué luchas sociales vienen resultando más exitosas en la conquista y consolidación de cartas de Derechos Humanos y de reformas constitucionales y legislativas con las que comprometer a los poderes públicos y a la ciudadanía en general de todos los países de la tierra para garantizar el acceso a la educación, con suficientes recursos y de buena calidad.

Fortunato Depero

Obviamente, y por desgracia, la historia nos debe hacer conscientes de que todavía no es lo mismo ser niña que ser niño, así como también que es imprescindible contemplar en qué continente, país, ciudad o núcleo rural determinado se nace y vive, al igual que el capital económico y cultural que caracteriza a la familia a la que se pertenece, con qué posibles discapacidades se inicia la vida de cada persona, etc.

Las distintas concepciones de la infancia y, por tanto, las posibilidades que se les abren a las niñas y niños no son iguales y universales, sino que son específicas de un determinado espacio y tiempo.

Las distintas ideologías y sistemas políticos más hegemónicos asumen imaginarios concretos acerca de lo que es la infancia; al igual que ofrecen explicaciones y orientaciones de como intervenir en su desarrollo las concepciones culturales y filosofías dominantes en cada sociedad. Como también pone de relieve Pierre BOURDIEU, los «sistemas simbólicos», tales como la lengua, el arte, la ciencia, la religión, etc., en cuanto instrumentos de conocimiento y de comunicación, son estructuras estructurantes que construyen la realidad, el sentido inmediato del mundo; «deben su fuerza propia al hecho de que las relaciones de fuerza que allí se expresan no se manifiestan sino bajo la forma irreconocible de relaciones de sentido (desplazamiento)» (Pierre BOURDIEU, 2000, pág. 71). El poder simbólico es determinante en la construcción de la realidad ya que «tiende a establecer un orden gnoseológico: el sentido inmediato del mundo (y, en particular, del mundo social) supone lo que Durkheim llama el conformismo lógico, es decir ´una concepción homogénea del tiempo, del espacio, del número, de la causa, que hace posible el acuerdo entre las inteligencias`» (pág. 67).

Va a ser especialmente en el siglo XIX cuando comience a acentuarse el interés por la infancia, especialmente a medida que la industrialización iba mudando el rostro y condiciones de vida en las ciudades. Es en ese momento cuando en el hemisferio norte -aunque también en este sector con notables diferencias entre continentes y países- se produce un acelerado crecimiento de las ciudades, no planificado en la mayoría de las ocasiones, derivado de una llegada masiva de hombres y mujeres que hasta ese momento vivían en los núcleos rurales. Personas que eran atraídas a las ciudades llamadas por la necesidad de mano de obra para las grandes fábricas que la naciente industrialización estaba a propiciar. Es, por tanto, el momento en el que la infancia cobra mayor visibilidad, pues en la medida en que las madres y padres eran imprescindibles para poner en marcha los grandes complejos industriales, surge la necesidad de hacer frente a los cuidados que requieren niñas y niños en estas etapas de su desarrollo evolutivo.

A medida que la ciencia va abriendo posibilidades al desarrollo de un ser humano hasta muy recientemente contemplado como ya programado, sin verdadera autonomía ni libertades, el futuro se contempla con mayor apertura y con más inseguridad; pues todo va a depender de las propias interacciones, decisiones y comportamientos de las personas que conforman cada sociedad en cada momento sociohistórico concreto.

Ante una infancia sin limitaciones que no sean las propiamente derivadas del específico mundo social, político, económico y cultural que las personas adultas venimos generando, la educación pasa a contemplarse como un elemento decisivo para el desarrollo de cada niña y niño.

Pero igualmente, en la medida en que avanzamos en el conocimiento del ser humano y vamos siendo conscientes de sus derechos, también se producen transformaciones importantes en la concepción de cada una de las etapas en las que venimos diferenciando el desarrollo humano.

En un primer momento histórico la infancia es contemplada dirigida hacia la construcción de su adultez; cada una de las etapas de su desarrollo se considera como eslabón más de una cadena que lleva a una etapa final que es la de convertirse en persona adulta. En la medida en que nos obsesiona ese punto final del desarrollo es muy fácil descuidar la vivencia en plenitud de cada una de esas etapas; el sacar el mayor partido posible a cada momento, el vivir cada etapa en sí misma, sin los aplazamientos que conlleva verse como ser inacabado y por tanto siempre esperando a ser adulto para «ser».

Ante las nuevas concepciones de la infancia y de la adolescencia cobran mayor visibilidad e importancia el sentido político de las opciones y de las posibilidades que se ofrecen para su desarrollo y educación.

Es preciso caer en la cuenta de la importancia de sacar a la luz cómo las distintas sociedades, especialmente a partir de la Ilustración, van tratando de definir e influir en el desarrollo de la infancia, considerando como «razonables» determinadas visiones de la infancia y, por tanto de las características y condiciones de su educación y escolarización. Concepciones razonables que a la vez que benefician a un determinado sector de la población infantil, al que toman como modelo y estándar, perjudican y excluyen a los otros.

De este modo, los sistemas educativos, los discursos y los modelos pedagógicos con los que se viene organizando la escolarización de ninguna manera podemos contemplarlos como universales, lógicos y, especialmente, como justos. Los implícitos que subyacen en la creación y consolidación de los actuales sistemas educativos son opciones parciales y sesgadas, aunque, por supuesto, difíciles de sacar a la luz. De ahí las dificultades a la hora de proponer cualquier reforma educativa. Hay un sentido común dominante entre quienes toman las decisiones políticas, pero también entre el profesorado, las familias e, incluso, entre el alumnado que dificulta ir más allá de lo que se considera «lógico» y «razonable». Un sentido común que es el resultado de numerosas tensiones y luchas entre discursos y concepciones científicas, ideológicas y, por supuesto, pedagógicas muy anteriores en el tiempo, pero que mientras no caigamos en la cuenta de su génesis se convierten en grandes losas inamovibles y paralizantes.

Como subraya el propio Michel FOUCAULT (1987), cada sistema educativo es un medio político de mantener o modificar la adecuación de los discursos con el conocimiento y el poder que traen consigo. En este sentido, como Ingólfur Ásgeir JÓHANNESSON también pone de relieve, «un estudio genealógico de las conexiones epistemológicas y políticas identifica las múltiples posibilidades para las conexiones discursivas y nos recuerda que mantener una actitud prudente no debería impedirnos realizar un trabajo que tenga el potencial para desconectar y reconectar los temas discursivos y, en consecuencia, para romper con el ´hacer lo mismo de siempre`» (2000, págs. 310-311); es la manera de encontrar los modos más eficaces de realizar aquellas rupturas con mayor potencial para que cualquier reforma pueda planificarse y, seguidamente, implementarse con mayores posibilidades de éxito.

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Las nuevas posibilidades delas redes y comunidades globales en el momento presente

Benedetta Cappa Marinetti
Todo proyecto curricular refleja un momento particular de la historia de una comunidad, de un país, pero según el modo en el que se trabaje en las instituciones escolares corre el riesgo de que ese determinado espacio temporal acabe por aparecer como «toda» la historia de esa comunidad. Como si realmente ya hubiéramos llegado al final de la historia o hubiera quedado detenido el curso de la historia.

Si las instituciones escolares son los espacios donde conviven poblaciones de distintos orígenes geográficos, con historias, tradiciones y valores originariamente diferentes, es obvio que la revisión de los contenidos escolares, de las estrategias didácticas y de los modelos de asesoramiento y de evaluación se convierten en muy urgente. De lo contrario se corre el riesgo de estar apostando por políticas asimilacionistas; o, incluso, lo que es peor, por contribuir inconscientemente a educar en el «autodio» a quienes tienen otras identidades, a quienes con facilidad se le va a etiquetar como los «diferentes». La homogeneidad cultural, cuando no el asimilacionismo que promueven, en la práctica, la mayoría de las instituciones escolares genera y amplifica desigualdades sociales, económicas y culturales.

Fenómeno que se ve favorecido en momentos como el presente donde las políticas económicas neoliberales invaden y condicionan todas las instituciones sociales y la vida de la ciudadanía.

Pienso que la inmensa mayoría de las personas ya admiten que estamos ante un sistema educativo que desde planteamientos economicistas se ocupa de trabajar en dos direcciones convergentes: por una parte, contribuir a satisfacer las exigencias de formación requeridas para asegurar las necesidades de un sistema de producción eficaz, diseñado en función de los intereses de los grandes lobbies empresariales; y por otra, seleccionar el conocimiento oficial y divulgar los discursos necesarios con los que moldear las conciencias de la ciudadanía de cara a legitimar a las opciones neoliberales e ideologías conservadoras como las únicas viables y lógicas y, como resultado de ello, mantener el mayor grado posible de paz y de armonía social, sin tener que recurrir a otras excepcionales medidas de coacción.

Es muy importante caer en la cuenta de que este proceso de redefinición de las finalidades de los sistemas educativos se está diseñando e implementando sin los necesarios debates democráticos y, muy especialmente, sin ofrecer una información relevante sobre qué está pasando realmente en los centros escolares y sus aulas y, por consiguiente, sin que la ciudadanía e, incluso, el propio profesorado pueda hacer sus voces. De ahí que, a medida, que afloran otras voces «no oficiales» con datos y textos con diagnósticos verdaderamente convincentes la ciudadanía trate de pedir a los poderes dominantes explicaciones acerca de las medidas que legislativamente se están dictando y, en general, de lo que está pasando.

Las redes sociales dejaron de manifiesto que son un poderoso instrumento a la hora de divulgar información, de generar opinión y de proponer y coordinar acciones. Hace pocos años atrás eran los sms de la telefonía móvil el recurso para divulgar información y coordinar acciones con enorme rapidez y eficacia. Ahí están los ejemplos de grandes movilizaciones políticas para protestar, por ejemplo, contra las mentiras del Gobierno que presidía José María Aznar en el momento de los gravísimos atentados terroristas del 11 M en Madrid (11 de marzo de 2004), tratando de culpabilizar a ETA para, de este modo, poder cobrar ventaja en las elecciones políticas que tenían lugar unos días después. Los sms que la población iba intercambiando denunciando las mentiras y manipulaciones del gobierno fueron el canal informativo que en la práctica resultó más eficaz, posibilitando un vuelco electoral a favor del PSOE en las votaciones del día 14, tres días más tarde de los atentados terroristas.

Este mismo recurso a la telefonía móvil también había tenido una enorme influencia en las movilizaciones contra la invasión de Irak en 2003; invasión propiciada por las mentiras y falsas pruebas de amenaza de guerra nuclear que estaría preparando el gobierno presidido por Saddam Husein; mentiras que se inventó la coalición que dirigía Estados Unidos y en la que también participaba el Gobierno del Partido Popular que presidía José Mª Aznar y que dieron lugar a la invasión de ese país.

Unos años más tarde, ya en el momento presente, las grandes movilizaciones del «Movimiento 15 M» o de los «indignados [1]«, que hace su aparición en público precisamente el 15 de mayo de 2011, va a tener como principal canal informativo y de coordinación a las redes sociales. Un movimiento cuya filosofía va a tener un gran impacto y aceptación en todo el planeta y que, desde los primeros momento, va tener su extensión por todo el mundo con denominaciones más o menos semejantes.

Las revoluciones árabes, el movimiento 15M, «Ocupar Wall Street»… son algo que trasciende en sus impactos a las transformaciones locales que generan, pues su dimensión ejemplificante y educadora le llevan a despertar y movilizar otras realidades más lejanas en los que la ciudadanía sufre problemas semejantes.

En el momento presente, cabe reseñar que las propias movilizaciones del profesorado y de la comunidad educativa en general en la Comunidad de Madrid, tienen en su punto de arranque una web creada el 22 de junio de 2011 por Isabel Galvín, como representante de un conjunto de docentes, bajo el rótulo: «Yo también me pondré una camiseta por la escuela pública el primer día del curso [2]«. Las numerosas adhesiones y el dinamismo de las interacciones de los participantes llevaron a la generación de un símbolo de agrupación, movilización y de reivindicación como son la «camisetas verdes» con la leyenda «Escuela pública de tod@s para tod@s».

Una iniciativa de un grupo muy reducido de personas y limitada a un simple gesto como el de ponerse una camiseta con una leyenda en defensa de la Escuela Pública, se desbordó, enriqueciéndose notablemente a medida que este problema iba sometiéndose a debate entre más y más personas que día a día accedían a esta red. Sindicatos y partidos políticos vieron sobrepasada su capacidad de iniciativa y de movilización en el grado en el que las bases iban debatiendo y coordinando sus propuestas en la red.

Las redes sociales, en general, están poniendo de manifiesto que son un poderoso recurso para el empoderamiento de la ciudadanía. Numerosos colectivos humanos logran una mayor visibilización y difusión de sus problemas, dificultades y aspiraciones y, en consecuencia, acaban convirtiéndose en motor de iniciativas para solventarlas.

En las redes cada ciudadana y ciudadano puede convertirse en informante o en periodista y, por tanto, narrar, opinar, abrir debates, proponer alternativas, … a las cuestiones que les preocupan. En la medida en que estamos ya en redes que se sirven de los nuevos desarrollos tecnológicos, todas aquellas personas con las que se interacciona van a transformarse a su vez en agentes que ejercen un pensamiento crítico con las ideas que reciben en estos procesos de intercambio.

A la hora de pensar con la mirada puesta en los sistemas educativos conviene ser conscientes de que las redes son un fenómeno novedoso, pero con un enorme potencial de posibilidades y de un gran atractivo para la población. Pensemos que es a partir de la segunda mitad de la primera década del siglo XXI cuando se crean y, con gran rapidez, empieza su utilización a gran escala.

Así, por ejemplo, Facebook (www.facebook.com), es a partir de 2006 cuando inicia su imparable extensión. Una de las redes punteras en cuanto a número de personas que registra como usuarias en todo el planeta; en la actualidad, más de 500 millones.

Twitter (twitter.com), es también otra red surgida en 2006 y, en el momento presente con alrededor de 200 millones de personas que se sirven de ella para comunicarse. Permite intercambiar mensajes cortos, con un máximo de 140 caracteres, denominados «Tweets». Las personas registradas lo que hacen además de emitir sus propios mensajes es suscribirse a los que emiten otras; los seguidores se denominan de manera más idiosincrácia como «tweeps» (una fusión de Twitter y «peeps»), al tiempo que se generaliza como verbo de acción «twittear».

MySpace (www.myspace.com), es una red creada en 2003, pero originariamente destinada al entretenimiento, sobre la base de compartir música, videos y fotos. A medida que Facebook iba ganando terreno, MySpace en su afán por competir se dedica a incorporar nuevas funciones, pero sus usuarios, mayoritariamente siguen recurriendo a ella para compartir gustos y aficiones.

Xing (http://www.xing.com/), surge también en 2003, pero esta red social es más de ámbito profesional; destinada a coordinar y acrecentar contactos entre profesionales. Los objetivos de quienes recurren a esta red tienen como estímulo tratar de lograr el mayor número de contactos, para amplificar sus posibilidades laborales como profesionales del sector en el que se mueven.

Tuenti (www.tuenti.com), tal y como se especifica en su carta de presentación, «es una plataforma social privada que utilizan millones de personas para comunicarse entre ellas y compartir información»; o sea, una filosofía semejante a la de cualquier otra red social. Esta red creada también en 2006, en un principio estaba dirigida a la comunicación entre estudiantes universitarios, pero con posterioridad se convertirá en la red del público más más joven. La mayoría de sus usuarias y usuarios son estudiantes entre 10 y 25 años que comparten fotos, vídeos, intercambian mensajes, planifican y coordinan actividades, etc. Hasta fechas muy recientes, octubre de 2011, para acceder a ella era preciso recibir una invitación; en la actualidad este requisito se ha eliminado.

Si las redes están teniendo un impacto tan significativo entre la ciudadanía y en la actividad de sus organizaciones y movimientos sociales es obvio que también son un recurso muy apropiado para utilizar en el marco de los proyectos curriculares de aula y de centro.

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Las posibilidades de una educación democrática y crítica mediante redes sociales

Hans Hofmann

El mundo digital y los diferentes instrumentos o gadgets que está propiciando están alterando el mundo de las relaciones comunicativas y, en consecuencia, deberían ser un recurso más en los procesos de enseñanza y aprendizaje en las aulas. Una mirada a los gadgets que acompañan la vida cotidiana del alumnado nos permite constatar su enorme impacto, pero, por ahora, mayoritariamente circunscritos al ámbito de su vida privada y a los tiempos de ocio y recreo. Cada día que pasa, es más fácil observar entre las pertenencias del alumnado objetos como: teléfonos móviles, iPods, iPads, Notebooks, e-Books, Tablets, PlayStations de bolsillo, …; a su vez, dotados de herramientas como Skype, TokBox, Blu-ray Disc, mp4, Facebook, Twitter, MySpace, Messenger, DivX, iTunes, Spotify, YouTube, TubeTV, Flickr, Windows Media Player, Real Player, iPhoto, QuickTime Player, GarageBand, iMovie, iDVD, Multi-Touch, y, por supuesto los Navegadores para Internet de mayor uso, procesadores de texto, calculadoras, agendas electrónicas, …; junto con pendrives, auriculares inalámbricos, etc. El enorme reto que ya está, aunque tímidamente, afrontando el profesorado es el de incorporar este tipo de hardware y software en el abanico de recursos para desarrollar sus propuestas curriculares.

En el mundo de las aulas, nadie va a discutir las oportunidades que abren las TIC, pero sabiendo que lo verdaderamente decisivo es su función de recurso y herramienta para llevar a cabo procesos de enseñanza y aprendizaje, en el marco de la propuesta curricular que se planifica y diseña para ser puesta en práctica.

Este tipo de tecnologías favorecen enormemente nuevas formas de crear, acceder, distribuir, recibir, leer e intercambiar: textos, imágenes, películas y sonidos; utilizar y construir hiperenlaces entre esas imágenes, sonidos y textos. Lo que, de la mano de un profesorado bien preparado, va a posibilitar la transformación de una institución tradicionalmente dedicada a reproducir información -en un buen montón de casos, desfasada-, en productora de saber, utilizando la expresión de Colin LANKSHEAR y Michele KNOBEL (2008, pág. 200). Unas herramientas que pueden contribuir a hacer factible que el alumnado vaya abandonando una mentalidad escolar, que Chris BIGUM denomina, «puerta de frigorífico»[3]. O sea, cada estudiante realiza la tarea que le encarga el profesorado; seguidamente es evaluado y este trabajo ya puede llevarse para casa, donde podría «publicarse» temporalmente en la puerta del frigorífico, de manera especial si es un dibujo. Esta tarea escolar, tradicionalmente, no versa sobre un problema real que le interese o preocupe al alumnado; ese conocimiento reproducido en tales folios no tiene por finalidad resolver dudas o necesidades reales, sino más bien cumplir un requisito para aprobar esa asignatura y poder pasar al curso siguiente.

Entre las grandes transformaciones que se están originando en el mundo actual, una muy decisiva que se deriva de la revolución digital, es la eclosión de lo que genéricamente denominamos como redes sociales, o también “autocomunicación de masas”, según expresión de Manuel CASTELLS. Proceso que, de manera más decisiva, es consecuencia del desarrollo de las llamadas Web 2.0 y Web 3.0; o sea, del «grupo de tecnologías, dispositivos y aplicaciones que sustentan la proliferación de espacios sociales en internet gracias la mayor capacidad de la banda ancha, el revolucionario software de código abierto y la mejor calidad de los gráficos y el interfaz, incluyendo la interacción de avatares en espacios virtuales tridimensionales” (Manuel CASTELLS, 2009, pág. 101).

Este novedoso fenómeno de las comunidades virtuales, también denominadas «comunidades en línea» o «comunidades electrónicas», en la medida en que se generalizan las webcams en todos los ordenadores y teléfonos móviles, junto con paquetes de software cada vez más con mayores posibilidades, están mudando de un modo radical las relaciones interpersonales y, por tanto, las formas de acceder, conocer e interrelacionarse con otras personas; así como la profundidad y frecuencia de las relaciones, los motivos de los contactos e, igualmente, los grupos de pertenencia y de referencia.

Recordemos que en el origen de esta redes se encuentra el experimento o teoría de los «seis grados de separación» o, expresado de manera más popular, el dicho de que «el mundo es un pañuelo». Según este modelo de red, toda persona estaría conectada con cualquier otra de este planeta a través de una cadena de seres conocidos con no más de cinco eslabones o puntos de unión. Según esta teoría -cuyo origen se sitúa a principios del siglo XX en un relato del escritor húngaro Frigyes KARINTHY (1887-1938), «Eslabones», pero que posteriormente, en 1967, trataría de ponerla en práctica el psicólogo social Stanley MILGRAM-, únicamente seis pasos o grados nos separarían de cualquier otro ser humano del planeta.

La interacción es una de las notas idiosincrásicas de una red social, algo que va a diferenciar por completo a estas redes de la comunicación frente a otras más pasivas tales como los medios de comunicación más tradicionales, por ejemplo, la radio, la televisión o los periódicos y revistas. No obstante, en los últimos años las posibilidades de la Web 2.0 están dando lugar a grandes transformaciones en tales medios que se ven obligados a implicar cada vez más a su público receptor, transformándolo también en emisor, a través de sms, messenger, redes como Facebook, Twitter, …

Las redes, no sólo están sirviendo para ampliar enormemente las posibilidades de comunicación entre los seres humanos, así como sus relaciones laborales, profesionales y de ocio, sino que, asimismo, están posibilitando otros modelos de aprendizaje más interactivos y cooperativos. En el momento presente ya nadie duda de que las redes están dando lugar a la creación de un nuevo tipo de conocimiento compartido, más democrático y con mayores probabilidades de que sea accesible a todo el mundo. Recordemos, a modo de ejemplo, el enorme impacto de la información que una red como Wikileaks viene haciendo pública.

Uno de los muchos logros de Internet es que hizo posible la construcción de plataformas virtuales para integrar y vertebrar este nuevo tipo de redes sociales; un buen ejemplo de este fenómeno son lugares ya muy conocidos en la web como: Facebook (www.facebook.com), MySpace (www.myspace.com), Twitter (twitter.com), Friendster (www.friendster.com), Second Life (secondlife.com), Tribe (www.tribe.net), Xing (www.xing.com), Tuenti (www.tuenti.com), Dejaboo (dejaboo.net), Festuc (www.festuc.com/es), LinkedIn (www.linkedin.com), etc.

Cada comunidad virtual está formada por un grupo de usuarias y usuarios de Internet cuyos vínculos, interacciones y relaciones tienen lugar no en un espacio físico sino en un espacio virtual. Aquí se permite compartir, divulgar y debatir noticias, opiniones, ideas, experiencias, conocimientos, … mediante chats, blogs, wikis, webcams, correos electrónicos, etc. Estamos ante grupos de personas que interactúan con un propósito definido: para satisfacer sus intereses y necesidades (profesionales, intelectuales, políticas, afectivas y de socialización), para llevar a cabo acciones más comunitarias[4] o para desempeñar roles específicos más allá de sus contextos físico-geográficos.

Las personas que componen cada comunidad fueron previamente seleccionadas como «amistades» o personas de confianza. Nadie se ve obligado o forzado a admitir a alguien que no desee. Su número de miembros, normalmente, tiende a ir en aumento en la medida en que esa comunidad se comporte de manera activa y, por consiguiente, sean frecuentes, constantes y, principalmente, interesantes los cruces de comunicaciones que cada miembro del grupo va generando. Es de este modo como las comunidades crecen y van a ir atrayendo a otras personas en principio más distantes.

El número de integrantes de una red social, a su vez, está sufriendo constantes altibajos en la medida en que cada persona dispone de total autonomía para entrar o abandonarla, así como para expulsar de su círculo de amistades y denunciar a aquéllas que se descubre que mienten, manipulan, acosan, engañan; a quienes hacen comentarios o incluyen materiales informativos o links inadecuados para esa comunidad o, simplemente, tratan de alterar el propósito o la filosofía que motiva a la mayoría de quienes integran esa red social.

Es necesario ser conscientes de que las redes sociales también están afectando a las identidades personales, pues tampoco podemos obviar que la red permite que un mismo individuo funcione con varias identidades simultáneamente, contribuyendo, en consecuencia, a generar también reacciones, previstas e imprevistas, en otras personas que, a su vez, tienen repercusiones sobre el emisor. Incluso contamos con herramientas específicamente destinadas a construir y probar a vivir con nuevas identidades, como es el caso de Second Life (secondlife.com). Esta red, en concreto, dio lugar a muchas otras posibilidades tanto comerciales como profesionales, educativas y relacionales como de ocio; aunque en la actualidad, al no posibilitar las comunicaciones «face to face«, sino mediante avatares, está quedando más relegada a los terrenos comerciales y de ocio.

Tampoco podemos obviar que el fenómeno de las redes sociales suele engendrar también un notable alarmismo entre el sector de las personas adultas. Normalmente, más entre aquellas que desconocen y no usan estas tecnologías o el software más específico vinculado a estas redes. Personas que, en su mayoría, no saben como manejarse en ellas o simplemente no tienen interés en conocerlas de cerca, pero que con demasiada frecuencia pasan a opinar sobre ellas sobre la base de la rumorología dominante entre su círculo de relaciones; tildando con demasiada facilidad de adictos o, simplemente, de «estúpidos» a quienes recurren y se mueven en ellas (recordemos el divulgado artículo de Nicholas CARR, «Is Google Making Us Stupid?«, 2008). De alguna manera, estamos ante reacciones similares a las que se produjeron en otros momentos de la historia frente a otras tecnologías verdaderamente poderosas e innovadoras.

Tanto la escritura como, posteriormente, la imprenta ya tuvieron a muy importantes detractores, al igual que acostumbra a pasar con toda nueva tecnología que se incorpora a nuestra vida cotidiana. Recordemos como en el Fedro de Platón, Sócrates se queja de los poderes perversos de la escritura, ya que, en la medida en que se generalizara, las personas dejaríamos de ejercitar nuestra memoria y nos volveríamos olvidadizos. Un miedo similar y con los mismos argumentos hicieron público otro buen número de personas a raíz de inventos como la imprenta y, lógicamente, los ordenadores personales.Bruce Riley

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Algunos antecedentes reseñables y posibilidades de las redes en la educación escolar

Las posibilidades educativas de las redes las podemos encontrar, a mi modo de ver, en dos grandes precursores: Celestin FREINET e Ivan ILLICH.

El maestro y pedagogo francés Célestin FREINET (Gars, 1896 – Vence, 1966), desde muy temprano, dado su contacto con el movimiento de la Escuela Nueva de Adolphe Ferrière, Ovide Decroly, Edgar Claparède y otros, se suma a la denuncia acerca de la fuerte inadecuación de los modelos educativos autoritarios y dogmáticos típicos de la escuela tradicional, y apuesta por trabajar en la línea de la Escuela Nueva. Este movimiento pedagógico de carácter paidocentrista, va a dar lugar a la creación de todo un rico caudal de metodologías didácticas tomando en consideración las necesidades e intereses de la infancia. Metodologías con las que se trata de favorecer el desarrollo de todas las potencialidades de los niños y niñas, sobre la base de estimular y apoyarse en su curiosidad y de fomentar sus capacidades investigadoras y espíritu crítico. Célestin Freinet, junto con su esposa Elise, también maestra, crean en 1948, en Cannes, la Cooperativa de Enseñanza Laica que muy pronto se transforma en el «Instituto de la Escuela Moderna«, y años más tarde en el «Instituto Cooperativo de la Escuela Moderna (ICEM)». Una institución centrada en la investigación, fabricación y difusión de recursos y materiales educativos.

Esta nueva pedagogía, auténticamente transformadora, abierta al mundo circundante, destinada a profundizar en el conocimiento y experiencia humana, a desarrollar la autonomía y creatividad del alumnado, dio lugar a todo un importante movimiento educativo que rápidamente se toma como modelo por numerosos pedagogos y maestros de izquierdas en numerosos países de Europa. Su filosofía educativa se basa en tres grandes principios: la libertad de expresión, la cooperación y la participación (Célestin FREINET, 1999).

La metodología freinetiana va a tener como motor poner siempre en acción esos tres principios, recurriendo al tanteo experimental, la libre expresión infantil, la comunicación, la cooperación y la investigación del entorno, apoyándose en todo un conjunto de técnicas que sirvieron para marcar la idiosincrasia de su método; entre éstas cabe destacar las tres siguientes:

1.   La correspondencia escolar. Si una de las notas que definen al ser humano es la sociabilidad, lógicamente aprender a comunicarse debe convertirse en uno de los focos de atención del sistema educativo. Mediante la correspondencia escolar el alumnado se ve estimulado a comunicarse con otros estudiantes más lejanos. A través del intercambio recíproco de cartas se informan, solicitan ayuda, divulgan, comentan y describen aquellas cosas que más les llaman la atención. De este modo mejoran tanto su nivel de comunicación escrita como sus habilidades lingüísticas, a la par que amplían su círculo de relaciones y acceden a informaciones que de otro modo difícilmente lograrían.

En este momento estas mismas tareas se pueden desarrollar mediante sms, chats, foros de debates, redes como Facebook, Tuenti, Skype, …

2.   La imprenta escolar. Técnica que facilita el diseño, elaboración y edición de un periódico para comunicarse el alumnado entre sí, y/o el centro escolar con otros del entorno o más distantes. Un recurso que, además, les capacita para moverse en un mundo en el que los medios de comunicación desempeñan muchas y variadas funciones.

En la actualidad ya sabemos las posibilidades del Hipertexto –un documento conformado por hiperenlaces, hipervínculos con los que interactuar- o de la gran variedad de producciones colectivas que permiten las “wikis”, mediante las que es factible crear textos en colaboración como, por ejemplo, la Wikipedia -una enciclopedia colaborativa creada en una «wiki» o espacio web.

3.   El diario escolar. Es el instrumento que le sirve a cada estudiante para narrar sus impresiones personales acerca de todo lo que acontece día a día, pero desde sus intereses y su óptica particular. Un recurso que se intercambia tanto con otros colegas como otros docentes y con la familia.

Los blogs, por ejemplo, vienen desempeñando en este momento esta clase de funciones.

Obviamente, estas técnicas, en especial la correspondencia escolar, precisaban del correo postal en aquellos momentos históricos en los que el movimiento Freinet iniciaba sus primeros pasos. Desde la aparición de la red, en especial la web 2.0, estas técnicas pasan a cobrar una importancia decisiva, pues a sus posibilidades hay que añadir las características de inmediatez y las enormes posibilidades de los nuevos formatos y herramientas asociados a estas tecnologías digitales.

Más próximos en el tiempo, otro precursor de la redes va a ser Ivan ILLICH (Viena, 1926 – Bremen, 2002). Fue un ex-sacerdote muy preocupado por el diálogo intercultural y uno de los grandes analistas de las instituciones escolares. Fue fundador en 1961 del CIDOC (Centro Intercultural de Documentación) en Cuernavaca, México, primeramente con la intención de formar a los misioneros que deseaban trabajar en Latinoamérica, pero desde muy pronto también se centró en uno de los espacios en los que puso a prueba distintas iniciativas educativas alternativas a las de las instituciones escolares más regladas y oficiales de aquel momento. Durante la década de los 60 y 70 el CIDOC se convierte en una institución de referencia a nivel mundial en cuanto a la investigación y propuesta de alternativas al modelo de escolarización dominante. Es el momento en el que constata y trata de luchar contra el papel reproductor de los modelos de poder dominantes que tanto la iglesia oficial como las escuelas desempeñan. En 1969 se seculariza y pasa a centrar su actividad en el diagnóstico del modelo educativo vigente y en poner de manifiesto su inadecuación al mundo actual. Las escuelas tal y como están concebidas no contribuyen a ayudar a superar las desigualdades. Denuncia que las instituciones escolares son incompatibles con una educación verdaderamente empoderadora, en la línea que venía denunciando también Paulo Freire.

Pero frente a las alternativas freirianas, Ivan Illich, a la par que denuncia el sistema educativo autoritario, dogmático y alienante de aquellos años y su inadecuación a los ideales democráticos que caracterizan el siglo XX, va a sugerir la necesidad de repensar los fines de la educación y, en consecuencia, los medios y recursos más apropiados. Apuesta por diseñar y crear otro tipo de modelo educativo, basado en una «educación desescolarizada», no ofrecida en escuelas sino mediante redes.

«Un buen sistema educacional debería tener tres objetivos: proporcionar a todos aquellos que lo quieren el acceso a recursos disponibles en cualquier momento de sus vidas; dotar a todos los que quieran compartir lo que saben del poder de encontrar a quienes quieran aprender de ellos; y, finalmente, dar a todo aquel que quiera presentar al público un tema de debate la oportunidad de dar a conocer su argumento» (Ivan ILLICH, 1974, pág. 101). Entre los requisitos, estrategias y recursos para llevar a cabo esta filosofía educativa, en las aulas debería ser absolutamente frecuente el uso de una «tecnología moderna para lograr que la libre expresión, la libre reunión y la prensa libre fuesen realmente universales y, por consiguiente, plenamente educativas» (Ivan ILLICH, 1974, pág. 101), Tecnología que en aquellos años se circunscribía únicamente a los videos, grabadoras y reproductoras de audio, fotocopiadoras, imprentas, teléfonos fijos, radio y televisión.

El mismo Ivan ILLICH ya avanzaba que era urgente generar nuevas instituciones educativas apropiadas a estas nuevas finalidades democratizadoras del saber; nuevos espacios que «deberían ser canales a los que el aprendiz tuviese acceso sin credenciales ni título de linaje -espacios públicos en los que iguales y mayores situados fuera de su horizonte inmediato se le harían accesibles» (Ivan ILLICH, 1974, pág. 102).

Ivan ILLICH va a proponer cuatro tipos de redes con las que facilitar el acceso del alumnado a cualquier recurso educativo que pueda «ayudarle a definir y lograr sus propias metas» (Ivan ILLICH, 1974, pág. 104):

1.   «Servicios de Referencia respecto de Objetos Educativos«. O sea, hacer más accesibles al alumnado, al igual que a aquellas personas interesadas en ampliar sus conocimientos, los recursos contenidos en las bibliotecas, laboratorios, museos y salas de exposición, teatros, etc.

2.   «Lonjas de Habilidades«. Lugares que permitan a las personas hacer pública una lista de sus habilidades, las direcciones donde encontrase, las condiciones para compartirlas con otras personas interesadas.

3.   «Servicio de Búsqueda de Compañero«. Esta sería una red de comunicaciones que permita a las personas especificar qué aprendizajes desean llevar a cabo y, en consecuencia divulgar tales necesidades con la esperanza de hallar otras mujeres y hombres como colaboradores para satisfacerlas.

4.   «Servicios de Referencia respecto de Educadores Independientes«. Una especie de catálogo elaborado por los propios demandantes de servicios educativos en el que se indiquen las direcciones y las descripciones de profesionales o de cualquier otro tipo de especialistas dispuestos a ayudar, conjuntamente con las condiciones de acceso a sus servicios. Para elaborar estos catálogos se podría recurrir a encuestas y entrevistas de las persona con las que estos profesionales colaboraron antes (Ivan ILLICH, 1974, págs. 104 – 105).

Como podemos constatar esto que hace cuatro décadas nos parecía una utopía es hoy una realidad a la que recurrimos cotidianamente. Pensemos como, por ejemplo y refiriéndonos a la última red, ya es una rutina para un importante porcentaje de la población consultar en los distintos buscadores de Internet opiniones y valoraciones de aquellos profesionales con los que queremos contactar, para conocer la experiencia de aquellas personas con las que antes éstos interactuaron.

Pero volviendo al presente, conviene ser consciente de que las distintas redes sociales pueden ser de gran utilidad en los centros escolares en los procesos de enseñanza y aprendizaje.

Max ErnstLa virtualidad posibilita la creación de nuevos ambientes de aprendizaje, tanto formales como informales, en el grado en que favorece establecer contactos y organizar debates con un mayor número de personas, ubicadas en espacios tanto próximos como distantes; acceder a recursos culturales mucho más variados y diversificados en sus formatos y niveles de complejidad y profundidad de las informaciones; a la par que ya no van a existir impedimentos o límites con los horarios.

Una de las maneras mediante la que el profesorado y el alumnado aprenden las posibilidades de estos recursos es trabajando con ellos mediante metodologías didácticas activas y reflexivas; y con mucho mejor aprovechamiento si se recurre a alguna forma de enseñanza y aprendizaje basada en la investigación-acción.

Es sobre la base de una adecuada formación como el sistema educativo debe capacitar a las nuevas generaciones para aprender a tomar la iniciativa en la defensa de sus derechos en estos nuevos ámbitos virtuales y de las comunicaciones. Una educación que debe ayudar a comprender tanto los derechos individuales como los de los demás. Al igual que cualquier ser humano está obligado por la ley a denunciar cualquier delito del que tenga constancia, también es preciso ser consciente de que se debe denunciar aquella información a la que uno accede de manera intencionada o no, pero que puede resultar constitutiva de delito. Una educación que incida en valores como la solidaridad, la justicia y el respeto es también imprescindible en estos nuevos contextos digitales.

El funcionamiento de estas redes informativas, educativas y de socialización sirve para renovar con más argumentos la necesidad de educar al alumnado en el pensamiento crítico, lo que exige también en la lectura crítica, así como en la escritura colaborativa. Obliga a poner delante de las miradas del alumnado las ventajas y los riesgos de la información que almacena la red y, en concreto, de las fuentes informativas que se manejan. No se trata de incrementar las presiones para impedir que chicas y chicos accedan a la red por los peligros que ésta pueda acarrearles, sino de educarles para que sepan bien lo que hacen cuando están conectados. La solución rara vez está en quitar las conexiones a la red, sino en educar para que sepan sacar partido de ella; desenvolver una mirada vigilante y un compromiso crítico con estos nuevos espacios virtuales.

El modelo que contribuyen a hacer realidad las redes sociales trata de convertir a los colegios e institutos en instituciones generadoras de saber; al profesorado en mediadores críticos del conocimiento y de la creación de la inteligencia colectiva de su aula. Es preciso ser muy conscientes de que las tareas escolares se dirigen a construir un conocimiento realmente significativo, que aclara y resuelve dudas, lagunas y problemas reales del alumnado e, incluso de la comunidad. La nuevas tecnologías en las instituciones escolares deben preocuparse por poner a disposición del alumnado la mejor información, las mejores fuentes (sean materiales o personales). Una escuela vinculada con la comunidad tiene, por tanto, el deber de satisfacer lagunas informativas o corregir distorsiones en las líneas argumentales y en los significados que inciden en la vida de las personas que conforman esa sociedad. Además, en este proceso de construcción del saber comunitario, se favorece el desarrollo de destrezas, actitudes y valores que van a dar como resultado una ciudadanía más crítica, democrática, responsable y solidaria.

Estas posibilidades de comunicación i-mode, convierten en flexibles y fluidos los tiempos y lugares de acceso a la información; facilitan el aprendizaje y la actualización de los saberes que son consustanciales con una sociedad muy dinámica, que exige de todos sus miembros que asuman la necesidad de un aprendizaje permanente, a lo largo de toda la vida de la persona.

Esta revolución en las comunicaciones plantea demandas también novedosas a las instituciones escolares, como son la necesidad de que la ciudadanía se eduque en las múltiples alfabetizaciones imprescindibles para utilizar de una manera experta y crítica las novedades tecnológicas que la revolución digital está generando. Los alfabetismos, según Colin LANKSHEAR y Michele KNOBEL (2008, pág. 81), son «formas socialmente reconocidas de generar, comunicar y negociar contenidos significativos mediante textos cifrados en contextos de participación en Discursos (o como miembros de Discursos)». De ahí que, según estos mismos autores, a los alfabetismos ya más tradicionales (alfabetismo oral, visual, científico, emocional, mediático, …), tengamos que añadir las actividades de bloguear, escribir fanfic, producir manga, utilizar memes, photoshopear, prácticas de vídeo anime de música (AMV), utilizar podcasts y vodcasts y participar en juegos en red.

Educar siendo conscientes de la actual revolución en las comunicaciones, requiere no sólo adquirir nuevos lenguajes que permitan saber servirse de las posibilidades de esas nuevas tecnologías, sino también ser conscientes de las dimensiones sociopolíticas de las comunicaciones y saberes que desde estos nuevos escenarios se generan. No únicamente lo que venimos denominando como «alfabetismo digital», en el sentido de nuevas y cambiantes formas de producir, distribuir, intercambiar y acceder a textos, imágenes y sonidos por medios electrónicos; sino también las nuevas formas de aprendizaje que estas tecnologías facilitan, por no decir, imponen, basadas en fórmulas más democráticas, participativas, colaborativas, críticas, menos individualistas. Modelos comunicativos que permiten ser más respetuosos con las experiencias y vivencias personales y, por tanto, que estimulan y logran que cada persona pierda el miedo a implicarse mucho más en la producción de nuevos saberes, a compartir e intercambiar experiencias e información.

Desde el mundo de las instituciones escolares el acceso a la información es fundamental, pero el verdadero foco de atención que distingue a los procesos de enseñanza y aprendizaje que tienen lugar en las aulas de los que tienen lugar en los ambientes más informales, es cómo promover tales procesos; cómo convertirlos en educativos, no sólo informativos. En esta dinámica es clave la implicación activa del alumnado en todo el proceso, no como mero receptor de información, sino también como emisor. A este respecto, son muy importantes las facilidades que aportan las TIC para tratar de conformar situaciones de aprendizaje verdaderamente colaborativo, no únicamente cooperativo, según la distinción que realiza Charles CROOK. Hablar de colaboración implica subrayar una participación social activa por parte de quienes están implicados en la resolución de un problema o de un aprendizaje. «No es algo que deba darse por sentado con independencia de la actividad conjunta que se organice; en cambio, es un estado que debe diagnosticarse a partir del compromiso perceptible de los participantes con la construcción de un conocimiento compartido» (Charles CROOK, 1998, pág. 194).

Estas herramientas pueden funcionar para empoderar al alumnado, haciéndole más consciente de sus responsabilidades y, por tanto de sus derechos y deberes; pero, no nos engañemos, también pueden servir para tratar de «domesticarlo» aun más.

El ejemplo de las técnicas elaboradas por Celestin Freinet es una buena muestra de cómo unas determinadas técnicas, mediante las que su autor pretendía vehiculizar una importante filosofía educativa progresista, de izquierdas, fueron incorporadas por algunos centros escolares pero con otras finalidades. Así, por ejemplo, la correspondencia escolar, la imprenta y los periódicos escolares, fueron utilizados por algunos colegios de una manera distorsionada, para tratar cuestiones nada o poco relevantes y con actitudes dirigistas por parte del profesorado y/o de la dirección del centro. De esta manera se alteraban y distorsionaban las finalidades de unos recursos didácticos que pretendían favorecer la comunicación con la realidad, contribuir a someter a crítica la sociedad en la que se vive, sus valores dominantes, los intereses que subyacen a las acciones que se proponen, etc.

Las TIC en el ámbito de la educación, lógicamente, tienen un mundo infinito de posibilidades; pero me interesa también destacar la valiosa ayuda que suponen de cara a abrir las mentes del alumnado haciéndole entrar en contacto, por ejemplo, mediante comunidades virtuales, con personas de otros países y culturas muy distantes. Realidades que el eurocentrismo dominante vino silenciando hasta épocas muy recientes, recurriendo para ello a una especie de multiculturalismo anecdótico, limitado exclusivamente a incluir píldoras informativas descontextualizadas para dar sensación de prestar atención a la diversidad. Estrategia en la que se cae cuando se hace referencia a datos e imágenes descontextualizadas acerca de la historia, cultura y situación actual de algunos miembros pertenecientes a colectivos culturales marginados o minoritarios sin poder. Pero en los últimos años, dado que la ocultación de esta clase de realidades es más difícil, la opción más dominante es la referirse a «los otros», pero sin dejarles hablar (Jurjo TORRES SANTOMÉ, 2011) y ofreciendo selectivamente aquellas informaciones, cual gran arsenal de tópicos y mentiras, destinadas a presentar a sus hombres y mujeres como personas incultas, salvajes, ignorantes, malévolas, peligrosas, …

El reduccionismo político que opta por la patologización de la diversidad es una de las señales más idiosincrásicas de esencialismo monocultural y conservadurismo político. En el momento presente, la confrontación con las posiciones multiculturales acostumbra a silenciar las dimensiones de clase, económicas y políticas para sacar a la luz únicamente los aspectos culturales. De ahí que cada vez sea más visible el auge de un nuevo discurso conservador obsesionado con estigmatizar negativamente las identidades y religiones diferentes a las tradicionales, a las que se vinieron construyendo en los últimos siglos y que conforman el sentido común hegemónico.

Tengamos presente que la manera de ganar adeptos para la causa fundamentalista gira en torno a las amenazas de miedo e inseguridad que potencian en la ciudadanía local manipulando las informaciones provenientes o relacionadas con los pueblos y culturas “ajenas”. El recurso más frecuente es apoyarse en informaciones, prácticas, costumbres, ritos, rutinas que se vienen transmitiendo acríticamente de generación en generación, sin convertirlas en objeto de reflexión y análisis crítico. Son informaciones y prácticas incuestionables con y en las que se convive. Conforman lo que denominamos como “lo obvio”, “lo natural”, “lo que siempre ha sido así”. La tradición funciona al modo de lo sagrado, sin necesidad de explicaciones racionales. Es la fe en la palabra y autoridad de los antepasados e incluso de alguna divinidad el fundamento de las tradiciones, lo que le dota de poder; no precisa de justificaciones y evidencias racionales y, algo que es muy importante, seguir la tradición no conlleva los riesgos que acompañan a las novedades e innovaciones. La manipulación conservadora incluso llega a convertir en sinónimos tradición, civilización y democracia, y por tanto poner en el mismo plato de la balanza barbarie, no democracia y culturas no cristianas.

El discurso y la práctica autoritaria siempre se sirve de las tradiciones para no tener que someterse a discusión, para evitar el debate.

La desvirtuación del «otro» es más fácil lograrla cuando no podemos interaccionar con ellos y ellas; cuando no podemos oír sus voces originales, sus argumentos, sus preocupaciones, etc. El actual desarrollo de las tecnologías de la información y la comunicación nos permite sumar sus miradas a las nuestras y, de este modo, alcanzar mayores distancias y profundidad de análisis; tomar en consideración un mayor número de perspectivas diferentes.

Los seres humanos cada vez más constatamos con mayor contundencia y claridad que tenemos más cosas en común, más sueños, ideales, miedos, impedimentos, obstáculos … compartidos; que somos y debemos ser iguales; que nuestras diferencias deben servir para enriquecernos, no para jerarquizarnos, aislarnos y enfrentarnos.

En nuestras sociedades clasistas, sexistas, racistas, homofóbicas, eurocéntricas, la utilización de las TIC debe ir acompañada de propuestas de acción, de reflexiones e investigaciones críticas que hagan más fácil sacar a la luz estas dimensiones perversas; que posibiliten la conformación de nuevas estrategias para hacer frente a esas dimensiones opresivas.

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 Notas:

[1] El nombre de indignados hace referencia al panfleto que unos meses antes lanzara al mercado editorial francés Stéphane HESSEL y que ahora lograba su edición en castellano acompañado además de un prólogo de un intelectual de la izquierda de gran aceptación, José Luis SAMPEDRO.

HESSEL, Stéphane (2011). ¡Indignaos!. Un alegato contra la indiferencia y a favor de la insurrección pacífica. Barcelona. Destino.

[2] https://www.facebook.com/groups/yotambienporlaescuelapublica/s.

[3] Cit. en Colin LANKSHEAR y Michele KNOBEL, 2008, pág 201.

[4] En estos días estamos constatando los efectos de todo un gran número de las movilizaciones y acampadas en las plazas públicas de la mayoría de las ciudades españolas –promovidas por el movimiento «Democracia Real Ya» (http://www.democraciarealya.es/) etiquetadas como “el 15M” (pues la primera manifestación se llevó a cabo el 15 de mayo de 2011- propiciadas por jóvenes y que tienen a las redes sociales como principal recurso para comunicarse y organizarse.

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Bibliografía:

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BOURDIEU, Pierre, “Sobre el poder simbolico”. En Intelectuales, política y poder, Buenos Aires. Eudeba – Universidad de Buenos Aires, 2000, 2ª edic., págs. 65-73.

CARR, Nicholas (2008). «Is Google Making Us Stupid?. What the Internet is doing to our brains«. The Atlantic (Julio/Agosto), págs. 56 – 63.

CASTELLS, Manuel (2009). Comunicación y poder. Madrid. Alianza.

CROOK, Charles (1998). Ordenadores y aprendizaje colaborativo. Madrid. Morata – MEC.

FOUCAULT, M. (1987). El orden del discurso. Barcelona. Tusquets, 3ª edic.

FREINET, Célestin (1999). La escuela moderna francesa. Una pedagogía moderna de sentido común. Las invariantes pedagógicas. Madrid. Morata.

ILLICH, Ivan (1974). La sociedad desescolarizada. Barcelona. Barral Editores. (Original de 1970).

JAMES, Allison y PROUT, Alan (2005). «Preface to Second Edition». En Allison JAMES y Alan PROUT (Eds.). Constructing and Reconstructing Childhood: Contemporary Issues in the Sociological Study of Childhood. Londres. Falmer Press, 2ª ed.

JÓHANNESSON, Ingólfur Ásgeir (2000). «Genealogía y política progresista: reflexiones sobre la noción de utilidad «. En Thomas POPKEWITZ y Marie BRENNAN (Comps.). El desafío de Foucault. Discurso, conocimiento y poder en la educación. Barcelona. Pomares Corredor, págs. 299 – 318.

LANKSHEAR, Colin y KNOBEL, Michele (2008). Nuevos alfabetismos. Su práctica cotidiana y el aprendizaje en el aula. Madrid. Morata – MEC.

TORRES SANTOMÉ, Jurjo (2011). La justicia curricular: El caballo de Troya de la cultura escolar. Madrid. Morata.

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The Doubter

Yves Tanguy – «The Doubter» (1937)

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31 mayo
2014
escrito por jurjo

Jurjo Torres. Una visión crítica de la educación

 

Gena Borrajo

Cuadernos de Pedagogía  N.º 316 (Septiembre, 2002) págs. 32 – 37

 

Quiso ser artista y las circunstancias le llevaron a estudiar Pedagogía. Durante más de veinticuatro años ha compaginado sus clases con conferencias y publicaciones. Con decidida actitud crítica ante la sociedad en general y ante la escuela en particular, trata de demostrar que es posible imaginar un mundo mejor.

Toda su vida profesional ha estado marcada por su posicionamiento crítico ante la sociedad en general y ante la escuela en particular. ¿Realmente cree que la educación puede cambiar los desajustes sociales?

Creo que se pueden hacer muchas cosas para mejorar la situación. Aun reconociendo que la educación no es la pieza fundamental para provocar grandes cambios sociales, sí hay que atribuirle un papel preponderante en la formación de una población activa y crítica. Yo particularmente encuentro mi posicionamiento ante la vida en mis primeros años de experiencia universitaria. Allí tomo conciencia de que hay colectivos que lo están pasando mal y allí asumo también mi compromiso social. Por lo tanto, pienso que la escuela no debe apuntalarse en las teorías de la reproducción y dejar pasar la vida sin hacer un esfuerzo para mejorarla. Desde la escuela debemos mirar al horizonte con optimismo y demostrar a la gente que nuestras acciones son muy importantes para lograr una sociedad mejor.

Foto Jurjo CdeP. (Sep. 2002)

Usted dice que encuentra su posicionamiento cuando llega a la universidad, pero, ¿hay alguna experiencia concreta que considere decisiva en su trayectoria hacia este posicionamiento crítico? 

Sin duda el hecho de que mis primeras vivencias con la universidad fuesen en la Pontificia de Salamanca, que en aquel momento estaba muy politizada y disponía de un alto grado de madurez ideológica. Allí curso estudios de Pedagogía y tengo la oportunidad de relacionarme con estudiantes de Teología, que estaban todo el día hablando de cosas como la teología de la liberación. También allí comienzo a empaparme de las ideologías marxistas, que reclamaban la transformación de las estructuras socioeconómicas y la redistribución de la riqueza para conseguir una verdadera transformación de la sociedad. De esta manera asumo un papel activo que, en aquel momento, pasaba por contribuir a derrocar el régimen fascista y construir una sociedad más justa.

¿Por qué se va a estudiar a Salamanca? 

Fue una decisión condicionada por las circunstancias familiares. En principio lo que me interesaba era el mundo del arte. Me atraían la pintura y el cine, y me apasionaba la música. Para entonces ya tenía una formación musical que quería completar. Incluso llegué a imaginar que podría vivir sólo de ella. Esa pasión me llevaría, ya antes de ir a la universidad, a participar en grupos de música clásica y, sobre todo, de rock. Pero mi familia se mantiene firme en la idea de que debo hacer una carrera universitaria y me voy a Salamanca, donde podía estudiar Pedagogía y Psicología.

¿Qué recuerdos guarda usted de ese primer contacto con la pedagogía?

Para mí tienen más fuerza las vivencias extraacadémicas, el ambiente asambleario y las conversaciones de pasillo que las clases en sí. Por entonces los estudios de Pedagogía me resultaban insoportables, y lo que ocurría en el aula me interesaba más bien poco. Sin embargo, hay algo muy positivo en estas vivencias. Me refiero a los hábitos de lectura que fuimos adquiriendo en contacto con gente de Teología, muy preocupada por la formación. Esta pasión se extendería rápidamente entre la mayor parte de los estudiantes y contribuiría a que afloraran grupos organizados de lectura para la búsqueda de pedagogías alternativas. De este modo la revolución social que pretendíamos fue llevada también al ámbito de la pedagogía.

¿En qué se diferencian los estudiantes universitarios de hoy de los de aquella época?

Hoy el nivel de politización entre el alumnado es mínimo y los adultos deberíamos preguntarnos qué estamos haciendo para que sea así. Pero esta juventud, que algunos pretenden tachar de poco comprometida, es también la de las ONG, lo cual me induce a pensar que lo que está bastante ausente en los jóvenes de hoy no es su compromiso ante la vida, sino el discurso más político de transformación social a través de las estructuras normales, como pueden ser los movimientos políticos y los sindicatos. Tal vez se deba a que estas instituciones han entrado en decadencia debido a su excesiva burocratización y a su poca preocupación por estimular el debate y la crítica.

Y el sistema de enseñanza, ¿en qué ha cambiado? Con frecuencia se le reprocha a la universidad su distanciamiento de la vida más práctica y real. ¿Qué opina usted de esto?

Se dice a menudo que la formación en la universidad es demasiado teórica y que la teoría no sirve. Tal vez se deba a las malas teorías que circularon en una determinada época. De hecho, los años sesenta y setenta fueron pobres en bibliografía. A partir de los ochenta se avanza considerablemente en investigación y aparecen publicaciones contundentes, sólidas, argumentadas y útiles. En consonancia con esta nueva situación, los estudiantes de hoy tienen que leer algo más que los textos obligatorios; han de participar en seminarios, hacer trabajos, tomar contacto con las diferentes teorías y, en definitiva, contrastar el trabajo práctico con un cuerpo de conocimientos que les permita innovar. Puede decirse que, en general, el sistema ha mejorado considerablemente.

Es muy conocida su implicación con las ideas nacionalistas. ¿Cómo se produce este encuentro y qué le aportó la experiencia?

Mientras me empapo en la doctrina marxista y en la teología de la liberación, en Galicia empiezan a aflorar los movimientos nacionalistas de carácter marxista. Hacia 1972 me afilio a la Unión do Pobo Galego. Es cierto que mi experiencia con este partido político fue un tanto atípica, puesto que la vivía desde Salamanca. Formábamos un grupo a los que se nos conocía como “estudiantes gallegos en la emigración”. Nuestro trabajo consistía en sensibilizar a los compañeros de Galicia para que asumieran mayores compromisos sociales y políticos con nuestro país. Para ello hacíamos periódicos y revistas en lengua gallega. La experiencia me marca mucho y me ayuda a completar mi formación y mi pensamiento.

Además de esta contribución desde Salamanca, usted participó en programas radiofónicos muy polémicos.

Efectivamente. Fue a través de Radio Popular de Vigo. Víctor Freixanes, conocido escritor gallego, y yo hacíamos un programa que tenía gran impacto social, porque trataba de sacar a la luz la cultura autóctona y la opresión que sufría el pueblo gallego en una época en la que las libertades estaban ausentes. Por este motivo la policía nos seguía muy de cerca y constantemente nos amenazaba con cerrar la emisión porque habíamos dicho tal o cual cosa. Esto acabó convirtiéndose en un juego en el que forzábamos los límites de lo autorizado. También participaría en otro espacio sobre educación de personas adultas, que también generó mucha polémica, y hasta fui denunciado por corrupción de menores por decir que la masturbación en la adolescencia era algo natural.

¿Hay alguna lectura que haya influido de alguna manera en su trayectoria profesional?

Muchas. En cuanto a marxismo, las obras de Marta Harnecker, las de Frank Fanon, Gunder Frank y Albert Memmi, que escribieron sobre colonialismo. En la búsqueda de textos sobre educación se produciría el encuentro con Paulo Freire a través de su Pedagogía como práctica de liberación y  de la Pedagogía del oprimido. En este contexto conocería también las ideas de Celestin Freinet y de Neill y su Summerhill, que entonces estaba prohibido. Pero la obra que me abre definitivamente el horizonte es Ideología y clases sociales en España, de Carlos Lerena. A partir de ese momento entro en contacto con la literatura inglesa a través de las obras de Basil Bernstein, y de Knowledge and Control, compilada por Michael Young. Hacia 1980 me encuentro con Michael Apple, que me marca definitivamente. Tampoco puedo olvidar a compañeros como José Gimeno Sacristán y Ángel Pérez Gómez, con los que compartiría la búsqueda de alternativas a una pedagogía por entonces muy anquilosada. Hasta ese momento creo que, en el fondo, también yo me sentía reproduccionista y mis orígenes de marxismo más duro me generaban constantes contradicciones.

¿Es por entonces cuándo se va de asesor al Ministerio de Educación? ¿Encuentra nuevas contradicciones en su paso por la Administración?

Así es. En 1983 me llaman como asesor del Ministerio. Allí descubro a personas con grandes principios, pero que no saben cómo transferirlos a decisiones pequeñas, lo que les lleva con frecuencia a tomar medidas más propias de ideologías de derechas, incluso de la derecha más dura. Para explicar este fenómeno me encuentro con el marxismo de Gramsci y la construcción del sentido común. Descubro entonces cómo las ideologías dominantes van construyendo ese sentido común y hacen que las personas tengan dificultades para imaginar verdaderas alternativas en su vida cotidiana. En este sentido me aportó mucho la obra de Paul Willis Aprendiendo a trabajar, a través de la cual caigo en la cuenta de que una cosa son las teorías de la reproducción y otra muy distinta las posturas, pensamientos y prácticas que tienen efectos reproductores. Esto me llevaría a ir aclarando mi pensamiento y a escribir cosas en esa dirección.

Miquel Barceló

Vayamos, pues, a su faceta de escritor. ¿Qué libros considera claves en su trayectoria profesional?

Mis publicaciones pueden circunscribirse a tres líneas de trabajo. La primera está centrada en el mundo de la Educación Infantil. Aquí cabrían mis escritos sobre lo que es la etapa, metodologías, juegos y juguetes infantiles. La segunda tiene que ver con la globalización. En esos momentos trabajaba con la intención de enriquecer la vida en las aulas, tanto desde la reflexión teórica como desde contenidos más prácticos. Este trabajo lo recupero, de alguna manera, con el libro Globalización e interdisciplinariedad: el currículum integrado. En la tercera encuadraríamos toda mi producción sobre la función política que cumple la educación. Esta línea atraviesa casi todos mis trabajos anteriores y hasta podemos decir que tiene su continuación en el último libro, La educación en tiempos de neoliberalismo.

En La educación en tiempos de neoliberalismo nos previene de que este mundo de globalización económica va a influir de manera determinante en la educación. ¿Hasta qué niveles cree que va a llegar esa influencia?

El sistema educativo se va a ver afectado en diferentes aspectos y niveles, desde las grandes concepciones hasta aspectos más particulares, como el trabajo de aula, la selección y organización del alumnado y los propios contenidos. Ante esta situación es preciso desmontar el lenguaje economicista que se está pretendiendo trasladar a la educación, y trabajar de manera optimista para que los estudiantes se vayan de la escuela convencidos de que el mundo se ha ido transformando y que también ahora se puede transformar.

Usted ha escrito mucho sobre Educación Infantil y se ha mostrado muy crítico ante la falta de atención que la Administración educativa le prestaba a esta etapa. ¿Qué opinión le merecen los cambios experimentados durante los últimos años?

Puede decirse que los cambios experimentados en este ámbito no tienen precedentes y que la LOGSE ha venido a configurar uno de los sistemas más innovadores de Europa, al ser la primera ley que introduce 0 a 6 años como etapa educativa. Una de las primeras tareas legislativas que pretende elaborar el Gobierno socialista es una ley orientada a crear una Educación Infantil de calidad. Esta iniciativa se debió, sin duda, a que por entonces estaba muy extendida la idea de que los seis primeros años de vida eran clave en el desarrollo del ser humano. También tuvo que ver el hecho de que a través de los ayuntamientos más democráticos aparecieran coordinadoras de escuelas infantiles, que generaron movimientos desde fuera y contribuyeron a que el Ministerio abordara la etapa desde el primer año de vida.

¿Qué papel tuvieron en este cambio los profesionales de la Educación Infantil? 

El momento en el que la Administración educativa impulsa estos cambios coincide con la llegada de promociones de psicólogos y pedagogos dispuestos a revolucionar un mundo en el que estaba casi todo por hacer. La riqueza de innovación que se produjo en la Educación Infantil no se dio en ninguna otra etapa. Más aún, las mejoras que se producían se iban trasladando hacia la Enseñanza Obligatoria. También contribuyó a cambiar la situación el hecho de que las personas que se incorporaban fuesen en su mayoría mujeres cultas, que supieron trasladar al aula todo el mundo de la afectividad y la psicomotricidad. Desgraciadamente hoy estamos asistiendo a un retroceso en los aspectos más formativos en beneficio de un excesivo academicismo, de tal manera que los modelos de etapas superiores impregnan a las de abajo, cuando en realidad debería ser al revés.

Usted ha estado muy vinculado a movimientos de renovación pedagógica, ¿qué le ha supuesto esta experiencia?

Sin duda, ésta ha sido una etapa muy rica para mí. Cuando salgo de la universidad mi vocación política me lleva a promover la organización del profesorado y participo en la creación de dos movimientos de renovación pedagógica: la Asociación Socio-Pedagóxica Galega y Concejo Educativo, que es el movimiento de renovación de Castilla y León. Estas experiencias me permitirían tomar contacto con muchos profesores y profesoras y entrar en las aulas. A un tiempo, me daban la posibilidad de publicar mis escritos en espacios que ellos leían. La Asociación Socio-Pedagóxica Galega fue pionera en la elaboración de unidades didácticas, llegando a publicar más que ninguna otra comunidad. Esta experiencia marcó un hito en mi línea de trabajo e influyó mucho en mis escritos sobre globalización e interdisciplinariedad.

De su libro El currículum oculto se han hecho seis ediciones. ¿A qué atribuye el éxito?, ¿al contenido?, ¿tal vez al momento en que se publica? 

Por este libro hago desfilar a todos “mis enemigos mentales”, frases que había escuchado, y personas reales e imaginarias que defienden posiciones reproduccionistas. A partir de esta recopilación de datos emprendo una lucha conmigo mismo para ir rebatiendo decididamente estos argumentos y abrir una puerta a la esperanza, ofreciendo propuestas desde posiciones más progresistas. Tal vez ésta haya sido una de las razones del éxito. En el fondo los docentes actuamos creyendo que la opción elegida es la mejor y sólo cambiamos nuestras prácticas cuando nos convencemos de que hay una alternativa que las supera. Por otra parte, no dejo de reconocer la oportunidad del momento en que sale la obra. La gente estaba mucho más preparada para problematizar. Es posible, incluso, que el mismo título les incitara a reflexionar y arrastrara a muchas personas a averiguar qué es lo que está oculto.

Usted ha viajado y viaja mucho al extranjero, ¿busca acaso nuevas fuentes de aprendizaje?

Sin duda alguna. Los viajes me han proporcionado contactos muy interesantes, sobre todo en las universidades inglesas y americanas. Con algunas conservo relaciones intelectuales muy ricas. Últimamente voy mucho a Brasil. Allí he podido comprobar cómo percibe el profesorado sus problemas y necesidades. Brasil es un país muy rico desde el punto de vista experiencial y sus gentes tienen muchas ganas de aprender y de transformar su realidad. Estos intercambios siempre me llevan a pensar que somos unos privilegiados y, sobre todo, que tenemos la obligación moral de un mayor compromiso con quienes están en peores condiciones.

En su última publicación advierte del peligro de introducir en el sistema educativo terminología mercantilista como excelencia y competitividad. ¿Cuáles son para usted esos peligros?

Son términos que hablan siempre de jerarquías, de que en el mundo sólo puede haber unas pocas personas que alcancen el éxito. Esto lleva consigo la creación de redes de escuelas en las que la colaboración da paso a la competitividad y a los deseos implícitos de hundir al adversario. Son las leyes que rigen el mercado. Pero trasladar este principio a la educación nos conduce a propuestas como las que hace George Bush en su última reforma, en la que contempla que a aquellas escuelas que no lleguen a un determinado rendimiento se les retirará todo el presupuesto. Bajo esta perspectiva se están sentando las bases de una sociedad fragmentada. Los centros privados buscarán siempre una población que les garantice unos buenos resultados, mientras que las clases más desfavorecidas y marginales se irán exclusivamente a la escuela pública.

Estamos en momentos de cambios en el sistema educativo. Una de las razones que se aducen para acometer tales cambios es el bajo rendimiento del alumnado, ¿qué opina de esto?

Siempre, para sacar adelante reformas conservadoras, se ha hecho una evaluación negativa mostrando la caída del rendimiento escolar y la ignorancia del alumnado. Sin embargo, los niveles han ido subiendo con el paso de los años. Pienso que el análisis que se ha efectuado de la situación no es riguroso y hay aspectos que se dejan intactos, como el profesorado y sus condiciones de trabajo, las posibilidades de actualización, y los recursos y dotaciones que tienen en sus centros. Es una broma pensar, por ejemplo, que el profesorado de Secundaria está capacitado para trabajar con diversidad de alumnado cuando la formación psicopedagógica que ha recibido es un cursito llamado CAP. Por otra parte, la tan debatida violencia en los centros no ha pasado, en muchos casos, de simple rumor. A pesar del impacto social que han tenido algunos episodios lamentables, la realidad nos muestra que hay muchísimos más alumnos no violentos que violentos.

Se ha referido a la formación psicopedagógica del profesorado de Educación Secundaria, que considera insuficiente; ¿cree que es mejor la formación que reciben los maestros de Educación Primaria? 

La formación cultural de los maestros es insuficiente a todas luces, pues pienso que sólo se les está ofreciendo formación psicopedagógica. Es muy necesario acometer una reforma de la formación inicial y permanente del profesorado en su conjunto. No debemos olvidar que este país está por debajo de la media europea en formación del profesorado, como también lo está en lo referido al calendario escolar. Las chicas y los chicos españoles tienen menor número de clases que la mayoría de los alumnos y alumnas de los países de Europa. La sociedad española ha cambiado y se imponen nuevas demandas que no se contemplan hoy en el currículo de la carrera, como son la educación multicultural y multilingüística, por citar algunas.

Entonces, ¿qué le parece el paquete de medidas que trae consigo la propuesta de Ley de Calidad?

Para empezar me parece una propuesta que, sobre la base de insistir machaconamente en la cultura del esfuerzo, reconoce como únicos responsables de los problemas existentes a los alumnos y, de rebote, a sus familias. Considero que la mejora de la calidad no pasa por ejercer la dirección de centros de manera autoritaria. Tampoco se mejora la calidad por el hecho de desviar al alumnado a los doce años por diferentes itinerarios. Y qué decir de la reválida. Lejos de resolver los problemas, se convierte en un mecanismo de sospecha hacia el profesorado y va a redundar en perjuicio de los cursos previos, que se convertirán en una especie de academia de preparación para el examen, como pasó en su día con el COU.

"Child with Birds". 1950

Usted es padre de familia ¿Cómo han influido en su hija los valores en los que ha sido educada? ¿Cómo ve ella todo esto?

Mi hija asistió siempre a la escuela pública de un barrio en el que viven muchas familias de raza gitana y población desfavorecida. No dejo de reconocer que hubo momentos de grandes contradicciones, tanto para su madre como para mí. Las dudas se nos despejaron un día que la vimos llorar porque comenzó a llover y su amigo vivía en una casa que tenía “el suelo de hierba y las paredes de plástico”. Descubrimos que estaba aprendiendo a ser sensible ante la desgracia ajena. El nivel académico no suponía un problema, puesto que el entorno cultural en el que vivía se ocupaba de ello. El tiempo vino a darnos la razón. Hoy mi hija cursa estudios superiores de Informática y su acceso a la facultad lo hizo en las mejores condiciones. Este hecho, unido a su actitud ante la vida, hace que me reafirme en la idea de que el mejor legado del ser humano es aprender a ser persona, y considero que la escuela pública es el mejor espacio para conseguirlo.

La diversidad sigue un proceso ascendente en nuestra sociedad. ¿Cómo ve la escuela en un futuro próximo?, ¿qué cambios cree que deberemos afrontar para conseguir una escuela más integradora y solidaria?

Ciertamente, la diversidad sigue un proceso ascendente, pero con frecuencia se confunden diversidades con desigualdades. Vivimos en un mundo que rechaza las injusticias sociales, pero al mismo tiempo hay modelos políticos y económicos que dan lugar a la consolidación de sociedades dualizadas en las que unos tienen, saben, poseen y disfrutan de poder y otros no pueden, no saben y no tienen acceso a nada. La pobreza está creciendo y también las desigualdades. Estamos viendo fenómenos tan indignos como países enteros que entran en crisis y se vienen abajo. Esto es lo que ha ocurrido en Argentina y hace poco tiempo en Turquía. La sociedad del futuro tendremos que definirla entre todos. En la medida en que luchemos, nos esforcemos en construir alternativas viables y denunciemos todas las situaciones de opresión que se están produciendo en esta Tierra, el mundo será mejor e iremos hacia una sociedad más justa, más solidaria y más democrática.

Perfil biográfico

Jurjo Torres Santomé nace en Castro de Rei, provincia de Lugo. Desde muy joven se siente atraído por el mundo del arte, especialmente por la pintura, el cine y la música. En sus años de adolescente llega a formar parte de grupos de música clásica y de rock. Sus deseos de emanciparse del núcleo familiar le llevan a Salamanca a estudiar Pedagogía, donde entra en contacto con el marxismo y las ideas de la teología de la liberación. A un tiempo va tomando contacto con movimientos nacionalistas de carácter marxista y se integra en un grupo conocido como “estudiantes gallegos en la emigración”, que trabaja incansablemente desde Salamanca por sacar a su país del atraso y revalorizar su cultura. En 1977 entra como profesor en la Universidad de Salamanca. En 1980 regresa a Galicia como profesor de la Universidad de Santiago de Compostela en el Colegio Universitario de A Coruña, que luego se convertiría en Universidad de A Coruña, en la que hoy es catedrático de Didáctica y Organización Escolar. Fue decano de la Facultad de Humanidades. En la actualidad pertenece al Consejo Editorial de diversas revistas nacionales e internacionales y es director de la colección Educación Crítica, que editan conjuntamente la Fundación Paideia de A Coruña y Ediciones Morata.

Últimas publicaciones 

El currículum oculto. Madrid. Morata, 1991

Globalización e interdisciplinariedad: el currículum integrado. Madrid. Morata, 1994

Educación en tiempos de neoliberalismo. Madrid. Morata, 2001

La desmotivación del profesorado. Madrid. Morata, 2006

Multiculturalismo Anti-Racista. Porto (Portugal). Profedições, 2008.

La justicia curricular. El caballo de Troya de la cultura escolar. Madrid. Morata, 2011

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Paul-Corfield

22 mayo
2014
escrito por jurjo

Por una Escuela Pública de calidad: ¿con el caballo de Troya de los libros de texto?

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Jurjo Torres Santomé

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Conferencias impartidas a profesorado de Educación Infantil, Primaria y Secundaria en Vélez – Málaga (Málaga), organizadas por el Centro de Profesorado (CEP) Axarquía. Mayo, 2014

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4 enero
2014
escrito por jurjo

Presentación  de  «Enseñar, un viaje en cómic»

 

  Enseñar, un viaje en cómic

Bill AYERS y Ryan ALEXANDER – TANNER

Madrid. Ediciones Morata, 2013

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          Videoconferencia con el autor, William Ayers, y el dibujante, Ryan Alexander-Tanner, y contextualización del modelo educativo que promueven por Jurjo Torres Santomé

 

16 de Diciembre, 2013

Lugar: Madrid.  Librería Pedagógica

(c/ Santa Engracia, 143)

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http://www.edmorata.es/libros/ensenar-un-viaje-en-comic

 

William Charles Ayers, Bill (Rick) Ayers (1944) es un educador, pedagogo crítico y catedrático emérito de la Universidad de Illinois, Chicago. Está especializado en educación y, más en concreto, en enseñanza primaria.

En las décadas de 1960 y 70 fue un líder del movimiento revolucionario antiimperialista y activista por la paz, en especial frente a la guerra Vietnam. En 1969 fundó junto con otras personas la organización de izquierda radical Weather Underground Organization, muy activa en la década de los 60 y 70, y cuyos militantes eran conocidos como «The Wheathermen» [nombre derivado de una expresión que utiliza Bob Dylan en su tema “Subterranean Homesick Blues – 1965, Blues nostálgico del subterráneo”… You don’t need a weatherman // To know which way the wind blows (No necesitas un hombre del tiempo // para saber en qué dirección sopla el viento»)]. Grupo que mantuvo conexiones importantes con movimientos de liberación de la población negra, apostando por opciones antirracistas, como The Black Panters.

Bill es, asimismo, un gran admirador de Nelson Mandela, un gran líder de la lucha por los derechos humanos, que dirigió el gran movimiento popular que derrocó al apartheid e inspiró a las personas explotadas y oprimidas en todo el resto del planeta. Pero Ayers también advierte que, ahora tras su muerte, los grandes medios de comunicación, los gobiernos y líderes conservadores, que años atrás le habían definido como un «terrorista», van a tratar de manipular y “domesticar” su mensaje de liberación auténticamente revolucionario.

Esta línea de compromiso político y de defensa de la memoria histórica la mantiene hasta el presente.  Podemos considerar como documentos históricos que reflejan aquellas luchas políticas de los sesenta y setenta tres de sus libros:

Fugitive Days: Memoirs of an Antiwar Activist. Beacon Press, 2001

Sing a Battle Song: The Revolutionary Poetry, Statements, and Communiques of the Weather Underground 1970-1974. Seven Stories Press, 2006

Public Enemy: Confessions of an American Dissident. Beacon Press, 2013

En las décadas siguientes a los 70 su protagonismo y relevancia lo fue construyendo con valiosas aportaciones a lo que denominamos como pedagogía crítica; realizando análisis de enorme interés sobre las reformas educativas, el currículum, las metodologías didácticas, la vinculación de la escuela con la comunidad y sobre formación del profesorado. Es de destacar, igualmente, su mirada transversal en toda su producción en pro de la justicia social y educativa.

Desde mi perspectiva, su trabajo educativo estuvo muy influenciado por sus compromisos políticos, y así lo dejan patente los títulos de sus obras, muy alejados de los tecnocratismos y de la verborrea conservadora:

*  The Good Preschool Teachers: Six Teachers Reflect on Their Lives. Teachers’ College Press, 1989.

*  To Teach: The Journey of a Teacher. Teachers College Press, 1993 (1º edic.)

A School of Our Own: Parents, Power, and Community at the East Harlem Block Schools. Teachers College Press, 2001

*  Zero Tolerance: Resisting the Drive for Punishmen. The New Press, 2002.

Refusing Racism: White Allies and the Struggle for Civil Rights. Teachers College Press, 2002

*  On the Side of the Child: Summerhill Revisited. Teachers’ College Press, 2003.

Teaching the Personal and the Political: Essays on Hope and Justice. Teachers College Press, 2004.

Teaching Toward Freedom: Moral Commitment and Ethical Action in the Classroom. Beacon Press, 2004

*  To Become a Teacher; Making a Difference in Children´s Lives. Teachers’ College Press, 2006.

*  Handbook of Social Justice in Education. Routledge, 2009.

*  Teaching the Taboo: Courage and Imagination in the Classroom. Teachers’ College Press, 2011.

Bill Ayers, como buen representante de la pedagogía crítica, se plantea el trabajo docente como un compromiso educativo y político con las niñas y niños de los colectivos sociales más desfavorecidos. Plantea un modelo pedagógico en el que todo el alumnado, con independencia de su clase social, raza o etnia, sexo, sexualidad, nacionalidad, se enfrente  al conocimiento de la realidad desde las aulas, prestando atención a esas mismas dimensiones. Desea que las alumnas y alumnos vayan comprendiendo el mundo que les rodea, que adquieran lo más pronto posible un compromiso de lucha en pro de la justicia y de la paz. Estudiantes que deben aprender a ver desde y a través del trabajo cotidiano en las aulas que “otro mundo es posible” (p. 106), y que ellas y ellos tienen que sumarse en esa tan decisiva tarea.

De ahí que su propuesta pedagógica y su metodología fundamental se apoye en un trabajo cotidiano en las aulas basado en proyectos cooperativos de investigación, que mantenga como objetivo prioritario de su propuesta un lema que podríamos sintetizar en: «enséñame a pensar por mi mismo, cómo pensar, no me digas qué pensar«. Por tanto denunciará y rechazará recursos, tristemente todavía dominantes en nuestras instituciones escolares, como son los libros de texto (p. 69); materiales que no facilitan tratar las dimensiones clasistas, racistas y sexistas de nuestra realidad y del conocimiento más oficial. En su lugar, aconseja y defiende la necesidad de una relevante diversidad de medios de información, de recursos didácticos, primando muy especialmente las fuentes primarias de información.

Apuesta por un modelo de profesionalismo docente, basado en la cooperación y muy respetuoso de la libertad de cada estudiante, por muy pequeño que sea (tal y como también reconoce la Convención de Derechos de la Infancia de 1989). Demanda docentes con altas expectativas hacia su alumnado; creadores de ambientes en los que todas las niñas y niños se perciben como queridos, valorados, reconocidos y animados a trabajar los temas que en esas aulas se consideran interesantes y vitales.

Toda profesora o profesor es un organizador de ambientes de aprendizaje. Por tanto, concibe el aula como «incubadora de soluciones de problemas» (p. 70), donde se maneja la mayor diversidad posible de recursos para construir el conocimiento realmente en equipo, para aprender a vivir y a trabajar democráticamente.

Considera educativo convertir al alumnado en seres curiosos, interrogadores de la realidad, periodistas. Por tanto, se valoran enormemente sus preguntas, sus dudas y, como dijo Piaget, también sus errores, que pasan a ser educativos, pues posibilitan revisar de un modo educativo, no de modo sancionador, las estrategias utilizadas y localizar la fuente de tales errores. Es importante aprender a problematizarse, a saber que dado que somos seres históricos, nuestras verdades también los son; de ahí que no debamos obsesionarnos con la búsqueda de la palabra «fin», tal y como promueven los libros de texto, con sus informaciones narradas de manera dogmática, en la mayoría de las ocasiones.

W. Ayers 1

No quiere «proyectos curriculares a prueba de profesoras y profesores» (p 75), en los que se les dicta todo lo que tienen que hacer en el aula, incluidas las respuestas a los ejercicios que se proponen para el alumnado.

Es esta aceptación del bagaje con el que el alumnado llega a nuestras aulas, lo que también le lleva a valorar y respetar sus propios intereses; a partir de los cuales, en ese ambiente de aprendizaje activo y estimulante en el que debemos convertir las aulas, el alumnado también los va ampliando y diversificando.

Reconoce como liberador el valor del trabajo (no alienante), el trabajo creador, mediante el que nos realizamos como seres humanos (p. 71). Por tanto, no cae en la ñoñería e infantilismo de tratar de engañarlos con etiquetas que nunca la infancia se cree, como «juguetes didácticos«, el «juego como método de aprendizaje«, etc.

Su defensa de las aulas como lugares estimulantes de investigación y su confianza en el alumnado, le lleva a reconocer que el profesorado no es un conjunto de sabios almacenadores de un conocimiento enciclopédico, sino que somos seres humanos que ignoramos muchas cosas; pero que nos debe caracterizr la humildad y el coraje intelectual para embarcarnos junto con nuestras alumnas y alumnos en el estudio de temas que ignoramos, de los que no sabemos nada. Así por ejemplo, la profesora Alice Jefferson con su alumnado de 4º de Primaria todos los años investigas en su clase un tema sobre el que ella no sabe nada (p. 76), al estilo del modelo por descubrimiento que propone Jerome Bruner con su proyecto curricular Man: A Course of Study (MACOS). Proyecto en el que profesorado y estudiantes se concentran en el estudio-investigación de cuatro temas: el estudio del salmón, de las gaviotas arenqueras, de los mandriles, y de las comunidades esquimales Netsilik.

Bill Ayers nos adelanta realidades que se avecinan, como las evaluaciones externas, los ránkings, los test de evaluación, el control de los contenidos mediante estándares, la imposición de asignaturas y contenidos obligatorios, … impuestos por parte del Ministerio, sin el más mínimo debate democrático. Bill Ayers propone que nos liberemos de la «claustrofobia intelectual» (p. 74) que imponen las políticas de listados exagerados de contenidos obligatorios, competencias, estándares, y demás vocabulario pseudopedagógico, en especial en la medida en que se dictan sin debate real.

Plantea formas de rebelión contra los programas cerrados, propuestas educativas que, en el fondo, desconfían del profesorado y del alumnado. Rebeliones como la que lleva a cabo la profesora Meredith McMonigle (p. 77): frente al libro de texto impuesto, y con el que debería trabajar el tema de la bomba atómica y su lanzamiento sobre Hirosima y Nagasaki, ella lo «completa» con otros textos alternativos (por ejemplo, libros de historiadores rigurosos como Howard Zinn, visionado de documentales, lectura de mangas que reflejan el punto de vista de los pueblos oprimidos, …), con arte, poesía, ficción …; en el fondo, hace realidad una defensa de mayor interdisciplinariedad.

Otro profesor, Danny Morales (p. 77) aprovecha el tema del oro y de los regalos que lo utilizan (anillos de boda, por ej.) para plantear la explotación de los niños en las minas de oro.

Justifica la necesidad de una buena formación docente, pues su trabajo le obliga a tomar en consideración muchas dimensiones. La profesora y el profesor deben seducir, convencer, motivar, ofrecer razones convincentes para lograr la implicación de su alumnado. Su apertura mental, su espíritu investigador, su sólida formación cultural, sociológica y psicopedagógica le facilitarán que cada aula y clase sean diferentes; le impedirán caer en rutinas más antipedagógicas, generadoras de aburrimiento y desinterés en su alumnado. Cada día es diferente, cada estudiante es peculiar, de ahí la incongruencia de las  prácticas rutinarias. Bill Ayers propone al profesorado la conveniencia de aplicar el método del director ruso Stanislaysky (p. 96). Actuar puede ser algo rutinario y mecánico, pero los grandes actores y actrices seducen al público, interactúan, extraen energía e inspiración de la relación; siempre es posible una mejor actuación; buscan y encuentran la semilla de la autenticidad, son y tratan con seres humanos, auténticos, vivos y complejos.

Es importante el autoconocimiento, tener presente nuestra propia experiencia de cuando fuimos estudiantes, no perder la memoria de qué nos interesaba, pensábamos y valorábamos cuando nosotros teníamos las edades de nuestro alumnado.

W. Ayers 4

Considero de mucho interés los principios que deben guian nuestro trabajo como docentes (pp. 98-99):

  • La insubordinación creativa,
  • Encontrar aliados,
  • La crítica,
  • La autocrítica,
  • Aprender de la propia experiencia,
  • La amistad auténtica,
  • Enlazar la conciencia con la conducta,
  • El equilibrio y la claridad.

Ser docente es incompatible con ser aplicadores de recetas, receptores pasivos de información. Al estilo de la propuesta de Lauwrence Stenhouse, tenemos que ser investigadores en y de nuestras aulas.

Una figura docente coherente con esta filosofía, no es un ser solitario y aislado; por el  contrario, es un profesional y ciudadano que solicita la colaboración de las familias y que, por tanto, no duda en acercarse a ellas, que va a su encuentro (no las espera en su despacho en un horario muchas veces inapropiado para ellas), que las conoce y no duda incluso en visitarlas en sus domicilios para hacerles sentir que es un profesional y vecino comprometido también con los problemas de la comunidad y de las familias.

En la lucha por una educación pública de auténtica calidad es imprescindible implicar a las familias y a otras instancias de la comunidad. El ejemplo de las mareas verdes de este último año marca el inicio de un buen camino (que nunca se debería haber perdido) y que habremos de hacer todo lo posible para perpetuar.

Las instituciones escolares son espacios propiedad de la comunidad y, por tanto, deben responder a las necesidades de la comunidad, de sus vecinas y vecinos.

Es preciso ser conscientes de las actuales políticas educativas destinadas a construir una falsa y manipulada realidad de una escuela pública de mala calidad, comparándola tramposamente con la concertada y privada. Políticas que tratan de explicar los resultados de esas evaluaciones externas y ránkings como fruto del trabajo del profesorado funcionario, de convertirlo en único responsable de los éxitos y fracasos del alumnado en las evaluaciones y test externos. Políticas oficiales neoliberales y conservadoras en las que el Estado y sus Administraciones se esconden después de haber tendido las trampas.

Will Ayers critica la falsa objetividad de este tipo de test estandarizados de diagnóstico y evaluación (p. 86), pues no contemplan problemas como la comprensión de las formulaciones, del lenguaje empleado, ni los sesgos culturales y lingüísticos, etc.

Su defensa de una educación verdaderamente inclusiva le hace hostil a las segregaciones del alumnado basadas en sus capacidades, rendimientos, en la clase social, la raza, el sexo o las sexualidades.

En resumen, Will Ayers defiende con toda energía el famoso pensamiento de Paulo Freire, todos somos estudiantes y docentes, al mismo tiempo; aprendices y expertos.

W. Ayers 3

La obra o relato gráfico Enseñar, un viaje en cómic, reescrita junto con Ryan Alexander-Tanner es un libro serio pero envuelto también en humor y mucha sensibilidad.  Un nuevo lenguaje narrativo que últimamente también se viene utilizando para grandes novelas de autores que nunca pensaron en este lenguaje (Balzac, Victor Hugo, Oscar Wilde, …).

Ryan, un profesor de arte, periodista y dibujante de cómics hace un valioso trabajo, creando un texto vivo, sugerente provocador y creativo, … tratando de convertir en imágenes la vida de las aulas; provocándonos y haciéndonos ver con mayor contundencia que es posible otra educación, otra escuela.

Sus imágenes son tan ricas, sus espacios están tan bien construidos y organizados que parece que estuviéramos ante realidades que ni las mejores fotografías captan. Cuando diseña ambientes de aprendizaje (como en el cap. 3) es increíble la cantidad de información que condensa en cada imagen. Algo que obliga a detenerse reflexivamente sobre ellas, evitando una lectura rutinaria y mecánica.

Sus viñetas son tan convincentes que pienso que cualquier docente inmediatamente se sentirá convencido y animado para poner en acción esta filosofía educativa creadora y liberadora.

Pienso que a muchas personas os sorprenderá su novedoso enfoque.

Considero que además de sus dimensiones visuales, de la calidad de los dibujos, de la magistral traducción en imágenes de la vida en las aulas, es un libro con un poderoso y liberador mensaje educativo; algo que se agradece en estos tiempos en los que el Ministerio de Des-educación del Ministro Wert nos trata de desanimar y desmontar una estructura como es la escuela pública, que es imprescindible en cualquier política que apueste por contribuir a hacer realidad una verdadera igualdad de oportunidades.

Un cómic en el que se ofrece todo un plan de acción para cualquier persona que quiera explorar la íntima conexión entre la vida cotidiana, la enseñanza y el aprendizaje, las políticas educativas y la justicia educativa y social.

¡Enseñar es construir un ambiente de libertad y trabajo, pero también es un mundo divertido y serio, además de empoderador!

Jurjo Torres Santomé

Diciembre, 2013.

 

«Entrevista con Bill AYERS y Ryan ALEXANDER – TANNER«

Realizada por Mar Del Rey Gómez – Morata

 

2 junio
2013
escrito por jurjo

Política educativa, multiculturalismo e práticas culturais democráticas nas salas de aula

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Jurjo Torres Santomé

rev4grd-1

Revista Brasileira de Educação. (São Paulo – Brasil), Nº. 4 (Janeiro-Abril, 1997) págs. 5-25.

 

Trabalho apresentado na XIX Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1996.

Elaborar uma proposta curricular obriga a participar da reflexão sobre que tipo de cidadãos e cidadãs e de sociedade queremos construir. Essa é, sem dúvida, uma das questões mais importantes que cabe colocar no âmbito da educação e que nos obriga a realizar uma série de tarefas prévias destinadas a analisar o presente, averiguar como são hoje nossas sociedades, que problemas aparecem como mais urgentes, quais são as causas das situações injustas que detectamos.

Esse tipo de informação a respeito do mundo em que vivemos é vital para qualquer professora ou professor. Nas salas de aula, uma das tarefas realmente importantes que o professorado leva a cabo é oferecer ao alunado parcelas da realidade para sua análise e conhecimento; daí a urgência de se manter atento e fomentar um constante espírito crítico perante esse tipo de processos seletivos e escolhas com finalidade exemplificativa com que as instituições escolares operam. Ninguém desconhece que, para o coletivo docente, esse é um dever já complicado por si só e ao qual há ainda que se acrescentar todo um grande conglomerado de tarefas e rotinas que são consubstanciais com a função didática nas salas de aula, com a criação de um ambiente que estimule processos de ensino e aprendizagem. Poucos trabalhos profissionais precisam atender a tantos focos de atenção como o da docência.

Desenvolver projetos curriculares nas salas de aula obriga a estar alerta a um sem-número de questões: as tarefas que cada um dos meninos e meninas executam, o acompanhamento de suas realizações, do que sabem e do que ainda é ininteligível para eles; detectar suas percepções da realidade, valorações, expectativas e pré-julgamentos; a apreciação de seu desenvolvimento social e emocional e das situações problemáticas que afetam suas inte- rações sociais. O professorado precisa se dedicar a esse tipo de investigação nas salas de aula e, ao mesmo tempo, tem de destinar tempo a leituras, seminários de atualização constante, trabalho em equipe de planejamento, acompanhamento e avaliação dos projetos curriculares com os quais está necessariamente comprometido.

Mas, além de tudo isso, tem de estar muito bem informado sobre questões culturais, trabalhistas, econômicas e políticas que são imprescindíveis para alcançar uma compreensão adequada da co- munidade e do mundo em que vive.

Perante tal acúmulo de deveres, o professorado tende a ser seletivo em seus focos de atenção. Todavia, nos últimos anos, a forte pressão dos discursos e políticas tecnocráticas estão tratando de convencê-lo de que seu trabalho profissional é apenas uma questão de aprender determinadas técnicas didáticas, tais como realizar programações, adaptar projetos curriculares elaborados pelas editoras de livros-texto até fazê-los parecer projetos curriculares de centro educacional e de sala de aula, elaborar controles ou provas de avaliação para detectar o rendimento de cada um dos meninos e meninas da classe, estabelecer uma série de normas disciplinares etc.

Um constante bombardeio de propaganda ideológica neoliberal e decisões políticas conservadoras pretendem menosprezar a função de intelectuais que compete às professoras e professores exercer. Essa negligência para com seu papel como intelectuais é favorecida (ainda que muitas vezes não seja essa a pretensão) por certos discursos psicológicos e didáticos que, com a idéia de apresentar novas conceitualizações, modelos ou metodologias, recorrem à estréia contínua de novos jargões, que para nada servem além de desviar a atenção do professorado para questões pouco relevantes e fazer as autenticamente importantes parecerem fora de moda.

Vivemos momentos de mudança, profundas transformações sociais estão em curso na maioria das sociedades, em grande medida como conseqüência das inovações e transformações nas estruturas produtivas e de consumo. Idéias e utopias que até há pouco orientavam e serviam de eixo vertebrador a discursos e práticas libertadoras vêm sendo rifadas quase sem que se disponha de argumentos válidos para isso. Estes são momentos de perplexidade e é também agora que a reflexão e o debate coletivo se tornam inevitáveis.

Urge recuperar para a função docente a concepção gramsciana de intelectual, neste momento em que os discursos e epistemologias dominantes pretendem recortar seu papel até deixá-la reduzida a dimensões técnicas e de gestão burocrática.

Intelectual é alguém dotado de faculdades para representar, organizar e articular mensagens, visões da realidade, atitudes, filosofias e opiniões de, assim como para, um determinado público (Said, 1994, p. 11). O exercício da função de intelectual pode ser feito, logicamente, em diversas direções; ou com o objetivo de tornar razoável, natural, inevitável e neutro os interesses dos grupos que estão em situações vantajosas, em posições hegemônicas, ou para des- montar essas metas particulares e parciais. Aqueles que colaboram na primeira modalidade de trabalho intelectual costumam receber a denominação de intelectuais hegemônicos, em conformidade com o trabalho de vigilância e legitimação das atuações dos grupos hegemônicos de poder.

Ao contrário, intelectuais contra-hegemônicos são aquelas pessoas que manifestam um maior compromisso com as classes e grupos sociais mais desfavorecidos e cooperam na detecção de práticas, metodologias e discursos que funcionam tratando de facilitar e justificar sua dominação e opressão. São também aqueles que contribuem para conformar práticas libertadoras, a serviço dos coletivos sociais explorados e marginalizados, estimulando entre estes a análise de seus atuais modos e condições de vida e provocando uma tomada de consciência capaz de permitir que elaborem e coloquem em ação respostas para fazer frente à sua subjugação. Tais intelectuais possuem uma responsabilidade especial como criadores e fomentadores de situações de deliberação e debate democrático no seio dos grupos sociais mais desfavorecidos, com os quais compartilham sua vida e ideais.

Não é aceitável renunciar a pôr a serviço desses grupos todas as habilidades e conhecimentos que os professores e professoras foram construindo como intelectuais. O exercício da crítica e da investigação é algo que define sua formação e a função de seu trabalho. Nessa direção, mecanismos com maior poder democratizador como a investigação-ação democrática e crítica são fundamentais para levar a cabo a revisão das práticas e discursos que, tanto no sistema educativo como em outras esferas sociais, não costumam levar em consideração a história, vozes e interesses de grupos sociais silenciados como as mulheres, a classe trabalhadora, meninos, meninas e adolescentes, as pessoas idosas, os povos, etnias e nações oprimidas.

O fato de realizarem esse trabalho de debate e análise não equivale a serem os únicos responsáveis por tal análise e pela formulação ou sugestão de linhas de ação; muito pelo contrário. É trabalho de intelectuais ir favorecendo que um número cada vez maior de pessoas possa exercer essa tarefa de análise e reflexão a respeito do que aconteceu e está acontecendo e sobre qual pode ser o futuro. Compartilhar e divulgar esse trabalho entre os membros desses coletivos sociais mais desfavorecidos, potencializar suas capacidades de reflexão, análise e ação é tarefa indissociável da função de intelectuais.

Convém, no entanto, que sejam suficientemen- te precavidos para não cair em simplistas categorizações dualistas do tipo “eles”/“nós”, “bons”/ “maus”; o que levaria implicitamente a construir categorias pouco sérias e reais de “inimigos”/“amigos”. A complexidade da vida humana é algo que algumas óticas pós-modernas estão ajudando a desvelar e a que se deve prestar atenção. Assim, já faz anos que os movimentos feministas deixaram claro que é possível atuar ao mesmo tempo como opressores e oprimidos. É o caso, por exemplo, de homens da classe trabalhadora que sofrem situações de dominação e opressão em seus lugares de trabalho fora do lar, mas que atuam como opressores sobre as mulheres no âmbito familiar.

Nesse sentido, o conceito de “assincronismo” pode vir a ser de grande utilidade. Nem sempre os diferentes grupos e movimentos sociais coincidem entre si em suas reivindicações e/ou nas prioridades pelas quais se organizar para combater formas e situações de dominação. Como destaca Cameron McCarthy (1994, p. 108), existem descontinuidades nas dimensões em torno às quais se agrupar e colaborar, “que derivam do choque de interesses, necessidades e desejos assincrônicos, que separam entre si diversos setores de grupos minoritários e os atores pertencentes a minorias dos da maioria”.

Essa dificuldade para coincidir na definição e concreção do que se considera que é prioritário atender é também sublinhada por Michel Foucault (1979) quando indica que não existe um único eixo em torno do qual todas as relações de poder e dominação, luta e resistência, possam se agrupar, “mas antes uma produção multiforme de relações de dominação que são parcialmente integráveis em estratégias de conjunto” (p. 171). Essas lutas sociais descontínuas costumam acontecer, por sua vez, em âmbitos espaciais locais e regionais, mais do que em âmbitos muito maiores que requerem modalidades de coordenação mais complexas.

Existem múltiplos espaços, formas e momentos nos quais diferentes grupos humanos se comprometem com questões de liberdade, dignidade, justiça, realização pessoal etc.

O exercício da crítica, típico do trabalho intelectual, tem de aprender a levar em consideração essa dinâmica de contradições, tensões e assincronias que se produzem na vida que tem lugar nas instituições escolares, no seio familiar, nos locais de trabalho, espaços de ócio, instituições culturais e políticas. Dessa maneira, é possível que seja mais fácil detectar e fazer frente às situações de injustiça e dominação que sofrem os coletivos sociais com menor poder.

Recuperar para o coletivo docente uma certa capacidade de “agitação social”, submetendo-se sempre à crítica por parte dos coletivos com os quais se encontra comprometido, não equivale a convertê-lo em líder e dirigente nem, evidentemente, nas únicas pessoas capacitadas para orientar ações, mas antes em promotoras, animadoras das vozes dos grupos silenciados e com menor poder. Trata-se de contribuir para que os que integram esses coletivos falem; que reflitam sobre sua situação e sejam eles que decidam e se comprometam com a direção de alternativas de atuação.

Creio que esteja patente uma coincidência do avanço da direita política com um momento de forte crise nos setores intelectuais, que parecem dominados por um certo “pânico” em refletir em voz alta. É como se o medo se tivesse apoderado das mentes das pessoas que têm obrigação moral, espaços e possibilidades de refletir sobre o momento atual. Tem-se a sensação de que se quer renunciar a criar con- dições para fomentar maiores cotas de debate e de análise; em resumo, é como se existisse uma rendição nos setores intelectuais não hegemônicos, quando não também uma certa sensação, que é pior, de se passar para o outro lado, contribuindo para conformar discursos legitimadores dos atuais modos e condições de exploração. Não ajudar expressamente a criar discursos libertadores é uma forma de colaboracionismo oculto com o poder estabelecido.

As professoras e professores intelectuais, a serviço da democracia e da justiça social, têm de contribuir para o estabelecimento de condições para que, nos centros escolares e nas salas de aula, o alunado possa chegar a descobrir o que se esconde por trás dos véus do “saber oficial”; que aspectos não estão sendo levados em consideração, de que ma- neira pode estar manipulada e distorcida a informação com que os meninos e meninas são bombardeados pelos meios de comunicação de massa e demais fontes informativas com as quais entram e, muitas vezes, são forçados a entrar em contato.

Ajudar a desmascarar os pré-julgamentos e estereótipos do conhecimento no qual se apóiam as práticas e discursos classistas, racistas e sexistas é tarefa vinculada à função das professoras e professores como intelectuais. É preciso favorecer que as pessoas possam discutir a aparição de imagens, discursos e narrativas, que nada mais pretendem a não ser fechar as portas ao futuro, impedir, a um importante número de coletivos sociais, de ser.

A educação, uma dimensão da política cultural da sociedade

As questões curriculares, conseqüentemente, devem ser consideradas como mais uma dimensão de um projeto de maior envergadura, como é a política cultural de cada sociedade. Toda proposta curricular implica fazer opções entre as distintas parcelas da realidade, supõe uma seleção cultural que se oferece às novas gerações para facilitar sua socialização, para ajudá-las a compreender o mundo que as rodeia, conhecer sua história, promover valores e utopias. Assim, pois, surge já uma primeira questão: quem são as pessoas que vão participar dessa tomada de decisões a respeito de tal seleção de conteúdos, e por quê?

Todas as investigações centradas nos conteúdos que vêm sendo trabalhados na maioria dos centros de ensino concluem que existe um forte viés nas opções que são promovidas como “exemplificantes”, que são silenciadas realidades daqueles que não estão vinculados a expedientes de poder político, econômico, cultural e religioso, isto é, das etnias e grupos sociais desfavorecidos e marginalizados (das mulheres, da classe trabalhadora, das pessoas de terceira idade, das pessoas pobres, desvalidas, de homossexuais e lésbicas, do mundo rural e marinheiro, dos meninos, meninas e adolescentes etc.) e do Terceiro Mundo. Esse silêncio de coletivos sociais importantes pode ser constatado de modo especial nos materiais didáticos que fecham as propostas curriculares, os livros-texto.

Mas quando se reflete sobre os porquês dessa censura e, até mesmo, manipulação da informação presentes em grande parte dos materiais curriculares que circulam nas instituições escolares, apenas encontramos explicações suficientemente potentes quando expandimos o olhar para fora das paredes das salas de aula e analisamos o que está acontecendo nas demais esferas dessa socieda- de da qual fazem parte.

A estrutura de classes e grupos sociais, os modelos produtivos e de comercialização, de acesso, divisão e organização do trabalho, os processos de acumulação de capital, as políticas econômicas, trabalhistas, sociais e culturais são outros tantos focos de atenção nos quais encontram-se as chaves potentes para entender o que está acontecendo na comunidade e, portanto, os motivos que explicam um sem-número de comportamentos grupais e individuais. É rastreando tramas semelhantes que chegaremos a discernir o sentido da maioria das tarefas escolares que ocupam alunos e alunas, assim como suas reações diante delas. É também nessa rede, da qual faz parte o sistema educativo, que se poderão explicar as atividades, rotinas e tarefas do professorado. Assim, será mais factível, como é urgente neste momento, elaborar linhas de ação com probabilidades de incidir no curso dessa realidade e condicionar o curso atual da história.

A desigualdade na distribuição de recursos educativos e culturais, sinal de sociedades injustas

Chama a atenção que o famoso lema em torno do qual se organiza a Revolução Francesa, “liberdade, igualdade e fraternidade”, que os cidadãos e cidadãs democratas convertem num dos objetivos e premissas sobre os quais construir e governar as sociedades modernas, pareça hoje um tanto antiquado e irreal. Especialmente se levarmos em conta que uma das idéias básicas sobre as quais se assenta a direita política é a da crença na “desigualdade” entre as pessoas.

Um modelo de sociedade conservador, liberal e neoliberal, como o que a estas alturas da história vem se impondo na maioria dos países tecnologicamente mais desenvolvidos, que se assenta em pilares como a defesa do “livre mercado”, precisa propagar filosofias e concepções que apresentem o ser humano isolado socialmente. Dessa maneira, todas as análises levam em consideração unicamente o indivíduo com capacidade para se autoformar, autodeterminar, sem que nada nem ninguém de fora possa influenciar ou condicionar suas possibilidades inatas. Todos seus êxitos e, logicamente, fracassos serão de sua responsabilidade; nada nem ninguém vai condicioná-lo. Todas as maneiras de pensar, a tomada de decisões sociopolíticas serão levadas a termo tendo-se em consideração perspectivas pessoais, individuais, não coletivas. Os direitos que se formu- lam e atendem acabam sendo pensados de modo individualista, do mesmo modo que as análises que são realizadas sobre a realidade.

A aposta e a defesa de filosofias individualistas, da competitividade e esforço pessoal são aspectos indispensáveis para o bom êxito dos modelos econômicos capitalistas e, agora, da globalização dos mercados. Essa ideologia obriga a assumir que as pessoas não precisam se agrupar em função de condições de vida ou valores compartilhados; não se contempla nada com capacidade suficiente para circunscrever cada indivíduo como membro de um grupo; não se deixam ver estratégias para vertebrar modos de atuação mais coletivos com possibilidades de transformar modelos organizativos e estruturas sociais que ocasionam situações de injustiça a grupos sociais concretos e, logicamente, a cada um de seus membros.

Por outro lado, como conseqüência das políticas ultraliberais, insiste-se mais em mostrar as pessoas como consumidoras e em prestar atenção a seus direitos de consumir do que à sua condição de cidadãs e cidadãos; isso acarreta uma redução de suas obrigações e deveres como seres humanos e um menoscabo de suas possibilidades de ação e intervenção. A dimensão consumista implica mover-se apenas num âmbito que permite realizar escolhas entre o que nos oferecem, não no da definição de suas necessidades e da realidade. Restringem-se as ocasiões e níveis de autonomia para as pessoas criarem modelos e orientações sobre como pode ou deve ser sua comunidade; minimizam-se os espaços e oportunidades de participar do estabelecimento de direções de desenvolvimento para a sociedade a que se pertence.

As novas sociedades de consumo estão tratando de transformar as instituições escolares submetendo-as às mesmas leis que regem o mercado de Consumo (Whitty, Edwards e Gewirtz, 1993). Pretende-se que as ofertas que os centros docentes realizem sejam feitas para satisfazer as demandas daqueles que têm possibilidades de formulá-las, os grupos empresariais. Nesse sentido, não podemos deixar de lado a existência de um mercado em que a manipulação da informação desempenha um im- portante papel. A informação é na atualidade um dos poderes mais decisivos, daí o grande interesse e a luta por obter o controle das comunicações, por possuir jornais, emissoras de rádio e televisão, redes informáticas etc. É sobre a base desse controle e manipulação da informação que podemos compreender que tanto as famílias como o próprio alu- nado sintam maior urgência por determinados conhecimentos e habilidades que, afirma-se, facilitam o acesso a empregos e estão mais diretamente vinculados a saídas para o trabalho, e, o que é pior, cheguem a considerar inúteis ou de escasso interesse conteúdos culturais e valores relacionados à compreensão da realidade, da justiça, da solidariedade e democracia.

O sistema educativo, portanto, aparece como algo a consumir, como a via para obter credenciais que, no futuro, facilitem entrar na demanda por trabalhos e salários, que permitam participar das escassas possibilidades de mobilidade social; não é concebido como um conjunto de instituições coadjuvantes na conquista de maiores cotas de justiça social, na luta contra a desigualdade e a opressão. Creio que um dos grandes perigos para nossas sociedades está na maneira como se obscurecem o sentido e a finalidade do sistema educativo.

Não obstante, como aponta R. W. Connel (1993), temos três razões para considerar a existência de um forte nexo de união entre os sistemas educativos e a conquista de maiores níveis de justiça social.

1. O sistema educativo é um dos maiores ativos públicos. É uma das maiores empresas em qualquer economia moderna. Para nos convencermos de que é uma das empresas mais importantes, basta pensarmos nas cifras bilionárias que manejam os ministérios da educação e da ciência da maioria dos países. Dado que se trata de uma empresa pública, é lógico perguntar quem obtém a maioria dos benefícios. As análises quantitativas revelam rapidamente uma forte desigualdade nessa distribuição de recursos e benefícios. Quando nos detemos em comprovar as formas que assume a distribuição dos alunos no sistema educativo, as formas piramidais se impõem (há muitas alunas e alunos nos níveis iniciais e, à medida que ascendemos no sistema educativo, vamos encontrando cada vez menos). Os piores resultados, já o sabemos, são dos meninos e meninas das classes trabalhadores, da etnia cigana, dos núcleos rurais mais desfavorecidos etc.

2. O sistema educativo, atualmente, não apenas é um dos principais ativos públicos, como também é previsível que o seja ainda mais no futuro. Convém ter presente que o conhecimento especializado tornou-se mais um dos componentes do sistema de produção e comercialização.

Atualmente, é no âmbito do sistema educativo que se dão as principais condições para a investigação e a promoção de inovações tecnológicas. Isso se comprova facilmente quando vemos, por exemplo, os fortes vínculos que se começaram a estabelecer entre o mundo empresarial e as universidades.

Viver numa sociedade democrática implica que os fundos públicos redundem em benefício de todas as pessoas e não somente de algumas poucas; significa que, nessas investigações custeadas com dinheiro público, os distintos grupos sociais devem ter parti- cipação, especialmente no estabelecimento de linhas prioritárias e urgentes de investigação; em outras palavras, os diferentes grupos e coletivos sociais têm de dispor de canais para participar da definição dos problemas atuais e da determinação de quais dentre eles urge resolver de maneira mais peremptória. Não é aceitável que todo o sistema público educativo se mova apenas ao ritmo e na direção que os grupos sociais com maior poder econômico e político decidem. Uma boa prova dessa disfuncionalidade está no fato de que a investigação de que os grupos empresariais privados necessitam está sendo levada a cabo, em grande parte, pelas universidades públicas e institutos de pesquisa financiados com fundos públicos.

Esse conhecimento que os sistemas educativos constroem e distribuem não apenas desempenha um papel importante na melhoria da produção e na expansão de mercados, mas também na estratificação social e, portanto, na manutenção de hierarquias sociais. Não esqueçamos que vivemos num mo- delo de sociedade no qual o credencialismo é uma de suas marcas idiossincráticas. O número de títulos profissionais alcançados e o prestígio da instituição que os expede decidem em grande medida as possibilidades de trabalho e a circunscrição a uma determinada classe e coletivo social.

Nesse sentido, é curioso como está sendo produzindo um maior crescimento da iniciativa privada em todos os níveis do sistema educativo (desde a educação infantil e primária até a própria universidade), mas com dinheiro público. Desde a década de 70, e em especial na de 80, a parcela orçamentária do Estado e das comunidades autônomas destinada às instituições escolares privadas não pára de crescer.

Os sistemas educativos distribuem oportunidades de participação e consumo nos atuais sistemas produtivos, bem como moldam os possíveis modelos de sociedade do futuro. Preocupar-se com uma maior democratização, participação e eqüidade para o futuro significa construir a partir de hoje instituições escolares que preparem esses pilares de apoio.

3. A terceira razão para se preocupar com o sistema educativo, segundo R. W. Connel, estaria na concepção do que é educar que essa sociedade concreta à qual nos refiramos defende em cada momento histórico.

Educar é uma tarefa moral, uma vez que implica levar em consideração dimensões morais. O ensino e a aprendizagem, como práticas sociais, sempre implicam questões acerca de propósitos e critérios para a ação (sejam ou não compartilhados), decisões sobre a aplicação de recursos (incluindo autoridade e conhecimento) e acerca de responsabilidades e conseqüências dessas ações. Essas implicações nunca podem ser eludidas, não é possível evitar esse tipo de questão. O fato de que não estejamos conscientes delas não significa que essas dimensões morais tenham sido relegadas; pelo contrário, tal como demonstram os estudos sobre o currículo oculto (Torres Santomé, 1996), não é difícil que, inclusive por não lhes prestar uma aten- ção explícita, estejamos participando, colaborando, na perpetuação de comportamentos morais que de maneira consciente repudiamos (autoritarismo, acriticismo, egoísmo, individualismo, falta de solidariedade, fanatismo, dogmatismo etc.).

No entanto, toda uma grande cultura conservadora pretende reduzir essas questões ao silêncio, criando estratégias e recursos didáticos que incorporam esses valores previamente decididos pelos grupos de poder mais conservadores e, ao mesmo tempo, tratando de despistar o professorado instando-o a que se ocupe, por exemplo, de tarefas que o impedem de levar em consideração esse tipo de elementos, tal como vem sucedendo nos últimos anos. Ele é forçado a dedicar cada vez mais tempo a questões burocráticas; reclamam dele esboços de projetos curriculares de centro educacional e de sala de aula, mas sem estabelecer condições que facilitem esse trabalho; pretende-se convencê-lo de que o mais importante é seqüencializar conteúdos já definidos e, o que é mais curioso, já hierarquizados pelos materiais curriculares mais dominantes, os livros-texto; perseguem-no com questões de disciplina e estratégias para “acalmar os estudantes”; sugerem-lhe que faça mais e mais avaliações e controles; enviam-lhe abundante legislação com terminologias constantemente renovadas etc.

Para a reprodução das atuais ideologias individualistas e meritocráticas, é preciso que cada uma das pessoas que compartilham um determinado espaço territorial seja convencida de tais valores, para o qual os que detêm o poder se vêem na necessidade de gerar uma cultura que sirva para coesioná-las e facilitar um grau importante de estabilidade social. Daí a pretensão que caracteriza os grupos hegemônicos conservadores e liberais de estabelecer e controlar conteúdos culturais obrigatórios que sirvam para reforçar a ideologia dominante. A busca de um “cânone” cultural para oferecer como legítimo, sem possibilidades de submeter à discussão e crítica, converte-se em estratégia indispensável para a perpetuação das condições estruturais que reforçam seu poder e hegemonia.

Portanto, falar e intervir no mundo da educação implica inevitavelmente considerar dimensões de justiça social.

No momento de destinar recursos ao âmbito educativo (dinheiro, pessoal, edifícios, recursos didáticos etc.), a comunidade e aqueles que, em cada momento, têm responsabilidades políticas enfrentam-se em dilemas de partilha e distribuição, na criação de condições que influirão decisivamente para tornar realidade ou não o ideal democrático da igualdade de oportunidades.

É óbvio que uma sociedade que distribui mal seus recursos está favorecendo mais a determinados coletivos sociais do que a outros.

As análises que vêm sendo efetuadas num número muito importante de países não cessam de colocar em relevo que alguns grupos sociais recebem mais apoio do que outros. As denúncias de imperialismo e colonização, classismo, racismo e sexismo no âmbito educativo são contínuas. No Estado espanhol é urgente e obrigatório enfatizar concretamente a marginalização racista que um po- vo como o cigano está sofrendo e suportando. Esse é um tema que apenas começou a dar passos, com exceção de alguns coletivos docentes que têm um contato mais direto e cotidiano com pessoas dessa etnia. Na prática, o mundo oficial, da administração, continua sem prestar-lhe a devida atenção.

Dimensões da discriminação e do racismo na educação

Vivemos numa sociedade na qual, continuamente, um enorme volume de publicações e emissões dos meios de comunicação de massa nos bombardeiam tratando de nos informar e de nos fazer participar da realidade; entre suas finalidades está a de levar suas consumidoras e consumidores a interpretar de uma maneira “correta” tudo que acontece. É através da imprensa, do rádio e da televisão que nos inteiramos de catástrofes, de fatos e acontecimentos cotidianos, de façanhas, descobrimentos etc., mas sempre de uma maneira seletiva. Os meios de comunicação de massa “filtram as realidades” de acordo com os interesses dos que detêm sua propriedade e controle.

Nessa “realidade construída”, os atores e atrizes são desenhados seletivamente, de tal forma que as minorias e grupos sociais sem poder acabam sempre levando a pior parte. As tentativas de silenciar “o diferente” e minoritário, ou mesmo optar por convertê-lo em algo disparatado podem ser facilmente constatadas. Mas nos casos em que essas realidades não podem ser escondidas, a opção mais usual é reelaborá-las, “reinterpretá-las” para apresentá-los como culpáveis pelos seus próprios problemas e até daqueles que ocasionam a outros grupos sociais majoritários e/ou com maior poder. Tratar de demonstrar, primeiramente, que suas condutas são “inadequadas” e, depois, procurar explicar que são conseqüência de condicionamentos inatos (sobre os quais os seres humanos não têm possibilidade de controle), de aspirações inadequadas às suas capacidades naturais ou são fruto de uma vontade de continuar aferrando-se a alguma de suas tradições “defasadas” etc. Numa palavra, recorre se a estratégias de “naturalização” das situações de injustiça, o que na atualidade é favorecido pela hegemonia das ideologias do individualismo e que, obviamente, afeta também a maneira de realizar muitas das análises sobre o que acontece no sistema escolar.

Assim, quando se fala do fracasso e do êxito escolar, de problemas disciplinares nas salas de aula, do que o alunado sabe ou desconhece, a unidade de análise é a pessoa considerada individualmente, e o discurso utilizado tratará também de deixar cla- ras as responsabilidades pessoais, individuais. Um exemplo disso, encontramos no difundido livro de Allan Bloom, The closing of the american mind (1987), em que, a propósito do sistema político dos Estados Unidos da América, destaca que “classe social, raça, religião, origem nacional ou cultura desaparecem ou chegam a ser algo sem interesse quando são contemplados à luz dos direitos natu- rais, que outorgam aos seres humanos interesses comuns e os convertem realmente em irmãos” (p. 27). Frase que contém implicitamente uma aposta na meritocracia como filosofia de vida. De modo semelhante, podemos explicar a atualidade de nu- merosas investigações que pretendem medir as ca- pacidades mentais das pessoas, por exemplo, o quo- ciente intelectual, para responsabilizá-las de modo individual pelos seus feitos.

O êxito e as possibilidades de promoção são vistos como atos de competitividade entre pessoas que, mediante o esforço individual e suas capacidades naturais inatas, alcançam méritos com os quais concorrer e demandar acesso a privilégios sociais de maneira também individual.

Por outro lado, não convém cair em simplificações no momento de analisar e tratar de questões de racismo e de discriminação, já que nem todas as pessoas que compartilham alguma das marcas idiossincráticas de uma raça ou etnia sem poder sofrerão com a mesma intensidade as situações de opressão. Pode acontecer, até mesmo, que alguns dos membros de um grupo social marginalizado cheguem a ser muito respeitados e aceitos pelos grupos dominantes.

Não poderemos compreender bem os problemas raciais se não contemplarmos as dinâmicas de classe e gênero que interagem em seu interior. É óbvio, por exemplo, que ser uma mulher cigana dedicada a tarefas domésticas e familiares é difere te de ser uma mulher cigana que trabalha e triunfa no mundo do espetáculo, da televisão ou do cinema; ou ser um homem cigano dedicado a catar papelão de ser um ancião patriarca ou desempenhar outro trabalho artístico ou profissional de maior prestígio. Em nossas análises e estratégias de intervenção em relação a qualquer coletivo social, é preciso levar em consideração também essas variáveis. As pessoas constroem esquemas conceituais através dos quais sua experiência cobra sentido, analisam e valoram as situações nas quais se vêem envolvidas, em resumo, percebem a realidade. Por conseguinte, qualquer evento no qual se vejam envolvidas terá um significado específico dependendo da raça a que pertençam, da classe social, do gênero, da idade, do território em que vivem etc. Tudo isso obriga a que, nas propostas de trabalho para as salas de aula e centros de ensino, se preste atenção a tais dimensões no momento de ponderar o significado ou relevância das tarefas que se planejam e se executam.

Neste ponto, encontramos já duas implicações para o trabalho nas aulas:

1. Tudo o que se programe como tarefa escolar, como proposta de trabalho curricular, tem de tornar visível suas conexões com as experiências cotidianas e significativas para o coletivo estudantil ao qual é oferecido. É necessário que se permita que os problemas, preocupações, aspirações e interesses do alunado sejam acolhidos.

2. Toda proposta curricular tem de estar apoiada na cultura de procedência do alunado. E quando falamos de cultura de origem não é como conceito abstrato sem maior significado, mas sim estamos nos referindo aos “diferentes e dinâmicos estilos de vida de sociedades e grupos humanos e às redes de significados que as pessoas e grupos usam para construir seus significados e comunicar-se entre si” (Hall, 1992, p. 10).

Conteúdos culturais dos currículos e reconstrução de identidades sociais

O problema das escolas tradicionais, apesar da forte ênfase nos conteúdos culturais apresentados em pacotes disciplinares, em forma de matérias, é que não conseguem fazer que o alunado seja capaz de ver esses conteúdos como parte de seu próprio mundo. A física, a química, a história, a gramática, a educação física, a matemática são dificilmente visíveis; conseqüentemente, o que se trabalha nas salas de aulas, para a maioria de nossos estudantes, existe apenas como “estratégia” para enfastiá-los, para que possam passar de curso a curso, com a esperança de obter um título. A escola aparece como o reino da artificialidade, um espaço em que regem determinadas normas, fala-se de uma manei- ra peculiar e onde é necessário realizar determinadas rotinas, que servem somente para poder obter felicitações ou sanções por parte do professorado e mesmo de suas próprias famílias, mas a coisa só vai até aí. É muito difícil estabelecer laços de conexão entre os blocos de conteúdo dos quais se fala nas aulas, entre as tarefas escolares e a vida real, os problemas e realidades mais cotidianas.

Se há uma crítica comum e reiterada ao longo da história das instituições educativas é a de selecionar, organizar e trabalhar com conteúdos culturais pouco relevantes, de forma nada motivadora para o alunado e, portanto, perdendo o contato com a realidade em que se situam tais atividades docentes. As situações e problemas da vida diária, as preocupações pessoais, ficam fora das paredes das salas de aulas e dos centros de ensino em numerosas ocasiões.

Não é raro que o currículo tradicional acabe mostrando uma notável semelhança com alguns jogos de perguntas e respostas sobre assuntos triviais ou concursos de televisão de cunho nominalista. Competições nas quais, para obter êxito, basta ser capaz de recordar pequenos fragmentos de informação sem maior aprofundamento e, o que é mais grave, sem a devida compreensão dos conteúdos que são verbalizados. Apenas é preciso saber aparentar que se entende aquilo que se pronuncia, embora a realidade seja outra.

Educar equivale a socializar os alunos e alunas, torná-los participantes do legado cultural da sociedade da qual são membros e dos principais objetivos, problemas e peculiaridades do resto da humanidade. A compreensão e a reflexão a respeito do que se trabalha, é óbvio dizer, é imprescindível. Mas, do mesmo modo, é indispensável ter em conta que contribuir para uma compreensão crítica da realidade obriga a assumir que quase todas as matérias e temas tem dimensões controversas, questões sem resolver. Essas perspectivas conflitivas existem paralelamente às diferentes opiniões, valores, prioridades e interesses patentes e ocultos em toda a comunidade. Isso pode afetar questões como as seguintes:

> a seleção e/ou definição de um problema a ser resolvido;

> a análise de suas causas, prognóstico e conseqüências etc.;

> as ações, soluções e decisões que se propugnam;

> por quem, quando, como, onde serão tomadas essas decisões corretoras ou resolutivas etc.

Tentar preservar o alunado das dimensões controvertidas da realidade equivale a introduzi-lo num limbo, desligá-lo do mundo real.

Evidentemente, nessa tarefa, os recursos didáticos através dos quais se veiculam conteúdos culturais (livros-texto ou outro tipo de fontes de informação: monografias científicas, revistas especializadas, dicionários, documentários, vídeos, software etc.) desempenham um papel crucial. O valor e o rigor não será o mesmo para todos. Uma prova do que dissemos já encontramos no momento de procurar, nos livros-texto que circulam atualmente nas instituições escolares, a presença de coletivos inteiros, como o povo cigano, e o que se diz deles. Chama poderosamente a atenção a pobreza documental e, o que é pior, a distorção e a manipulação informativa que caracterizam muitas redações que aparecem em tais livros-texto, o recurso ainda dominante nos centros de ensino (Calvo Buezas, 1989; Torres Santomé, 1996a, 1996b).

De qualquer maneira, não gostaria de modo algum de dar a impressão de que assumo que os estudantes e docentes aceitam sem mais nem menos tudo o que aparece nos livros-texto, sem opor resistências, reinterpretar, revisar ou alterar a informação ali contida. Alunas e alunos manifestam resistências, umas intencionadas e outras não, diante de seu conteúdo. Assim, vemos que algumas vezes reinterpretam informação que lhes é apresentada tendo em conta outras informações prévias que possuem ou experimentaram, outras vezes as rejeitam de múltiplas formas, por exemplo, mantendo-se indiferentes.

Repensando a aprendizagem escolar

Em muitas ocasiões, está sendo esquecida a necessidade de reconsiderar a aprendizagem escolar levando em consideração de uma maneira expressa o efeito das transformações estruturais que fragmentam e desorganizam radicalmente a experiência humana (Nixon et al., 1996, p. 29). Ultimamente, a ênfase está sendo posta mais em aspectos economicistas e em considerações a partir de óticas das políticas de mercado, enquanto as preocupações morais e éticas são relegadas. Desse modo, já nem o próprio fracasso escolar é considerado uma falha dos mecanismos de justiça social que toda sociedade democrática tem obrigatoriamente que se impor.

Propor-se a estimular processos de ensino e aprendizagem, tal como é função das instituições docentes, obriga também a não deixar à margem as condições e filosofias subjacentes que caracterizam esses processos. É a partir das finalidades dos centros de ensino, dos objetivos sociais de que estão incumbidos, que se deve questionar o porquê dos conteúdos curriculares que são escolhidos ou promovidos, as formas adotadas para desenvolver os processos de aprendizagem e modelos organizativos coerentes com as dimensões anteriores.

Aprender é desenvolver processos de compreensão sobre a realidade que induzem à participação nela e se originam a partir das tarefas escolares com as quais alunas e alunos se comprometem dia a dia na sala de aula. Aprender é participar num clima de sala de aula que incita quem ali participa a entrar em situações de diálogo e cooperação, servindo-se dos recursos materiais adequados para chegar a maiores níveis de compreensão das situações sociais nas quais participa e convive. Em tal concepção de aprendizagem, é óbvio que não é apenas às peculiaridades psicológicas de cada pessoa a que se deve recorrer para obter informação a respeito da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. São também, em meu modo de ver, mais decisivos os valores éticos e morais, compartilhados de maneira reflexiva e explícita, que servem de guia para a criação e avaliação de ambientes educativos.

É imprescindível ter presentes as dimensões morais nas tomadas de decisão sobre os modelos organizativos de sala de aula e de centros educacionais, assim como nos momentos de decidir a respeito das características dos conteúdos e recursos didáticos a empregar, os papéis das figuras docentes e os comportamentos do alunado e, logicamente, das tarefas escolares e procedimentos de avaliação.

Partindo-se da aceitação da importância dessa dimensão filosófica e política no momento de pensar nas estratégias de ensino e aprendizagem, é indiscutível que o trabalho em equipe adquire um significado especial. Este deixa de ser contemplado como algo exclusivamente benéfico a título individual, não apenas pelas habilidades interpessoais e cognitivas que favorece, mas também pelas capacidades de socialização que ajuda a construir (ver Quadro I). São fomentados hábitos de respeito em relação às demais pessoas, de colaboração e de compromisso com ideais coletivos e democráticos que vão além de considerações e sucessos individuais. Colabora-se na conformação de hábitos sociais de participação e crítica, imprescindíveis numa sociedade democrática, justa e solidária.

É com propostas de trabalho planejadas de maneira democrática entre estudantes e docentes, desenvolvidas e avaliadas em equipe, que se contri- bui também para valorar as diferenças pessoais e a diversidade no seio de cada comunidade, assim co- mo entre sociedades e países. Elas devem, por con- seguinte, tornar possível o desenvolvimento de ati- tudes de respeito, tolerância e cooperação.

Conteúdos culturais nas salas de aula num mundo global e solidário

As situações de ensino e aprendizagem nas situações escolares devem facilitar a análise e a compreensão do modo de funcionamento das estruturas sociais que caracterizam e condicionam a vida dos cidadãos e cidadãs. Desse modo, serão assen- tadas as bases que os capacitarão a fazer frente e atuar em defesa de seus legítimos interesses.

Para essa meta, é importante prestar atenção aos conteúdos culturais que serão promovidos nas salas de aula. Esses conteúdos, em teoria, referem-se ao conhecimento, habilidades e aptidões que as pessoas usam para construir e interpretar a vida social. Atualmente, seria muito difícil afirmar que as tarefas escolares com as quais enfrentamos o alunado na sala de aula capacitem-no para refletir e analisar criticamente a sociedade da qual faz parte, preparem-no para intervir e participar dela de maneira mais democrática, responsável e solidária. Dificilmente se pode constatar que os atuais processos de ensino e aprendizagem que têm lugar nos centros escolares sirvam para motivar de cara o alunado a se envolver mais ativamente em processos de transformação social, influir conscientemente em processos tendentes a eliminar situações de opressão. Em muito poucas situações, as alunas e alunos são estimulados a examinar suas pressuposições, valores, a natureza do conhecimento com o qual se defrontam dia a dia nas salas de aula, a ideologia subjacente às distintas formas de construção e transmissão de conhecimento etc.

Uma educação humanística, científica e técnica para uma sociedade pluralista precisa estimular e favorecer uma maior atenção aos produtos culturais de cada sociedade, prestando atenção a suas condições e processos de construção e à forma como são percebidos e valorados, tanto dentro da própria comunidade quanto por outras sociedades. Isso obriga a levar em consideração os pontos de vista dos diferentes grupos culturais, etnias e classes sociais, assim como as variáveis de gênero e idade das pessoas. Dessa maneira, facilita-se que as propostas curriculares sejam coerentes com ideais sociais de justiça, respeito e democracia, assim como se força a reconsideração de algumas das características do que comumente se vem entendendo como qualidade do ensino.

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O reconhecimento da diversidade cultural e de sua importância político-moral são pontos de apoio de qualquer luta em favor de uma maior democratização e da garantia de maiores cotas de igualdade social. Mas também é necessário o reconhecimento da realidade híbrida e mestiça da imensa maioria dos povos, nações e estados do mundo.

Prestar atenção, nas instituições escolares, a todas as culturas possíveis, passadas e atuais, a todos os países do planeta, coletivos sociais existentes, produções culturais e científicas, fatos relevantes, aspirações é sinceramente impossível. Portanto, também de uma perspectiva antidiscriminação e de justiça social, é preciso estabelecer alguns cri- térios de seleção dos conteúdos culturais que podem ser incorporados ao trabalho curricular nas salas de aula. Entre os numerosos critérios que podem ser determinados, um que é decisivo é o de prestar mais atenção às culturas e grupos desfavorecidos. Os mais favorecidos já dispõem de uma multiplicidade de canais informativos para se fazerem ver e notar. Num mundo global, convém não esquecer que as condições e a qualidade de vida de todos os povos são e serão num futuro iminente cada vez mais interdependentes. Em muitas ocasiões, as condições de vida de um povo dependem e repercutem sobre as dos demais.

Uma instituição como a escolar, que tem entre suas finalidades principais preparar as novas gerações, precisa obrigatoriamente construir hábitos nos meninos e meninas que lhes permitam levar em consideração outros povos e coletivos sociais nas análises da realidade que levem a cabo e nas tomadas de decisão nas quais se vejam implicados.

Detectar como as narrativas que foram sendo divulgadas e promovidas estavam escritas unicamente a partir das vozes e interesses de uma minoria, portanto, recorrendo a processos de silenciamento, manipulação e deformação, é uma tarefa em que as instituições escolares também têm uma importante missão.

Qualquer leitura atenta da maioria dos manuais escolares que circulam entre o alunado permite constatar processos de censura e deformação de importantes eventos históricos, culturais, científicos e tecnológicos; tanto nas informações referentes às condições de produção de tais fenômenos como em suas interpretações e valorações (Delfattore, 1992). Conseqüentemente, isso significa que no processo de socialização das novas gerações existem sinais de uma certa estafa intelectual e moral que, infelizmente, pode funcionar no futuro como estopim para comportamentos coletivos e individuais de cunho racista, sexista, imperialista, classista etc. É preciso, no entanto, não esquecer que essas peculiaridades de determinada cultura escolar nada mais são do que conseqüência da origem da educação institucionalizada, ou seja, algo consubstancial com uma instituição como a acadêmica, cuja finalidade, até o presente, não foi outra senão preparar as futuras elites, não facilitando, por conseguinte, o acesso e/ou a permanência dos filhos e filhas das classes e grupos sociais populares. Logicamente, essa filosofia continua vigente em muitas práticas na atualidade, o que podemos comprovar na facilidade com que se justifica o atraso escolar dos meninos e meninas do mundo rural e de grupos sociais desfavorecidos. Não deixa de ser curioso que um tema de tanta importância como o do fracasso escolar tenha passado a ser de interesse secundário, de acordo com a maioria das temáticas dos cursos, encontros e conferências dirigidos ao professorado.

Se um observador de fora tratasse de averiguar quais são as preocupações dominantes no sistema educativo espanhol, recorrendo às temáticas escolhidas para a atualização do professorado, poderia chegar à conclusão de que no Estado espanhol não existe fracasso escolar. Por outro lado, chamaria sua atenção o interesse por aprender a avaliar e qualificar com mais precisão, em como hierarquizar uma série de conteúdos disciplinares ao longo de um ciclo escolar, como elaborar Projetos Curriculares de Centro, etc. No entanto, a realidade do fracasso das instituições escolares em suas finalidades formativas é percebida com bastante unanimidade pelos cidadãos e cidadãs.

Convém não deixar à margem a análise das novas formas de desvantagem social, cultural e econômica, especialmente quando informes de instituições como a Caritas evidenciam que em nosso país está crescendo o número de pessoas em situação de pobreza, ou de organismos internacionais que apontam como as distâncias entre grupos sociais são incrementadas; as pessoas pobres o são cada vez mais, e núcleos importantes das classes médias perdem poder e possibilidades a cada dia. Do mesmo modo, é preocupante como a pobreza continua com um processo notável de feminização; são as mulheres que em maior porcentagem vivem em condições de necessidade e pobreza.

Uma importante ajuda na capacitação para compreender esse tipo de situação é a análise e revisão dos conteúdos culturais que são oferecidos como exemplificantes ao alunado.

Todas as disciplinas possuem aspectos em seus conteúdos que permitem prestar atenção às questões de justiça social e diversidade; tanto as chamadas ciências sociais e humanas como as físico-naturais. No fundo, as diferentes disciplinas ou ciências não são outra coisa que a formalização e sistematização dos conhecimentos, habilidades e valores que cada sociedade possui para sobreviver da maneira mais satisfatória possível, para fazer frente aos desafios de seu desenvolvimento e alcançar maiores níveis de eqüidade e justiça. As diferentes disciplinas, através dos tempos e em cada sociedade concreta, variam mais ou menos em função da comunicação que tais povos mantém entre si. Obviamente, em épocas históricas em que a comunicação era mais difícil, cada povo ia gerando formas mais idiossincráticas de resposta às necessidades que detectava. Mas toda sociedade sempre construiu e utilizou conhecimentos de física, química, economia, direito, tecnologia etc. para viver. À medida que os povos se comunicam, intercambiam esses conhecimentos e os conhecimentos adquiridos e reconstruídos vão se organizando para facilitar sua aprendizagem pelas novas gerações. Nessa dinâmica é que também vão surgindo as especialidades e os especialistas.

Se atualmente ainda existem comunidades com as quais as formas de comunicação não são suficientemente fluidas, nessa medida alguns conhecimentos, habilidades e tecnologias aparecem como mais idiossincráticos.

Trabalhar com essa concepção de fundo pressupõe planejar propostas curriculares integradas (Torres Santomé, 1996b), nas quais os estudantes e as estudantes se vejam obrigados a:

> Incorporar uma perspectiva global. Assumir a análise dos contextos socioculturais nos quais se desenvolve sua vida, assim como daqueles das questões e situações que submetam a estudo; atender às dimensões culturais, econômicas, políticas, religiosas, militares, eco- lógicas, de gênero, étnicas, territoriais etc. (ante uma educação mais tradicional em que a descontextualização é uma das peculiaridades da maior parte de tudo que se aprende.)

> Pôr a descoberto as questões de poder implicadas na construção da ciência e as possibilidades de participar de tal processo.

> Deixar patente a participação daqueles que constroem a ciência e o conhecimento; não silenciar quem são para demonstrar a historicidade e condicionantes de tal construção.

> Incorporar a perspectiva histórica, as controvérsias e variações que ocorreram até o momento sobre o fenômeno objeto de estudo; a que se deveram, a quem beneficiavam etc. Incidir, portanto, na provisoriedade do conhecimento.

> Integrar as experiências práticas em âmbitos cada vez mais gerais e integrados.

> Compreender todas as questões que são objeto de estudo e investigação levando em consideração dimensões de justiça e eqüidade. Converter o trabalho escolar em algo que permita pôr em prática e ajudar a compreensão das implicações de diferentes posições éticas e morais.

> Partir da valorização da experiência e do conhecimento do próprio alunado. Facilitar a confrontação de suas convicções e pontos de vistas pessoais com os de outras pessoas.

> Promover a discussão a respeito de diferentes alternativas para resolver problemas e conflitos, assim como dos efeitos colaterais de cada uma das opções.

> Proporcionar possibilidades de avaliação e reflexão das ações, valorações e conclusões que são suscitadas ou nas quais se vêem comprometidos.

> Aprender a comprometer-se com a acei- tação de responsabilidades e a tomada de decisões, a assumir riscos e a aprender com os erros que cometam.

> Potencializar a personalidade específica de cada estudante, seus estilos e características pessoais. Chegar a convencer-se do valor positivo da diversidade pessoal, algo imprescindível para chegar a assumir a de outros povos e culturas.

> Empregar estratégias de ensino e aprendizagem flexíveis e participativas. Aprender num âmbito organizativo flexível, participativo e democrático, no qual se preste especial atenção à integração de estudantes de diferentes grupos étnicos e níveis culturais, de destintas capacidades e níveis de desenvolvimento, no qual as tarefas escolares sejam levadas a cabo em grupos cooperativos de trabalho.

No fundo, trata-se de educar as cidadãs e os cidadãos com um “ceticismo informado” ou, o que é a mesma coisa, com capacidades para o pensamento crítico, como uma das estratégias perante uma sociedade e um mundo no qual os fundamentalismos, o pensamento dogmático, tendem a inundá-lo e a se colocar como único parâmetro a perpetuar.

Pôr em ação essas estratégias nos ajudará na conformação de cinco hábitos mentais que iremos construindo com o trabalho curricular nas salas de aula. Hábitos que ajudarão a obter uma capacitação mais adequada para participar de um mundo em que a diversidade é uma de suas marcas mais peculiares. Procuraremos fazer que as alunas e os alu- nos prestem atenção e se preocupem com:

1. Evidências. Como conhecemos o que conhecemos? Que tipo de evidências consideramos suficientemente boas, válidas?

2. Pontos de vista. Que perspectivas, critérios escutamos, vemos e lemos? Quem são seus autores ou autoras, onde as elaboraram, quais eram suas intenções ou finalidades?

3. Conexões. Como estão relacionadas umas questões com outras? Como se encaixam entre si?

4. Conjecturas. O que acontece se…? Supondo que… Podemos imaginar alternativas?

5. Relevância. Que controvérsias se estabelecem? A quem se presta atenção? (Wood, 1992, p. 172).

Tal clima de aula estará, em meu modo de ver, contribuindo para que o alunado desenvolva uma consciência crítica que lhe permita analisar, valorar e participar de tudo o que acontece e tem a ver com seu entorno sociocultural e político.

Manipulações populistas das filosofias progressistas

Algo que vem adquirindo grande peso em nossa sociedade é o discurso populista. Nele se recorre ao emprego de um vocabulário que faz referência a conceitos muito interessantes e valiosos, mas que são descarregados de significado, desvirtuados, para aparentemente dar a sensação de que se enfrenta uma série de problemas sociais urgentes; mas é só isso, aparência. Temos um exemplo disso nos discursos populistas contra o racismo, a pobreza, o desemprego etc. Neles são nomeadas realidades e direitos como os do povo cigano, da mulheres, da população negra, dos homossexuais e lésbicas etc., mas evitando considerar por que temos de nomeálas, a razão pela qual se presta atenção a dimensões idiossincráticas de etnia, raça, gênero, sexualidade etc. Ocultam-se relações de poder existentes nas sociedades em que convivem esses coletivos que so- frem alguma forma de marginalização, as categorias de classificação, sua valoração e os motivos pelos quais foram sendo construídas essas situações de marginalidade nessa determinada comunidade a que nos referimos.

Evidentemente, essa estratégia de confusão chegou também ao mundo da educação. As administrações educativas, concretamente através das leis que elaboram e dos decretos e normas que as desenvolvem, vêm manejando conceitos que foram construídos por forças sociais progressistas, formulados e reformulados mais de uma vez à medida que eram melhoradas as análises sobre a realidade, mas que agora se esvaziam de seu conteúdo social e, portanto, se despolitizam ou “repolitizam” em sentido inverso, conservador. Conceitos como globalização, interdisciplinariedade, currículo integrado e outros tão vinculados a estes, como socialização, igualdade de oportunidades, democracia escolar, participação e similares, passam a funcionar como vocábulos vazios ou muletas de expressão, sem dar conta de sua carga de significado e das conseqüências de seu uso. Outros, como atenção à diversidade, sofrem um forte reducionismo, deixando-os circunscritos a aspectos de índole exclusivamente pessoal, a dimensões de conduta ou a problemas psicológicos que têm a ver apenas com alguns indivíduos concretos. O mesmo cabe dizer de termos pedagógicos como profissionalização, projeto curricular etc., conceitos para fazer figura, mas não para ser conseqüente com eles e criar as condições administrativas, de trabalho e de formação que possam tornálos realidade na prática cotidiana das salas de aulas e dos centros escolares.

Surgem, inclusive, novas figuras e estruturas profissionais (psicopedagogos e psicopedagogas, orientadores e orientadoras, equipes psicopedagógicas de apoio, de atenção antecipada, de estimulação precoce etc.), mas com uma formação e orientação bastante enviesada: para atender unicamente a aspectos de patologia individual, e não a problemas que afetam coletivos sociais e que requerem prestar atenção a dimensões que condicionam sua vida e, por conseguinte, o aprendizado de cada aluno ou aluna.

O construtivismo como estribilho

Os que promovem as novas ideologias conservadoras não hesitam em tratar de esvaziar e “reorientar” todos aqueles conceitos e filosofias que no momento histórico presente tenham ganhado presença e prestígio. Uma boa mostra disso é seu apoio e promoção dos atuais discursos em defesa do construtivismo, filosofia psicoeducativa que, em suas divulgações pelas instâncias e personalidades vinculadas ao poder, vem se mostrando demasiadamente parcial.

Esse modelo teórico elabora seus argumentos com demasiada ênfase em dimensões individualistas ou excessivamente “universalistas”, abstraindo-se das peculiaridades de cada comunidade e do momento sócio-histórico que está vivendo. Nesses discursos psicológicos, o ser humano aparece confinado à margem de aspectos essenciais, como suas dimensões socioculturais e histórico-geográficas. Ne-les não se trata de pôr em relevo como essas variáveis jogam um papel decisivo na aquisição do conhecimento, do sistema de valores e desenvolvimento de habilidades, tanto em sua seleção como em sua valoração, interpretação e aceitação.

Dificilmente poderíamos nos opor à atual corrente epistemológica que promove que “o conhecimento se constrói”. Mas não deixa de ser chamativo que em muitos momentos esse discurso venha a se esgotar em frases tão simples como uma muleta de expressão ou um cacoete, deixando o aprofundamento de tal filosofia para o leitor ou ouvinte. No Estado espanhol, costuma ser freqüente, especialmente do ponto de vista da psicologia, que a defesa das teses construtivistas entre o coletivo docente acabe se resumindo em alguns slogans com os quais todo o mundo concorda e assume, dada a simplicidade de sua formulação. Ao final, fica apenas a idéia um tanto abstrata de que tudo é questão de “construção”, essa sim revestida com frases e conceitos que gozam de certo prestígio. Sem dúvida, nos momentos da ação prática, muitos professores e professoras sentir-se-ão incapazes de transpor essa filosofia para situações reais nas salas de aula. Todavia, uma análise mais minuciosa e crítica mostrará, com relativa prontidão, que o construtivismo não é algo do qual possamos falar no singular e com o qual concordem todas as pessoas que assim se etiquetam. Existe conflito entre as concepções e explicações subjacentes a tal perspectiva ou âmbito explicativo, como detecta César Coll (1993, p. 239) quando afirma que “por trás do termo ‘construtivismo’ escondem-se interpretações e explicações diversas e nem sempre coincidentes”.

Além disso, não deixa de ser curioso que, depois de muitos anos em que as análises sociológicas estiveram e continuam gozando de importante aceitação no campo do ensino, de repente, muitos dos discursos psicológicos pretendam silenciar essas dimensões e características que foram sendo enfatizadas. As pessoas constroem conhecimentos, mas quais? Quando? Onde? Em que condições? Com que finalidades? A serviço de quem? Promovidos por quem? É em torno de questões semelhantes a essas que o silêncio de muitos construtivistas chama a atenção.

Não costuma ser freqüente que, nos discursos sobre construtivismo, apareçam reflexões a respeito de quem orienta e promove o processo construtivista e em que direção. Portanto, existe o perigo de assumir tacitamente um certo “naturalismo”: que todas as meninas e meninos deixados à sorte constroem de uma maneira adequada.

Nos últimos anos, é visível a impregnação das concepções individualistas em muitos momentos do discurso construtivista psicológico, assim como nas orientações práticas que derivam desse modelo. Um exemplo disso temos no Brasil, no texto que o Ministério da Educação e Cultura divulga sobre “O ensino fundamental: Parâmetros Curriculares Nacionais”. Documento muito impregnado de construtivismo e no qual, no momento de derivar propostas práticas para as aulas, como no que diz respeito às formas de agrupamento do alunado, podemos ler o seguinte:

Devem estar atentos às diferentes formas de agrupamento possíveis segundo uma variedade de aspectos, por exemplo: desempenho diferenciado, desempenho próximo, gênero, afinidades para o trabalho, afinidades afetivas, possibilidade de ajuda, possibilidade de cooperação, ritmo de trabalho etc.

Não existe “o melhor” critério de organização de grupos para uma atividade, é necessário que o professor decida em cada tipo de atividade, em cada momento do processo de ensino e aprendizagem, para aqueles alunos específicos, qual é a melhor forma de organização social.[…]

Os agrupamentos são medidas eficazes para facilitar a individualização do ensino, pois podem ser consideradas as necessidades de cada aluno e garantidas situações adequadas para o desenvolvimento de certas aprendizagens.[…]

É possível pensar em grupos que não sejam estruturados por série e sim por objetivos a serem alcançados, onde a diferenciação entre séries se dê pela exigência adequada ao desempenho de cada um (p. 24).

Em explicações e propostas como as anteriores, penso que se pode constatar o predomínio de uma concepção exclusivamente individualista da aprendizagem. Cada aluno e aluna constrói seu próprio conhecimento, exclusivamente pessoal. Os outros companheiros e companheiras são considerados instrumento ou recurso para favorecer essas aprendizagens em cada pessoa. Não existe uma só linha de argumentação, num tema tão decisivo como o dos agrupamentos do alunado, que finque pé na necessidade de desenvolver a solidariedade entre os que compartilham uma sala de aula ou centro escolar, na exigência de trabalhar em grupo para aprender a colaborar, conhecer as demais pessoas que nos rodeiam, banir pré-julgamentos ou estereótipos sobre aqueles que pertencem a coletivos sociais marginalizados ou a etnias sem poder.

Quando se realiza a enumeração das modalidades de agrupamento de estudantes, isso é feito como se todas tivessem o mesmo valor, como se se tratasse de uma tomada de decisão meramente técnica, para favorecer o potencial inato de cada menino ou menina, para construir um conhecimento pessoal e que, podemos deduzir, terá conseqüências individuais. Esquece-se de mencionar as lutas que o coletivo docente, juntamente com outros coletivos sociais, levou e leva a cabo para contribuir para banir o sexismo promovendo agrupamentos mistos, de meninos e meninas; para favorecer a integração das pessoas com discapacidades, conformando grupos de estudantes de diferentes níveis de capacidades e conhecimentos; para colaborar na luta contra o racismo, sobre a base de agrupar alunas e alunos de diferentes etnias num mesmo grupo; para educar pessoas mais solidárias, fomentando o trabalho em equipe no qual cada estudante se sinta útil aos demais membros etc.

O professorado é muito mais do que promotor de conflitos sociocognitivos e, por conseguinte, precisa deter-se em pensar questões que ultrapassam os aspectos puramente psicológicos, tais como dimensões de valor, justiça, democracia, solidariedade que acompanham a produção e utilização do conhecimento e a tecnologia.

Um “sentido comum”, cuja construção esteve controlada pelos círculos de poder, pelos discursos promovidos por todo um conjunto de intelectuais oficialistas que gozam de todo o tipo de facilidades para aceder aos meios de comunicação e dirigir a produção do conhecimento e tecnologia, pode, deixado a seu livre arbítrio, funcionar em direções reproducionistas. A realidade não costuma adornar-se com etiquetas explicativas, pelo contrário, é imprescindível esforçar-se para revelar seu significado mais autêntico. Convém estar atento para que o discurso “construtivista” não acabe convertido em etiqueta que dissimule posições “reproducionistas”, mas com roupagens e máscaras que dificultem captar sua manipulação a serviço dos mesmos interesses dos de sempre.

É preciso não esquecer que em cada época, como se evidencia a partir da filosofia da ciência (Kuhn, 1980; Toulmin, 1977; Lakatos, 1982) e ultimamente no que se vem conceituando como pós- modernidade (Foucault, 1990; Feyerabend, 1984; Harding, 1993), toda uma série de condições, influências, pressões e normas vão tratar de avaliar a validade dos conhecimentos, assim como favorecer e obstaculizar a aparição, divulgação e utilização de determinados saberes e tecnologias.

Na ciência, a verdade está em disputa com muitíssima freqüência, assim como seus fundamentos metodológicos. Por conseguinte, podemos afirmar que são distintas condições sociais, econômicas, políticas, culturais, militares e religiosas, assim como os conflitos de interesse entre os desafios que vão se colocando para os distintos grupos sociais, etnias, gêneros que entram em jogo na construção de conceitos, categorias, procedimentos, metodologias, valores e, portanto, nas soluções que as ciências e os diferentes saberes vão poder enfrentar.

É imprescindível dar-se conta de que a consciência das pessoas historiadoras, cientistas, artistas, políticas, literatas está sempre condicionada pelo ambiente em que vivem, pelas práticas nas quais se vêem envolvidas, pelas normas que possibilitam o acesso a postos de trabalho e as condições de sua realização, pelos sistemas de valores, modos de perceber, saberes e racionalidades em que se apóiam.

Convém ter certa atitude de dúvida diante de teorias que aparecem com demasiada arrogância, escudando-se num excesso de frases feitas e slogans que funcionam para despolitizar realidades sociais conflitivas e acabam por se transformar em escudos protetores ante análises e propostas mais libertadoras, minuciosas e críticas.

Com muita freqüência, esquece-se que, também mediante processos discursivos e retóricos, contribui-se para dar forma ao pensamento hegemônico, à criação de um “sentido comum” que coopera para apresentar e pensar como normal, lógico, natural e único o que não passa de um modelo concreto de atuar, governar, pensar etc., entre outros possíveis. Isso já foi evidenciado por Michel Foucault (1990b, p. 198) quando, ao se referir às “práticas discursivas” deixa claro que estão sujeitas a “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, numa dada época e para uma dada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa”; ou seja, condicionam e limitam os temas a respeito dos quais se pode falar, analisar, classificar, explicar, nomear; promovem um leque limitado de significados.

É também mediante práticas discursivas que conceitos que até um determinado momento têm um determinado significado, uma vez que são frutos de outros discursos que lhes conferiam esse significado, ao intercalar-se em outras práticas diferentes, podem chegar a alterar por completo seu significado ou ficar reduzidos a meros slogans ou frases-fórmula. Em tais slogans “sua simplicidade proporciona uma embalagem de idéias com traçado verdadeiramente claro e sólido. Eles comunicam paradigmas, idéias modelo que podem ser aplicadas a novas ‘instâncias’, mas distanciando-se de seus referentes originais” (Fowler, 1991, p. 177-179).

Não podemos esquecer que a instituição escolar, através de suas práticas e ênfases, é coadjuvante na construção das maneiras de pensar, atuar, perceber e falar a respeito da realidade, do mundo de cada estudante e, por isso mesmo, de cada cidadã e cidadão. Na aprendizagem de matérias como história, matemática, física, geografia, literatura, idiomas etc., “constroem-se” possibilidades de perceber, interpretar e valorar a realidade; fomentam-se atitudes perante o mundo que nos rodeia e do qual temos alguma noção; influi-se na conformação de sentimentos e expectativas perante as pessoas com as quais convivemos e compartilhamos este planeta.

O forte peso do conservadorismo atual contribui para que as questões morais, políticas e socio-econômicas sejam aspectos que tendem a desaparecer do vocabulário e, portanto, da práxis curricular. Ainda se pode constatar o medo de reconhecer e assumir que educar é uma ação política, não um trabalho meramente técnico. Os discursos profissionalizadores, curiosamente, estão sendo utilizados como disfarce para despolitizar e desfigurar grande parte do trabalho sociocultural e educativo. Trata-se de discursos nos quais se faz notar que a única coisa importante são as preocupações por eficiência, controle, gestão, objetividade e “neutralidade”, o que é coerente com os discursos hegemônicos, oficiais, sobre o fim das ideologias.

É preciso recuperar a capacidade de contextualizar e historizar nossos discursos e práticas. Urge voltar a retomar algo que já parece um slogan vazio: conectar a instituição escolar com o meio. Do contrário, corremos o risco de construir um currículo fundamentalista, uma proposta de trabalho na qual se dá uma seleção fechada de conteúdos culturais a serem trabalhados nas classes, possibilita-se o acesso a uma única interpretação desses conteúdos culturais, uma só valoração e uma única resposta verdadeira.

Se as opções conservadoras continuam ganhando cotas de poder, há um risco importante de que os currículos fundamentalistas venham a se ver ainda mais favorecidos. Currículos cujas diferenças estarão no viés que desejam “vigiar” com maior atenção; é previsível que apareçam projetos curriculares obcecados por determinadas opções religiosas, econômicas (para promover um determinado modelo produtivo e de relações de trabalho de interesse para os grupos empresariais no poder), políticas, racistas, sexistas etc. Estamos cada vez mais diante de instituições de ensino que apenas vendem o “conhecimento oficial” (Apple, 1993). O que parece imperar é uma cultura da “objetividade”, entendida como uniformismo, como ataque à diversidade, com a finalidade de favorecer a articulação de sociedades “mono”: monoculturais, monolingüísticas, monoétnicas, monoideológicas etc. Pretende-se negar a diversidade para impor uma única cultura que se anuncia e se faz pública como “comum”, “consensual”, “valiosa” e “histórica (a de sempre)”.

Os coletivos de intelectuais, pesquisadoras e pesquisadores, artistas e docentes têm uma importante tarefa a desempenhar, ajudando a construir, a voltar a interpretar a história das sociedades levando em consideração as percepções e interesses daqueles que ficaram à margem e sofreram a história.

Apostar na democracia obriga a que conceitos como “justiça social”, “responsabilidade ética”, “participação”, “igualdade” não se transformem em fórmulas vazias, mas em modos de vida. Assim, a pedagogia tem uma função dual: ajudar a proporcionar os meios através dos quais os coletivos sociais oprimidos chegam a tomar consciência de sua opressão e servir como instrumento mediante o qual es- sas mulheres e homens lutem para encontrar métodos de transformação da realidade (Trend, 1995, p. 148).

É imprescindível estar atento a todo momento para que esse trabalho de ação social em prol de maiores cotas de democracia e justiça social se mantenha vinculado aos demais movimentos sociais que estão comprometidos nessa mesma direção de redistribuição de poder e dos recursos existentes na comunidade; movimentos que procuram em todos os momentos tornar viável uma autêntica e informada participação de todas as cidadãs e cidadãos nas tomadas de decisão que servem para configurar e determinar a sociedade. Isso está ficando cada vez mais difícil, dado o forte individualismo que impera nas sociedades pós-modernas e da informação que, por sua vez, facilita a reaparição de um notável culto às lideranças carismáticas. Uma prova disso, e na verdade preocupante, é a apatia para com o debate que surge no próprio seio de estruturas como partidos políticos e sindicatos e que tem como resultado o afloramento de apostas por uma espécie de “cesarismo”. Diante de um importante grau de atrofia dos mecanismos de participação e regulação democrática da vida no interior de muitos partidos políticos ou mesmo de governos, a figura do dirigente capaz de tomar as rédeas e o controle adquire um peso desmedido.

A constante denúncia de apatia com a qual se etiqueta a imensa maioria da população das sociedades pós-industriais, fruto das experiências pseudodemocráticas nas quais se encontram implicadas, corre o risco de servir de situação embrionária de novos fascismos ou autocracias mais invisíveis; nestas a democracia fica minimizada numas tantas formas e ritos externos, mas sem conteúdo. Os espaços de participação e controle democráticos estão tramados por figuras representativas do mundo econômico, militar e líderes do governo. Um panorama semelhante é também percebido por Paulo Flores D’Arcais (1996) quando escreve:

Estes são os dois modelos que aparecem no moderno obscurecer-se da promessa democrática: a partitocracia de partidos-máquina, cada vez mais parecidos entre si, acompanhados de seus respectivos engenheiros do consenso e o gigantismo de aparatos burocráticos e auto-referenciais. E o populismo taumatúrgico, com seus improváveis eleitos pelo senhor, seus insolentes vendedores de felicidade e o néscio estrondo do aplauso forçado. Os dois modelos não apenas não se excluem, como antes parecem celebrar em desconexa mestiçagem as bacanais pós-modernas em versão caótica. E assim em todo o mundo (p. 59-60).

Diante de uma perspectiva tão ameaçadora, torna-se prioritário recuperar para o maior número possível de cidadãos e cidadãs e, evidentemente, para o trabalho docente os papéis de ativistas contra-hegemônicos com fé no futuro; com suficientes doses de utopia entremeadas de realismo para configurar um futuro mais justo, democrático, numa palavra: humano.

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JURJO TORRES SANTOMÉ é Catedrático de Didática e Organização Escolar na Universidade da Coruña, Espanha. Trabalha com temas relativos a Sociologia da Educação, Política Curricular e Currículo Integrado. Entre suas obras se destacam: Globalización e interdisciplinariedad: el curriculum integrado, Madrid, Morata, 1996, 2a ed.; El curriculum oculto, Madrid, Morata, 1991.

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Política educativa, multiculturalismo e práticas culturais democráticas nas salas de aula

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Jardins de Paul Klee

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