Globalización
Reseña de Rosa VÁZQUEZ RECIO (UCA) del libro:
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TORRES SANTOMÉ, Jurjo (2017)
Políticas Educativas y construcción de personalidades neoliberales y neocolonialistas.
Madrid. Morata
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En Education Review // Reseñas Educativas, 7 de marzo 2018
ISSN 1094-5296
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“Colonialidad, poder y construcción del saber”
Ramón Grosfoguel y Jurjo Torres Santomé
Moderadora: Cathryn Teasley
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Conversación entre Ramón Grosfoguel y Jurjo Torres Santomé.
Salón de Grados de la Facultad de Ciencias de la Educación.
Universidade da Coruña
A Coruña, 10 de mayo de 2017
Política educativa, multiculturalismo e práticas culturais democráticas nas salas de aula
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Jurjo Torres Santomé
Revista Brasileira de Educação. (São Paulo – Brasil), Nº. 4 (Janeiro-Abril, 1997) págs. 5-25.
Trabalho apresentado na XIX Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1996.
Elaborar uma proposta curricular obriga a participar da reflexão sobre que tipo de cidadãos e cidadãs e de sociedade queremos construir. Essa é, sem dúvida, uma das questões mais importantes que cabe colocar no âmbito da educação e que nos obriga a realizar uma série de tarefas prévias destinadas a analisar o presente, averiguar como são hoje nossas sociedades, que problemas aparecem como mais urgentes, quais são as causas das situações injustas que detectamos.
Esse tipo de informação a respeito do mundo em que vivemos é vital para qualquer professora ou professor. Nas salas de aula, uma das tarefas realmente importantes que o professorado leva a cabo é oferecer ao alunado parcelas da realidade para sua análise e conhecimento; daí a urgência de se manter atento e fomentar um constante espírito crítico perante esse tipo de processos seletivos e escolhas com finalidade exemplificativa com que as instituições escolares operam. Ninguém desconhece que, para o coletivo docente, esse é um dever já complicado por si só e ao qual há ainda que se acrescentar todo um grande conglomerado de tarefas e rotinas que são consubstanciais com a função didática nas salas de aula, com a criação de um ambiente que estimule processos de ensino e aprendizagem. Poucos trabalhos profissionais precisam atender a tantos focos de atenção como o da docência.
Desenvolver projetos curriculares nas salas de aula obriga a estar alerta a um sem-número de questões: as tarefas que cada um dos meninos e meninas executam, o acompanhamento de suas realizações, do que sabem e do que ainda é ininteligível para eles; detectar suas percepções da realidade, valorações, expectativas e pré-julgamentos; a apreciação de seu desenvolvimento social e emocional e das situações problemáticas que afetam suas inte- rações sociais. O professorado precisa se dedicar a esse tipo de investigação nas salas de aula e, ao mesmo tempo, tem de destinar tempo a leituras, seminários de atualização constante, trabalho em equipe de planejamento, acompanhamento e avaliação dos projetos curriculares com os quais está necessariamente comprometido.
Mas, além de tudo isso, tem de estar muito bem informado sobre questões culturais, trabalhistas, econômicas e políticas que são imprescindíveis para alcançar uma compreensão adequada da co- munidade e do mundo em que vive.
Perante tal acúmulo de deveres, o professorado tende a ser seletivo em seus focos de atenção. Todavia, nos últimos anos, a forte pressão dos discursos e políticas tecnocráticas estão tratando de convencê-lo de que seu trabalho profissional é apenas uma questão de aprender determinadas técnicas didáticas, tais como realizar programações, adaptar projetos curriculares elaborados pelas editoras de livros-texto até fazê-los parecer projetos curriculares de centro educacional e de sala de aula, elaborar controles ou provas de avaliação para detectar o rendimento de cada um dos meninos e meninas da classe, estabelecer uma série de normas disciplinares etc.
Um constante bombardeio de propaganda ideológica neoliberal e decisões políticas conservadoras pretendem menosprezar a função de intelectuais que compete às professoras e professores exercer. Essa negligência para com seu papel como intelectuais é favorecida (ainda que muitas vezes não seja essa a pretensão) por certos discursos psicológicos e didáticos que, com a idéia de apresentar novas conceitualizações, modelos ou metodologias, recorrem à estréia contínua de novos jargões, que para nada servem além de desviar a atenção do professorado para questões pouco relevantes e fazer as autenticamente importantes parecerem fora de moda.
Vivemos momentos de mudança, profundas transformações sociais estão em curso na maioria das sociedades, em grande medida como conseqüência das inovações e transformações nas estruturas produtivas e de consumo. Idéias e utopias que até há pouco orientavam e serviam de eixo vertebrador a discursos e práticas libertadoras vêm sendo rifadas quase sem que se disponha de argumentos válidos para isso. Estes são momentos de perplexidade e é também agora que a reflexão e o debate coletivo se tornam inevitáveis.
Urge recuperar para a função docente a concepção gramsciana de intelectual, neste momento em que os discursos e epistemologias dominantes pretendem recortar seu papel até deixá-la reduzida a dimensões técnicas e de gestão burocrática.
Intelectual é alguém dotado de faculdades para representar, organizar e articular mensagens, visões da realidade, atitudes, filosofias e opiniões de, assim como para, um determinado público (Said, 1994, p. 11). O exercício da função de intelectual pode ser feito, logicamente, em diversas direções; ou com o objetivo de tornar razoável, natural, inevitável e neutro os interesses dos grupos que estão em situações vantajosas, em posições hegemônicas, ou para des- montar essas metas particulares e parciais. Aqueles que colaboram na primeira modalidade de trabalho intelectual costumam receber a denominação de intelectuais hegemônicos, em conformidade com o trabalho de vigilância e legitimação das atuações dos grupos hegemônicos de poder.
Ao contrário, intelectuais contra-hegemônicos são aquelas pessoas que manifestam um maior compromisso com as classes e grupos sociais mais desfavorecidos e cooperam na detecção de práticas, metodologias e discursos que funcionam tratando de facilitar e justificar sua dominação e opressão. São também aqueles que contribuem para conformar práticas libertadoras, a serviço dos coletivos sociais explorados e marginalizados, estimulando entre estes a análise de seus atuais modos e condições de vida e provocando uma tomada de consciência capaz de permitir que elaborem e coloquem em ação respostas para fazer frente à sua subjugação. Tais intelectuais possuem uma responsabilidade especial como criadores e fomentadores de situações de deliberação e debate democrático no seio dos grupos sociais mais desfavorecidos, com os quais compartilham sua vida e ideais.
Não é aceitável renunciar a pôr a serviço desses grupos todas as habilidades e conhecimentos que os professores e professoras foram construindo como intelectuais. O exercício da crítica e da investigação é algo que define sua formação e a função de seu trabalho. Nessa direção, mecanismos com maior poder democratizador como a investigação-ação democrática e crítica são fundamentais para levar a cabo a revisão das práticas e discursos que, tanto no sistema educativo como em outras esferas sociais, não costumam levar em consideração a história, vozes e interesses de grupos sociais silenciados como as mulheres, a classe trabalhadora, meninos, meninas e adolescentes, as pessoas idosas, os povos, etnias e nações oprimidas.
O fato de realizarem esse trabalho de debate e análise não equivale a serem os únicos responsáveis por tal análise e pela formulação ou sugestão de linhas de ação; muito pelo contrário. É trabalho de intelectuais ir favorecendo que um número cada vez maior de pessoas possa exercer essa tarefa de análise e reflexão a respeito do que aconteceu e está acontecendo e sobre qual pode ser o futuro. Compartilhar e divulgar esse trabalho entre os membros desses coletivos sociais mais desfavorecidos, potencializar suas capacidades de reflexão, análise e ação é tarefa indissociável da função de intelectuais.
Convém, no entanto, que sejam suficientemen- te precavidos para não cair em simplistas categorizações dualistas do tipo “eles”/“nós”, “bons”/ “maus”; o que levaria implicitamente a construir categorias pouco sérias e reais de “inimigos”/“amigos”. A complexidade da vida humana é algo que algumas óticas pós-modernas estão ajudando a desvelar e a que se deve prestar atenção. Assim, já faz anos que os movimentos feministas deixaram claro que é possível atuar ao mesmo tempo como opressores e oprimidos. É o caso, por exemplo, de homens da classe trabalhadora que sofrem situações de dominação e opressão em seus lugares de trabalho fora do lar, mas que atuam como opressores sobre as mulheres no âmbito familiar.
Nesse sentido, o conceito de “assincronismo” pode vir a ser de grande utilidade. Nem sempre os diferentes grupos e movimentos sociais coincidem entre si em suas reivindicações e/ou nas prioridades pelas quais se organizar para combater formas e situações de dominação. Como destaca Cameron McCarthy (1994, p. 108), existem descontinuidades nas dimensões em torno às quais se agrupar e colaborar, “que derivam do choque de interesses, necessidades e desejos assincrônicos, que separam entre si diversos setores de grupos minoritários e os atores pertencentes a minorias dos da maioria”.
Essa dificuldade para coincidir na definição e concreção do que se considera que é prioritário atender é também sublinhada por Michel Foucault (1979) quando indica que não existe um único eixo em torno do qual todas as relações de poder e dominação, luta e resistência, possam se agrupar, “mas antes uma produção multiforme de relações de dominação que são parcialmente integráveis em estratégias de conjunto” (p. 171). Essas lutas sociais descontínuas costumam acontecer, por sua vez, em âmbitos espaciais locais e regionais, mais do que em âmbitos muito maiores que requerem modalidades de coordenação mais complexas.
Existem múltiplos espaços, formas e momentos nos quais diferentes grupos humanos se comprometem com questões de liberdade, dignidade, justiça, realização pessoal etc.
O exercício da crítica, típico do trabalho intelectual, tem de aprender a levar em consideração essa dinâmica de contradições, tensões e assincronias que se produzem na vida que tem lugar nas instituições escolares, no seio familiar, nos locais de trabalho, espaços de ócio, instituições culturais e políticas. Dessa maneira, é possível que seja mais fácil detectar e fazer frente às situações de injustiça e dominação que sofrem os coletivos sociais com menor poder.
Recuperar para o coletivo docente uma certa capacidade de “agitação social”, submetendo-se sempre à crítica por parte dos coletivos com os quais se encontra comprometido, não equivale a convertê-lo em líder e dirigente nem, evidentemente, nas únicas pessoas capacitadas para orientar ações, mas antes em promotoras, animadoras das vozes dos grupos silenciados e com menor poder. Trata-se de contribuir para que os que integram esses coletivos falem; que reflitam sobre sua situação e sejam eles que decidam e se comprometam com a direção de alternativas de atuação.
Creio que esteja patente uma coincidência do avanço da direita política com um momento de forte crise nos setores intelectuais, que parecem dominados por um certo “pânico” em refletir em voz alta. É como se o medo se tivesse apoderado das mentes das pessoas que têm obrigação moral, espaços e possibilidades de refletir sobre o momento atual. Tem-se a sensação de que se quer renunciar a criar con- dições para fomentar maiores cotas de debate e de análise; em resumo, é como se existisse uma rendição nos setores intelectuais não hegemônicos, quando não também uma certa sensação, que é pior, de se passar para o outro lado, contribuindo para conformar discursos legitimadores dos atuais modos e condições de exploração. Não ajudar expressamente a criar discursos libertadores é uma forma de colaboracionismo oculto com o poder estabelecido.
As professoras e professores intelectuais, a serviço da democracia e da justiça social, têm de contribuir para o estabelecimento de condições para que, nos centros escolares e nas salas de aula, o alunado possa chegar a descobrir o que se esconde por trás dos véus do “saber oficial”; que aspectos não estão sendo levados em consideração, de que ma- neira pode estar manipulada e distorcida a informação com que os meninos e meninas são bombardeados pelos meios de comunicação de massa e demais fontes informativas com as quais entram e, muitas vezes, são forçados a entrar em contato.
Ajudar a desmascarar os pré-julgamentos e estereótipos do conhecimento no qual se apóiam as práticas e discursos classistas, racistas e sexistas é tarefa vinculada à função das professoras e professores como intelectuais. É preciso favorecer que as pessoas possam discutir a aparição de imagens, discursos e narrativas, que nada mais pretendem a não ser fechar as portas ao futuro, impedir, a um importante número de coletivos sociais, de ser.
A educação, uma dimensão da política cultural da sociedade
As questões curriculares, conseqüentemente, devem ser consideradas como mais uma dimensão de um projeto de maior envergadura, como é a política cultural de cada sociedade. Toda proposta curricular implica fazer opções entre as distintas parcelas da realidade, supõe uma seleção cultural que se oferece às novas gerações para facilitar sua socialização, para ajudá-las a compreender o mundo que as rodeia, conhecer sua história, promover valores e utopias. Assim, pois, surge já uma primeira questão: quem são as pessoas que vão participar dessa tomada de decisões a respeito de tal seleção de conteúdos, e por quê?
Todas as investigações centradas nos conteúdos que vêm sendo trabalhados na maioria dos centros de ensino concluem que existe um forte viés nas opções que são promovidas como “exemplificantes”, que são silenciadas realidades daqueles que não estão vinculados a expedientes de poder político, econômico, cultural e religioso, isto é, das etnias e grupos sociais desfavorecidos e marginalizados (das mulheres, da classe trabalhadora, das pessoas de terceira idade, das pessoas pobres, desvalidas, de homossexuais e lésbicas, do mundo rural e marinheiro, dos meninos, meninas e adolescentes etc.) e do Terceiro Mundo. Esse silêncio de coletivos sociais importantes pode ser constatado de modo especial nos materiais didáticos que fecham as propostas curriculares, os livros-texto.
Mas quando se reflete sobre os porquês dessa censura e, até mesmo, manipulação da informação presentes em grande parte dos materiais curriculares que circulam nas instituições escolares, apenas encontramos explicações suficientemente potentes quando expandimos o olhar para fora das paredes das salas de aula e analisamos o que está acontecendo nas demais esferas dessa socieda- de da qual fazem parte.
A estrutura de classes e grupos sociais, os modelos produtivos e de comercialização, de acesso, divisão e organização do trabalho, os processos de acumulação de capital, as políticas econômicas, trabalhistas, sociais e culturais são outros tantos focos de atenção nos quais encontram-se as chaves potentes para entender o que está acontecendo na comunidade e, portanto, os motivos que explicam um sem-número de comportamentos grupais e individuais. É rastreando tramas semelhantes que chegaremos a discernir o sentido da maioria das tarefas escolares que ocupam alunos e alunas, assim como suas reações diante delas. É também nessa rede, da qual faz parte o sistema educativo, que se poderão explicar as atividades, rotinas e tarefas do professorado. Assim, será mais factível, como é urgente neste momento, elaborar linhas de ação com probabilidades de incidir no curso dessa realidade e condicionar o curso atual da história.
A desigualdade na distribuição de recursos educativos e culturais, sinal de sociedades injustas
Chama a atenção que o famoso lema em torno do qual se organiza a Revolução Francesa, “liberdade, igualdade e fraternidade”, que os cidadãos e cidadãs democratas convertem num dos objetivos e premissas sobre os quais construir e governar as sociedades modernas, pareça hoje um tanto antiquado e irreal. Especialmente se levarmos em conta que uma das idéias básicas sobre as quais se assenta a direita política é a da crença na “desigualdade” entre as pessoas.
Um modelo de sociedade conservador, liberal e neoliberal, como o que a estas alturas da história vem se impondo na maioria dos países tecnologicamente mais desenvolvidos, que se assenta em pilares como a defesa do “livre mercado”, precisa propagar filosofias e concepções que apresentem o ser humano isolado socialmente. Dessa maneira, todas as análises levam em consideração unicamente o indivíduo com capacidade para se autoformar, autodeterminar, sem que nada nem ninguém de fora possa influenciar ou condicionar suas possibilidades inatas. Todos seus êxitos e, logicamente, fracassos serão de sua responsabilidade; nada nem ninguém vai condicioná-lo. Todas as maneiras de pensar, a tomada de decisões sociopolíticas serão levadas a termo tendo-se em consideração perspectivas pessoais, individuais, não coletivas. Os direitos que se formu- lam e atendem acabam sendo pensados de modo individualista, do mesmo modo que as análises que são realizadas sobre a realidade.
A aposta e a defesa de filosofias individualistas, da competitividade e esforço pessoal são aspectos indispensáveis para o bom êxito dos modelos econômicos capitalistas e, agora, da globalização dos mercados. Essa ideologia obriga a assumir que as pessoas não precisam se agrupar em função de condições de vida ou valores compartilhados; não se contempla nada com capacidade suficiente para circunscrever cada indivíduo como membro de um grupo; não se deixam ver estratégias para vertebrar modos de atuação mais coletivos com possibilidades de transformar modelos organizativos e estruturas sociais que ocasionam situações de injustiça a grupos sociais concretos e, logicamente, a cada um de seus membros.
Por outro lado, como conseqüência das políticas ultraliberais, insiste-se mais em mostrar as pessoas como consumidoras e em prestar atenção a seus direitos de consumir do que à sua condição de cidadãs e cidadãos; isso acarreta uma redução de suas obrigações e deveres como seres humanos e um menoscabo de suas possibilidades de ação e intervenção. A dimensão consumista implica mover-se apenas num âmbito que permite realizar escolhas entre o que nos oferecem, não no da definição de suas necessidades e da realidade. Restringem-se as ocasiões e níveis de autonomia para as pessoas criarem modelos e orientações sobre como pode ou deve ser sua comunidade; minimizam-se os espaços e oportunidades de participar do estabelecimento de direções de desenvolvimento para a sociedade a que se pertence.
As novas sociedades de consumo estão tratando de transformar as instituições escolares submetendo-as às mesmas leis que regem o mercado de Consumo (Whitty, Edwards e Gewirtz, 1993). Pretende-se que as ofertas que os centros docentes realizem sejam feitas para satisfazer as demandas daqueles que têm possibilidades de formulá-las, os grupos empresariais. Nesse sentido, não podemos deixar de lado a existência de um mercado em que a manipulação da informação desempenha um im- portante papel. A informação é na atualidade um dos poderes mais decisivos, daí o grande interesse e a luta por obter o controle das comunicações, por possuir jornais, emissoras de rádio e televisão, redes informáticas etc. É sobre a base desse controle e manipulação da informação que podemos compreender que tanto as famílias como o próprio alu- nado sintam maior urgência por determinados conhecimentos e habilidades que, afirma-se, facilitam o acesso a empregos e estão mais diretamente vinculados a saídas para o trabalho, e, o que é pior, cheguem a considerar inúteis ou de escasso interesse conteúdos culturais e valores relacionados à compreensão da realidade, da justiça, da solidariedade e democracia.
O sistema educativo, portanto, aparece como algo a consumir, como a via para obter credenciais que, no futuro, facilitem entrar na demanda por trabalhos e salários, que permitam participar das escassas possibilidades de mobilidade social; não é concebido como um conjunto de instituições coadjuvantes na conquista de maiores cotas de justiça social, na luta contra a desigualdade e a opressão. Creio que um dos grandes perigos para nossas sociedades está na maneira como se obscurecem o sentido e a finalidade do sistema educativo.
Não obstante, como aponta R. W. Connel (1993), temos três razões para considerar a existência de um forte nexo de união entre os sistemas educativos e a conquista de maiores níveis de justiça social.
1. O sistema educativo é um dos maiores ativos públicos. É uma das maiores empresas em qualquer economia moderna. Para nos convencermos de que é uma das empresas mais importantes, basta pensarmos nas cifras bilionárias que manejam os ministérios da educação e da ciência da maioria dos países. Dado que se trata de uma empresa pública, é lógico perguntar quem obtém a maioria dos benefícios. As análises quantitativas revelam rapidamente uma forte desigualdade nessa distribuição de recursos e benefícios. Quando nos detemos em comprovar as formas que assume a distribuição dos alunos no sistema educativo, as formas piramidais se impõem (há muitas alunas e alunos nos níveis iniciais e, à medida que ascendemos no sistema educativo, vamos encontrando cada vez menos). Os piores resultados, já o sabemos, são dos meninos e meninas das classes trabalhadores, da etnia cigana, dos núcleos rurais mais desfavorecidos etc.
2. O sistema educativo, atualmente, não apenas é um dos principais ativos públicos, como também é previsível que o seja ainda mais no futuro. Convém ter presente que o conhecimento especializado tornou-se mais um dos componentes do sistema de produção e comercialização.
Atualmente, é no âmbito do sistema educativo que se dão as principais condições para a investigação e a promoção de inovações tecnológicas. Isso se comprova facilmente quando vemos, por exemplo, os fortes vínculos que se começaram a estabelecer entre o mundo empresarial e as universidades.
Viver numa sociedade democrática implica que os fundos públicos redundem em benefício de todas as pessoas e não somente de algumas poucas; significa que, nessas investigações custeadas com dinheiro público, os distintos grupos sociais devem ter parti- cipação, especialmente no estabelecimento de linhas prioritárias e urgentes de investigação; em outras palavras, os diferentes grupos e coletivos sociais têm de dispor de canais para participar da definição dos problemas atuais e da determinação de quais dentre eles urge resolver de maneira mais peremptória. Não é aceitável que todo o sistema público educativo se mova apenas ao ritmo e na direção que os grupos sociais com maior poder econômico e político decidem. Uma boa prova dessa disfuncionalidade está no fato de que a investigação de que os grupos empresariais privados necessitam está sendo levada a cabo, em grande parte, pelas universidades públicas e institutos de pesquisa financiados com fundos públicos.
Esse conhecimento que os sistemas educativos constroem e distribuem não apenas desempenha um papel importante na melhoria da produção e na expansão de mercados, mas também na estratificação social e, portanto, na manutenção de hierarquias sociais. Não esqueçamos que vivemos num mo- delo de sociedade no qual o credencialismo é uma de suas marcas idiossincráticas. O número de títulos profissionais alcançados e o prestígio da instituição que os expede decidem em grande medida as possibilidades de trabalho e a circunscrição a uma determinada classe e coletivo social.
Nesse sentido, é curioso como está sendo produzindo um maior crescimento da iniciativa privada em todos os níveis do sistema educativo (desde a educação infantil e primária até a própria universidade), mas com dinheiro público. Desde a década de 70, e em especial na de 80, a parcela orçamentária do Estado e das comunidades autônomas destinada às instituições escolares privadas não pára de crescer.
Os sistemas educativos distribuem oportunidades de participação e consumo nos atuais sistemas produtivos, bem como moldam os possíveis modelos de sociedade do futuro. Preocupar-se com uma maior democratização, participação e eqüidade para o futuro significa construir a partir de hoje instituições escolares que preparem esses pilares de apoio.
3. A terceira razão para se preocupar com o sistema educativo, segundo R. W. Connel, estaria na concepção do que é educar que essa sociedade concreta à qual nos refiramos defende em cada momento histórico.
Educar é uma tarefa moral, uma vez que implica levar em consideração dimensões morais. O ensino e a aprendizagem, como práticas sociais, sempre implicam questões acerca de propósitos e critérios para a ação (sejam ou não compartilhados), decisões sobre a aplicação de recursos (incluindo autoridade e conhecimento) e acerca de responsabilidades e conseqüências dessas ações. Essas implicações nunca podem ser eludidas, não é possível evitar esse tipo de questão. O fato de que não estejamos conscientes delas não significa que essas dimensões morais tenham sido relegadas; pelo contrário, tal como demonstram os estudos sobre o currículo oculto (Torres Santomé, 1996), não é difícil que, inclusive por não lhes prestar uma aten- ção explícita, estejamos participando, colaborando, na perpetuação de comportamentos morais que de maneira consciente repudiamos (autoritarismo, acriticismo, egoísmo, individualismo, falta de solidariedade, fanatismo, dogmatismo etc.).
No entanto, toda uma grande cultura conservadora pretende reduzir essas questões ao silêncio, criando estratégias e recursos didáticos que incorporam esses valores previamente decididos pelos grupos de poder mais conservadores e, ao mesmo tempo, tratando de despistar o professorado instando-o a que se ocupe, por exemplo, de tarefas que o impedem de levar em consideração esse tipo de elementos, tal como vem sucedendo nos últimos anos. Ele é forçado a dedicar cada vez mais tempo a questões burocráticas; reclamam dele esboços de projetos curriculares de centro educacional e de sala de aula, mas sem estabelecer condições que facilitem esse trabalho; pretende-se convencê-lo de que o mais importante é seqüencializar conteúdos já definidos e, o que é mais curioso, já hierarquizados pelos materiais curriculares mais dominantes, os livros-texto; perseguem-no com questões de disciplina e estratégias para “acalmar os estudantes”; sugerem-lhe que faça mais e mais avaliações e controles; enviam-lhe abundante legislação com terminologias constantemente renovadas etc.
Para a reprodução das atuais ideologias individualistas e meritocráticas, é preciso que cada uma das pessoas que compartilham um determinado espaço territorial seja convencida de tais valores, para o qual os que detêm o poder se vêem na necessidade de gerar uma cultura que sirva para coesioná-las e facilitar um grau importante de estabilidade social. Daí a pretensão que caracteriza os grupos hegemônicos conservadores e liberais de estabelecer e controlar conteúdos culturais obrigatórios que sirvam para reforçar a ideologia dominante. A busca de um “cânone” cultural para oferecer como legítimo, sem possibilidades de submeter à discussão e crítica, converte-se em estratégia indispensável para a perpetuação das condições estruturais que reforçam seu poder e hegemonia.
Portanto, falar e intervir no mundo da educação implica inevitavelmente considerar dimensões de justiça social.
No momento de destinar recursos ao âmbito educativo (dinheiro, pessoal, edifícios, recursos didáticos etc.), a comunidade e aqueles que, em cada momento, têm responsabilidades políticas enfrentam-se em dilemas de partilha e distribuição, na criação de condições que influirão decisivamente para tornar realidade ou não o ideal democrático da igualdade de oportunidades.
É óbvio que uma sociedade que distribui mal seus recursos está favorecendo mais a determinados coletivos sociais do que a outros.
As análises que vêm sendo efetuadas num número muito importante de países não cessam de colocar em relevo que alguns grupos sociais recebem mais apoio do que outros. As denúncias de imperialismo e colonização, classismo, racismo e sexismo no âmbito educativo são contínuas. No Estado espanhol é urgente e obrigatório enfatizar concretamente a marginalização racista que um po- vo como o cigano está sofrendo e suportando. Esse é um tema que apenas começou a dar passos, com exceção de alguns coletivos docentes que têm um contato mais direto e cotidiano com pessoas dessa etnia. Na prática, o mundo oficial, da administração, continua sem prestar-lhe a devida atenção.
Dimensões da discriminação e do racismo na educação
Vivemos numa sociedade na qual, continuamente, um enorme volume de publicações e emissões dos meios de comunicação de massa nos bombardeiam tratando de nos informar e de nos fazer participar da realidade; entre suas finalidades está a de levar suas consumidoras e consumidores a interpretar de uma maneira “correta” tudo que acontece. É através da imprensa, do rádio e da televisão que nos inteiramos de catástrofes, de fatos e acontecimentos cotidianos, de façanhas, descobrimentos etc., mas sempre de uma maneira seletiva. Os meios de comunicação de massa “filtram as realidades” de acordo com os interesses dos que detêm sua propriedade e controle.
Nessa “realidade construída”, os atores e atrizes são desenhados seletivamente, de tal forma que as minorias e grupos sociais sem poder acabam sempre levando a pior parte. As tentativas de silenciar “o diferente” e minoritário, ou mesmo optar por convertê-lo em algo disparatado podem ser facilmente constatadas. Mas nos casos em que essas realidades não podem ser escondidas, a opção mais usual é reelaborá-las, “reinterpretá-las” para apresentá-los como culpáveis pelos seus próprios problemas e até daqueles que ocasionam a outros grupos sociais majoritários e/ou com maior poder. Tratar de demonstrar, primeiramente, que suas condutas são “inadequadas” e, depois, procurar explicar que são conseqüência de condicionamentos inatos (sobre os quais os seres humanos não têm possibilidade de controle), de aspirações inadequadas às suas capacidades naturais ou são fruto de uma vontade de continuar aferrando-se a alguma de suas tradições “defasadas” etc. Numa palavra, recorre se a estratégias de “naturalização” das situações de injustiça, o que na atualidade é favorecido pela hegemonia das ideologias do individualismo e que, obviamente, afeta também a maneira de realizar muitas das análises sobre o que acontece no sistema escolar.
Assim, quando se fala do fracasso e do êxito escolar, de problemas disciplinares nas salas de aula, do que o alunado sabe ou desconhece, a unidade de análise é a pessoa considerada individualmente, e o discurso utilizado tratará também de deixar cla- ras as responsabilidades pessoais, individuais. Um exemplo disso, encontramos no difundido livro de Allan Bloom, The closing of the american mind (1987), em que, a propósito do sistema político dos Estados Unidos da América, destaca que “classe social, raça, religião, origem nacional ou cultura desaparecem ou chegam a ser algo sem interesse quando são contemplados à luz dos direitos natu- rais, que outorgam aos seres humanos interesses comuns e os convertem realmente em irmãos” (p. 27). Frase que contém implicitamente uma aposta na meritocracia como filosofia de vida. De modo semelhante, podemos explicar a atualidade de nu- merosas investigações que pretendem medir as ca- pacidades mentais das pessoas, por exemplo, o quo- ciente intelectual, para responsabilizá-las de modo individual pelos seus feitos.
O êxito e as possibilidades de promoção são vistos como atos de competitividade entre pessoas que, mediante o esforço individual e suas capacidades naturais inatas, alcançam méritos com os quais concorrer e demandar acesso a privilégios sociais de maneira também individual.
Por outro lado, não convém cair em simplificações no momento de analisar e tratar de questões de racismo e de discriminação, já que nem todas as pessoas que compartilham alguma das marcas idiossincráticas de uma raça ou etnia sem poder sofrerão com a mesma intensidade as situações de opressão. Pode acontecer, até mesmo, que alguns dos membros de um grupo social marginalizado cheguem a ser muito respeitados e aceitos pelos grupos dominantes.
Não poderemos compreender bem os problemas raciais se não contemplarmos as dinâmicas de classe e gênero que interagem em seu interior. É óbvio, por exemplo, que ser uma mulher cigana dedicada a tarefas domésticas e familiares é difere te de ser uma mulher cigana que trabalha e triunfa no mundo do espetáculo, da televisão ou do cinema; ou ser um homem cigano dedicado a catar papelão de ser um ancião patriarca ou desempenhar outro trabalho artístico ou profissional de maior prestígio. Em nossas análises e estratégias de intervenção em relação a qualquer coletivo social, é preciso levar em consideração também essas variáveis. As pessoas constroem esquemas conceituais através dos quais sua experiência cobra sentido, analisam e valoram as situações nas quais se vêem envolvidas, em resumo, percebem a realidade. Por conseguinte, qualquer evento no qual se vejam envolvidas terá um significado específico dependendo da raça a que pertençam, da classe social, do gênero, da idade, do território em que vivem etc. Tudo isso obriga a que, nas propostas de trabalho para as salas de aula e centros de ensino, se preste atenção a tais dimensões no momento de ponderar o significado ou relevância das tarefas que se planejam e se executam.
Neste ponto, encontramos já duas implicações para o trabalho nas aulas:
1. Tudo o que se programe como tarefa escolar, como proposta de trabalho curricular, tem de tornar visível suas conexões com as experiências cotidianas e significativas para o coletivo estudantil ao qual é oferecido. É necessário que se permita que os problemas, preocupações, aspirações e interesses do alunado sejam acolhidos.
2. Toda proposta curricular tem de estar apoiada na cultura de procedência do alunado. E quando falamos de cultura de origem não é como conceito abstrato sem maior significado, mas sim estamos nos referindo aos “diferentes e dinâmicos estilos de vida de sociedades e grupos humanos e às redes de significados que as pessoas e grupos usam para construir seus significados e comunicar-se entre si” (Hall, 1992, p. 10).
Conteúdos culturais dos currículos e reconstrução de identidades sociais
O problema das escolas tradicionais, apesar da forte ênfase nos conteúdos culturais apresentados em pacotes disciplinares, em forma de matérias, é que não conseguem fazer que o alunado seja capaz de ver esses conteúdos como parte de seu próprio mundo. A física, a química, a história, a gramática, a educação física, a matemática são dificilmente visíveis; conseqüentemente, o que se trabalha nas salas de aulas, para a maioria de nossos estudantes, existe apenas como “estratégia” para enfastiá-los, para que possam passar de curso a curso, com a esperança de obter um título. A escola aparece como o reino da artificialidade, um espaço em que regem determinadas normas, fala-se de uma manei- ra peculiar e onde é necessário realizar determinadas rotinas, que servem somente para poder obter felicitações ou sanções por parte do professorado e mesmo de suas próprias famílias, mas a coisa só vai até aí. É muito difícil estabelecer laços de conexão entre os blocos de conteúdo dos quais se fala nas aulas, entre as tarefas escolares e a vida real, os problemas e realidades mais cotidianas.
Se há uma crítica comum e reiterada ao longo da história das instituições educativas é a de selecionar, organizar e trabalhar com conteúdos culturais pouco relevantes, de forma nada motivadora para o alunado e, portanto, perdendo o contato com a realidade em que se situam tais atividades docentes. As situações e problemas da vida diária, as preocupações pessoais, ficam fora das paredes das salas de aulas e dos centros de ensino em numerosas ocasiões.
Não é raro que o currículo tradicional acabe mostrando uma notável semelhança com alguns jogos de perguntas e respostas sobre assuntos triviais ou concursos de televisão de cunho nominalista. Competições nas quais, para obter êxito, basta ser capaz de recordar pequenos fragmentos de informação sem maior aprofundamento e, o que é mais grave, sem a devida compreensão dos conteúdos que são verbalizados. Apenas é preciso saber aparentar que se entende aquilo que se pronuncia, embora a realidade seja outra.
Educar equivale a socializar os alunos e alunas, torná-los participantes do legado cultural da sociedade da qual são membros e dos principais objetivos, problemas e peculiaridades do resto da humanidade. A compreensão e a reflexão a respeito do que se trabalha, é óbvio dizer, é imprescindível. Mas, do mesmo modo, é indispensável ter em conta que contribuir para uma compreensão crítica da realidade obriga a assumir que quase todas as matérias e temas tem dimensões controversas, questões sem resolver. Essas perspectivas conflitivas existem paralelamente às diferentes opiniões, valores, prioridades e interesses patentes e ocultos em toda a comunidade. Isso pode afetar questões como as seguintes:
> a seleção e/ou definição de um problema a ser resolvido;
> a análise de suas causas, prognóstico e conseqüências etc.;
> as ações, soluções e decisões que se propugnam;
> por quem, quando, como, onde serão tomadas essas decisões corretoras ou resolutivas etc.
Tentar preservar o alunado das dimensões controvertidas da realidade equivale a introduzi-lo num limbo, desligá-lo do mundo real.
Evidentemente, nessa tarefa, os recursos didáticos através dos quais se veiculam conteúdos culturais (livros-texto ou outro tipo de fontes de informação: monografias científicas, revistas especializadas, dicionários, documentários, vídeos, software etc.) desempenham um papel crucial. O valor e o rigor não será o mesmo para todos. Uma prova do que dissemos já encontramos no momento de procurar, nos livros-texto que circulam atualmente nas instituições escolares, a presença de coletivos inteiros, como o povo cigano, e o que se diz deles. Chama poderosamente a atenção a pobreza documental e, o que é pior, a distorção e a manipulação informativa que caracterizam muitas redações que aparecem em tais livros-texto, o recurso ainda dominante nos centros de ensino (Calvo Buezas, 1989; Torres Santomé, 1996a, 1996b).
De qualquer maneira, não gostaria de modo algum de dar a impressão de que assumo que os estudantes e docentes aceitam sem mais nem menos tudo o que aparece nos livros-texto, sem opor resistências, reinterpretar, revisar ou alterar a informação ali contida. Alunas e alunos manifestam resistências, umas intencionadas e outras não, diante de seu conteúdo. Assim, vemos que algumas vezes reinterpretam informação que lhes é apresentada tendo em conta outras informações prévias que possuem ou experimentaram, outras vezes as rejeitam de múltiplas formas, por exemplo, mantendo-se indiferentes.
Repensando a aprendizagem escolar
Em muitas ocasiões, está sendo esquecida a necessidade de reconsiderar a aprendizagem escolar levando em consideração de uma maneira expressa o efeito das transformações estruturais que fragmentam e desorganizam radicalmente a experiência humana (Nixon et al., 1996, p. 29). Ultimamente, a ênfase está sendo posta mais em aspectos economicistas e em considerações a partir de óticas das políticas de mercado, enquanto as preocupações morais e éticas são relegadas. Desse modo, já nem o próprio fracasso escolar é considerado uma falha dos mecanismos de justiça social que toda sociedade democrática tem obrigatoriamente que se impor.
Propor-se a estimular processos de ensino e aprendizagem, tal como é função das instituições docentes, obriga também a não deixar à margem as condições e filosofias subjacentes que caracterizam esses processos. É a partir das finalidades dos centros de ensino, dos objetivos sociais de que estão incumbidos, que se deve questionar o porquê dos conteúdos curriculares que são escolhidos ou promovidos, as formas adotadas para desenvolver os processos de aprendizagem e modelos organizativos coerentes com as dimensões anteriores.
Aprender é desenvolver processos de compreensão sobre a realidade que induzem à participação nela e se originam a partir das tarefas escolares com as quais alunas e alunos se comprometem dia a dia na sala de aula. Aprender é participar num clima de sala de aula que incita quem ali participa a entrar em situações de diálogo e cooperação, servindo-se dos recursos materiais adequados para chegar a maiores níveis de compreensão das situações sociais nas quais participa e convive. Em tal concepção de aprendizagem, é óbvio que não é apenas às peculiaridades psicológicas de cada pessoa a que se deve recorrer para obter informação a respeito da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. São também, em meu modo de ver, mais decisivos os valores éticos e morais, compartilhados de maneira reflexiva e explícita, que servem de guia para a criação e avaliação de ambientes educativos.
É imprescindível ter presentes as dimensões morais nas tomadas de decisão sobre os modelos organizativos de sala de aula e de centros educacionais, assim como nos momentos de decidir a respeito das características dos conteúdos e recursos didáticos a empregar, os papéis das figuras docentes e os comportamentos do alunado e, logicamente, das tarefas escolares e procedimentos de avaliação.
Partindo-se da aceitação da importância dessa dimensão filosófica e política no momento de pensar nas estratégias de ensino e aprendizagem, é indiscutível que o trabalho em equipe adquire um significado especial. Este deixa de ser contemplado como algo exclusivamente benéfico a título individual, não apenas pelas habilidades interpessoais e cognitivas que favorece, mas também pelas capacidades de socialização que ajuda a construir (ver Quadro I). São fomentados hábitos de respeito em relação às demais pessoas, de colaboração e de compromisso com ideais coletivos e democráticos que vão além de considerações e sucessos individuais. Colabora-se na conformação de hábitos sociais de participação e crítica, imprescindíveis numa sociedade democrática, justa e solidária.
É com propostas de trabalho planejadas de maneira democrática entre estudantes e docentes, desenvolvidas e avaliadas em equipe, que se contri- bui também para valorar as diferenças pessoais e a diversidade no seio de cada comunidade, assim co- mo entre sociedades e países. Elas devem, por con- seguinte, tornar possível o desenvolvimento de ati- tudes de respeito, tolerância e cooperação.
Conteúdos culturais nas salas de aula num mundo global e solidário
As situações de ensino e aprendizagem nas situações escolares devem facilitar a análise e a compreensão do modo de funcionamento das estruturas sociais que caracterizam e condicionam a vida dos cidadãos e cidadãs. Desse modo, serão assen- tadas as bases que os capacitarão a fazer frente e atuar em defesa de seus legítimos interesses.
Para essa meta, é importante prestar atenção aos conteúdos culturais que serão promovidos nas salas de aula. Esses conteúdos, em teoria, referem-se ao conhecimento, habilidades e aptidões que as pessoas usam para construir e interpretar a vida social. Atualmente, seria muito difícil afirmar que as tarefas escolares com as quais enfrentamos o alunado na sala de aula capacitem-no para refletir e analisar criticamente a sociedade da qual faz parte, preparem-no para intervir e participar dela de maneira mais democrática, responsável e solidária. Dificilmente se pode constatar que os atuais processos de ensino e aprendizagem que têm lugar nos centros escolares sirvam para motivar de cara o alunado a se envolver mais ativamente em processos de transformação social, influir conscientemente em processos tendentes a eliminar situações de opressão. Em muito poucas situações, as alunas e alunos são estimulados a examinar suas pressuposições, valores, a natureza do conhecimento com o qual se defrontam dia a dia nas salas de aula, a ideologia subjacente às distintas formas de construção e transmissão de conhecimento etc.
Uma educação humanística, científica e técnica para uma sociedade pluralista precisa estimular e favorecer uma maior atenção aos produtos culturais de cada sociedade, prestando atenção a suas condições e processos de construção e à forma como são percebidos e valorados, tanto dentro da própria comunidade quanto por outras sociedades. Isso obriga a levar em consideração os pontos de vista dos diferentes grupos culturais, etnias e classes sociais, assim como as variáveis de gênero e idade das pessoas. Dessa maneira, facilita-se que as propostas curriculares sejam coerentes com ideais sociais de justiça, respeito e democracia, assim como se força a reconsideração de algumas das características do que comumente se vem entendendo como qualidade do ensino.
O reconhecimento da diversidade cultural e de sua importância político-moral são pontos de apoio de qualquer luta em favor de uma maior democratização e da garantia de maiores cotas de igualdade social. Mas também é necessário o reconhecimento da realidade híbrida e mestiça da imensa maioria dos povos, nações e estados do mundo.
Prestar atenção, nas instituições escolares, a todas as culturas possíveis, passadas e atuais, a todos os países do planeta, coletivos sociais existentes, produções culturais e científicas, fatos relevantes, aspirações é sinceramente impossível. Portanto, também de uma perspectiva antidiscriminação e de justiça social, é preciso estabelecer alguns cri- térios de seleção dos conteúdos culturais que podem ser incorporados ao trabalho curricular nas salas de aula. Entre os numerosos critérios que podem ser determinados, um que é decisivo é o de prestar mais atenção às culturas e grupos desfavorecidos. Os mais favorecidos já dispõem de uma multiplicidade de canais informativos para se fazerem ver e notar. Num mundo global, convém não esquecer que as condições e a qualidade de vida de todos os povos são e serão num futuro iminente cada vez mais interdependentes. Em muitas ocasiões, as condições de vida de um povo dependem e repercutem sobre as dos demais.
Uma instituição como a escolar, que tem entre suas finalidades principais preparar as novas gerações, precisa obrigatoriamente construir hábitos nos meninos e meninas que lhes permitam levar em consideração outros povos e coletivos sociais nas análises da realidade que levem a cabo e nas tomadas de decisão nas quais se vejam implicados.
Detectar como as narrativas que foram sendo divulgadas e promovidas estavam escritas unicamente a partir das vozes e interesses de uma minoria, portanto, recorrendo a processos de silenciamento, manipulação e deformação, é uma tarefa em que as instituições escolares também têm uma importante missão.
Qualquer leitura atenta da maioria dos manuais escolares que circulam entre o alunado permite constatar processos de censura e deformação de importantes eventos históricos, culturais, científicos e tecnológicos; tanto nas informações referentes às condições de produção de tais fenômenos como em suas interpretações e valorações (Delfattore, 1992). Conseqüentemente, isso significa que no processo de socialização das novas gerações existem sinais de uma certa estafa intelectual e moral que, infelizmente, pode funcionar no futuro como estopim para comportamentos coletivos e individuais de cunho racista, sexista, imperialista, classista etc. É preciso, no entanto, não esquecer que essas peculiaridades de determinada cultura escolar nada mais são do que conseqüência da origem da educação institucionalizada, ou seja, algo consubstancial com uma instituição como a acadêmica, cuja finalidade, até o presente, não foi outra senão preparar as futuras elites, não facilitando, por conseguinte, o acesso e/ou a permanência dos filhos e filhas das classes e grupos sociais populares. Logicamente, essa filosofia continua vigente em muitas práticas na atualidade, o que podemos comprovar na facilidade com que se justifica o atraso escolar dos meninos e meninas do mundo rural e de grupos sociais desfavorecidos. Não deixa de ser curioso que um tema de tanta importância como o do fracasso escolar tenha passado a ser de interesse secundário, de acordo com a maioria das temáticas dos cursos, encontros e conferências dirigidos ao professorado.
Se um observador de fora tratasse de averiguar quais são as preocupações dominantes no sistema educativo espanhol, recorrendo às temáticas escolhidas para a atualização do professorado, poderia chegar à conclusão de que no Estado espanhol não existe fracasso escolar. Por outro lado, chamaria sua atenção o interesse por aprender a avaliar e qualificar com mais precisão, em como hierarquizar uma série de conteúdos disciplinares ao longo de um ciclo escolar, como elaborar Projetos Curriculares de Centro, etc. No entanto, a realidade do fracasso das instituições escolares em suas finalidades formativas é percebida com bastante unanimidade pelos cidadãos e cidadãs.
Convém não deixar à margem a análise das novas formas de desvantagem social, cultural e econômica, especialmente quando informes de instituições como a Caritas evidenciam que em nosso país está crescendo o número de pessoas em situação de pobreza, ou de organismos internacionais que apontam como as distâncias entre grupos sociais são incrementadas; as pessoas pobres o são cada vez mais, e núcleos importantes das classes médias perdem poder e possibilidades a cada dia. Do mesmo modo, é preocupante como a pobreza continua com um processo notável de feminização; são as mulheres que em maior porcentagem vivem em condições de necessidade e pobreza.
Uma importante ajuda na capacitação para compreender esse tipo de situação é a análise e revisão dos conteúdos culturais que são oferecidos como exemplificantes ao alunado.
Todas as disciplinas possuem aspectos em seus conteúdos que permitem prestar atenção às questões de justiça social e diversidade; tanto as chamadas ciências sociais e humanas como as físico-naturais. No fundo, as diferentes disciplinas ou ciências não são outra coisa que a formalização e sistematização dos conhecimentos, habilidades e valores que cada sociedade possui para sobreviver da maneira mais satisfatória possível, para fazer frente aos desafios de seu desenvolvimento e alcançar maiores níveis de eqüidade e justiça. As diferentes disciplinas, através dos tempos e em cada sociedade concreta, variam mais ou menos em função da comunicação que tais povos mantém entre si. Obviamente, em épocas históricas em que a comunicação era mais difícil, cada povo ia gerando formas mais idiossincráticas de resposta às necessidades que detectava. Mas toda sociedade sempre construiu e utilizou conhecimentos de física, química, economia, direito, tecnologia etc. para viver. À medida que os povos se comunicam, intercambiam esses conhecimentos e os conhecimentos adquiridos e reconstruídos vão se organizando para facilitar sua aprendizagem pelas novas gerações. Nessa dinâmica é que também vão surgindo as especialidades e os especialistas.
Se atualmente ainda existem comunidades com as quais as formas de comunicação não são suficientemente fluidas, nessa medida alguns conhecimentos, habilidades e tecnologias aparecem como mais idiossincráticos.
Trabalhar com essa concepção de fundo pressupõe planejar propostas curriculares integradas (Torres Santomé, 1996b), nas quais os estudantes e as estudantes se vejam obrigados a:
> Incorporar uma perspectiva global. Assumir a análise dos contextos socioculturais nos quais se desenvolve sua vida, assim como daqueles das questões e situações que submetam a estudo; atender às dimensões culturais, econômicas, políticas, religiosas, militares, eco- lógicas, de gênero, étnicas, territoriais etc. (ante uma educação mais tradicional em que a descontextualização é uma das peculiaridades da maior parte de tudo que se aprende.)
> Pôr a descoberto as questões de poder implicadas na construção da ciência e as possibilidades de participar de tal processo.
> Deixar patente a participação daqueles que constroem a ciência e o conhecimento; não silenciar quem são para demonstrar a historicidade e condicionantes de tal construção.
> Incorporar a perspectiva histórica, as controvérsias e variações que ocorreram até o momento sobre o fenômeno objeto de estudo; a que se deveram, a quem beneficiavam etc. Incidir, portanto, na provisoriedade do conhecimento.
> Integrar as experiências práticas em âmbitos cada vez mais gerais e integrados.
> Compreender todas as questões que são objeto de estudo e investigação levando em consideração dimensões de justiça e eqüidade. Converter o trabalho escolar em algo que permita pôr em prática e ajudar a compreensão das implicações de diferentes posições éticas e morais.
> Partir da valorização da experiência e do conhecimento do próprio alunado. Facilitar a confrontação de suas convicções e pontos de vistas pessoais com os de outras pessoas.
> Promover a discussão a respeito de diferentes alternativas para resolver problemas e conflitos, assim como dos efeitos colaterais de cada uma das opções.
> Proporcionar possibilidades de avaliação e reflexão das ações, valorações e conclusões que são suscitadas ou nas quais se vêem comprometidos.
> Aprender a comprometer-se com a acei- tação de responsabilidades e a tomada de decisões, a assumir riscos e a aprender com os erros que cometam.
> Potencializar a personalidade específica de cada estudante, seus estilos e características pessoais. Chegar a convencer-se do valor positivo da diversidade pessoal, algo imprescindível para chegar a assumir a de outros povos e culturas.
> Empregar estratégias de ensino e aprendizagem flexíveis e participativas. Aprender num âmbito organizativo flexível, participativo e democrático, no qual se preste especial atenção à integração de estudantes de diferentes grupos étnicos e níveis culturais, de destintas capacidades e níveis de desenvolvimento, no qual as tarefas escolares sejam levadas a cabo em grupos cooperativos de trabalho.
No fundo, trata-se de educar as cidadãs e os cidadãos com um “ceticismo informado” ou, o que é a mesma coisa, com capacidades para o pensamento crítico, como uma das estratégias perante uma sociedade e um mundo no qual os fundamentalismos, o pensamento dogmático, tendem a inundá-lo e a se colocar como único parâmetro a perpetuar.
Pôr em ação essas estratégias nos ajudará na conformação de cinco hábitos mentais que iremos construindo com o trabalho curricular nas salas de aula. Hábitos que ajudarão a obter uma capacitação mais adequada para participar de um mundo em que a diversidade é uma de suas marcas mais peculiares. Procuraremos fazer que as alunas e os alu- nos prestem atenção e se preocupem com:
1. Evidências. Como conhecemos o que conhecemos? Que tipo de evidências consideramos suficientemente boas, válidas?
2. Pontos de vista. Que perspectivas, critérios escutamos, vemos e lemos? Quem são seus autores ou autoras, onde as elaboraram, quais eram suas intenções ou finalidades?
3. Conexões. Como estão relacionadas umas questões com outras? Como se encaixam entre si?
4. Conjecturas. O que acontece se…? Supondo que… Podemos imaginar alternativas?
5. Relevância. Que controvérsias se estabelecem? A quem se presta atenção? (Wood, 1992, p. 172).
Tal clima de aula estará, em meu modo de ver, contribuindo para que o alunado desenvolva uma consciência crítica que lhe permita analisar, valorar e participar de tudo o que acontece e tem a ver com seu entorno sociocultural e político.
Manipulações populistas das filosofias progressistas
Algo que vem adquirindo grande peso em nossa sociedade é o discurso populista. Nele se recorre ao emprego de um vocabulário que faz referência a conceitos muito interessantes e valiosos, mas que são descarregados de significado, desvirtuados, para aparentemente dar a sensação de que se enfrenta uma série de problemas sociais urgentes; mas é só isso, aparência. Temos um exemplo disso nos discursos populistas contra o racismo, a pobreza, o desemprego etc. Neles são nomeadas realidades e direitos como os do povo cigano, da mulheres, da população negra, dos homossexuais e lésbicas etc., mas evitando considerar por que temos de nomeálas, a razão pela qual se presta atenção a dimensões idiossincráticas de etnia, raça, gênero, sexualidade etc. Ocultam-se relações de poder existentes nas sociedades em que convivem esses coletivos que so- frem alguma forma de marginalização, as categorias de classificação, sua valoração e os motivos pelos quais foram sendo construídas essas situações de marginalidade nessa determinada comunidade a que nos referimos.
Evidentemente, essa estratégia de confusão chegou também ao mundo da educação. As administrações educativas, concretamente através das leis que elaboram e dos decretos e normas que as desenvolvem, vêm manejando conceitos que foram construídos por forças sociais progressistas, formulados e reformulados mais de uma vez à medida que eram melhoradas as análises sobre a realidade, mas que agora se esvaziam de seu conteúdo social e, portanto, se despolitizam ou “repolitizam” em sentido inverso, conservador. Conceitos como globalização, interdisciplinariedade, currículo integrado e outros tão vinculados a estes, como socialização, igualdade de oportunidades, democracia escolar, participação e similares, passam a funcionar como vocábulos vazios ou muletas de expressão, sem dar conta de sua carga de significado e das conseqüências de seu uso. Outros, como atenção à diversidade, sofrem um forte reducionismo, deixando-os circunscritos a aspectos de índole exclusivamente pessoal, a dimensões de conduta ou a problemas psicológicos que têm a ver apenas com alguns indivíduos concretos. O mesmo cabe dizer de termos pedagógicos como profissionalização, projeto curricular etc., conceitos para fazer figura, mas não para ser conseqüente com eles e criar as condições administrativas, de trabalho e de formação que possam tornálos realidade na prática cotidiana das salas de aulas e dos centros escolares.
Surgem, inclusive, novas figuras e estruturas profissionais (psicopedagogos e psicopedagogas, orientadores e orientadoras, equipes psicopedagógicas de apoio, de atenção antecipada, de estimulação precoce etc.), mas com uma formação e orientação bastante enviesada: para atender unicamente a aspectos de patologia individual, e não a problemas que afetam coletivos sociais e que requerem prestar atenção a dimensões que condicionam sua vida e, por conseguinte, o aprendizado de cada aluno ou aluna.
O construtivismo como estribilho
Os que promovem as novas ideologias conservadoras não hesitam em tratar de esvaziar e “reorientar” todos aqueles conceitos e filosofias que no momento histórico presente tenham ganhado presença e prestígio. Uma boa mostra disso é seu apoio e promoção dos atuais discursos em defesa do construtivismo, filosofia psicoeducativa que, em suas divulgações pelas instâncias e personalidades vinculadas ao poder, vem se mostrando demasiadamente parcial.
Esse modelo teórico elabora seus argumentos com demasiada ênfase em dimensões individualistas ou excessivamente “universalistas”, abstraindo-se das peculiaridades de cada comunidade e do momento sócio-histórico que está vivendo. Nesses discursos psicológicos, o ser humano aparece confinado à margem de aspectos essenciais, como suas dimensões socioculturais e histórico-geográficas. Ne-les não se trata de pôr em relevo como essas variáveis jogam um papel decisivo na aquisição do conhecimento, do sistema de valores e desenvolvimento de habilidades, tanto em sua seleção como em sua valoração, interpretação e aceitação.
Dificilmente poderíamos nos opor à atual corrente epistemológica que promove que “o conhecimento se constrói”. Mas não deixa de ser chamativo que em muitos momentos esse discurso venha a se esgotar em frases tão simples como uma muleta de expressão ou um cacoete, deixando o aprofundamento de tal filosofia para o leitor ou ouvinte. No Estado espanhol, costuma ser freqüente, especialmente do ponto de vista da psicologia, que a defesa das teses construtivistas entre o coletivo docente acabe se resumindo em alguns slogans com os quais todo o mundo concorda e assume, dada a simplicidade de sua formulação. Ao final, fica apenas a idéia um tanto abstrata de que tudo é questão de “construção”, essa sim revestida com frases e conceitos que gozam de certo prestígio. Sem dúvida, nos momentos da ação prática, muitos professores e professoras sentir-se-ão incapazes de transpor essa filosofia para situações reais nas salas de aula. Todavia, uma análise mais minuciosa e crítica mostrará, com relativa prontidão, que o construtivismo não é algo do qual possamos falar no singular e com o qual concordem todas as pessoas que assim se etiquetam. Existe conflito entre as concepções e explicações subjacentes a tal perspectiva ou âmbito explicativo, como detecta César Coll (1993, p. 239) quando afirma que “por trás do termo ‘construtivismo’ escondem-se interpretações e explicações diversas e nem sempre coincidentes”.
Além disso, não deixa de ser curioso que, depois de muitos anos em que as análises sociológicas estiveram e continuam gozando de importante aceitação no campo do ensino, de repente, muitos dos discursos psicológicos pretendam silenciar essas dimensões e características que foram sendo enfatizadas. As pessoas constroem conhecimentos, mas quais? Quando? Onde? Em que condições? Com que finalidades? A serviço de quem? Promovidos por quem? É em torno de questões semelhantes a essas que o silêncio de muitos construtivistas chama a atenção.
Não costuma ser freqüente que, nos discursos sobre construtivismo, apareçam reflexões a respeito de quem orienta e promove o processo construtivista e em que direção. Portanto, existe o perigo de assumir tacitamente um certo “naturalismo”: que todas as meninas e meninos deixados à sorte constroem de uma maneira adequada.
Nos últimos anos, é visível a impregnação das concepções individualistas em muitos momentos do discurso construtivista psicológico, assim como nas orientações práticas que derivam desse modelo. Um exemplo disso temos no Brasil, no texto que o Ministério da Educação e Cultura divulga sobre “O ensino fundamental: Parâmetros Curriculares Nacionais”. Documento muito impregnado de construtivismo e no qual, no momento de derivar propostas práticas para as aulas, como no que diz respeito às formas de agrupamento do alunado, podemos ler o seguinte:
Devem estar atentos às diferentes formas de agrupamento possíveis segundo uma variedade de aspectos, por exemplo: desempenho diferenciado, desempenho próximo, gênero, afinidades para o trabalho, afinidades afetivas, possibilidade de ajuda, possibilidade de cooperação, ritmo de trabalho etc.
Não existe “o melhor” critério de organização de grupos para uma atividade, é necessário que o professor decida em cada tipo de atividade, em cada momento do processo de ensino e aprendizagem, para aqueles alunos específicos, qual é a melhor forma de organização social.[…]
Os agrupamentos são medidas eficazes para facilitar a individualização do ensino, pois podem ser consideradas as necessidades de cada aluno e garantidas situações adequadas para o desenvolvimento de certas aprendizagens.[…]
É possível pensar em grupos que não sejam estruturados por série e sim por objetivos a serem alcançados, onde a diferenciação entre séries se dê pela exigência adequada ao desempenho de cada um (p. 24).
Em explicações e propostas como as anteriores, penso que se pode constatar o predomínio de uma concepção exclusivamente individualista da aprendizagem. Cada aluno e aluna constrói seu próprio conhecimento, exclusivamente pessoal. Os outros companheiros e companheiras são considerados instrumento ou recurso para favorecer essas aprendizagens em cada pessoa. Não existe uma só linha de argumentação, num tema tão decisivo como o dos agrupamentos do alunado, que finque pé na necessidade de desenvolver a solidariedade entre os que compartilham uma sala de aula ou centro escolar, na exigência de trabalhar em grupo para aprender a colaborar, conhecer as demais pessoas que nos rodeiam, banir pré-julgamentos ou estereótipos sobre aqueles que pertencem a coletivos sociais marginalizados ou a etnias sem poder.
Quando se realiza a enumeração das modalidades de agrupamento de estudantes, isso é feito como se todas tivessem o mesmo valor, como se se tratasse de uma tomada de decisão meramente técnica, para favorecer o potencial inato de cada menino ou menina, para construir um conhecimento pessoal e que, podemos deduzir, terá conseqüências individuais. Esquece-se de mencionar as lutas que o coletivo docente, juntamente com outros coletivos sociais, levou e leva a cabo para contribuir para banir o sexismo promovendo agrupamentos mistos, de meninos e meninas; para favorecer a integração das pessoas com discapacidades, conformando grupos de estudantes de diferentes níveis de capacidades e conhecimentos; para colaborar na luta contra o racismo, sobre a base de agrupar alunas e alunos de diferentes etnias num mesmo grupo; para educar pessoas mais solidárias, fomentando o trabalho em equipe no qual cada estudante se sinta útil aos demais membros etc.
O professorado é muito mais do que promotor de conflitos sociocognitivos e, por conseguinte, precisa deter-se em pensar questões que ultrapassam os aspectos puramente psicológicos, tais como dimensões de valor, justiça, democracia, solidariedade que acompanham a produção e utilização do conhecimento e a tecnologia.
Um “sentido comum”, cuja construção esteve controlada pelos círculos de poder, pelos discursos promovidos por todo um conjunto de intelectuais oficialistas que gozam de todo o tipo de facilidades para aceder aos meios de comunicação e dirigir a produção do conhecimento e tecnologia, pode, deixado a seu livre arbítrio, funcionar em direções reproducionistas. A realidade não costuma adornar-se com etiquetas explicativas, pelo contrário, é imprescindível esforçar-se para revelar seu significado mais autêntico. Convém estar atento para que o discurso “construtivista” não acabe convertido em etiqueta que dissimule posições “reproducionistas”, mas com roupagens e máscaras que dificultem captar sua manipulação a serviço dos mesmos interesses dos de sempre.
É preciso não esquecer que em cada época, como se evidencia a partir da filosofia da ciência (Kuhn, 1980; Toulmin, 1977; Lakatos, 1982) e ultimamente no que se vem conceituando como pós- modernidade (Foucault, 1990; Feyerabend, 1984; Harding, 1993), toda uma série de condições, influências, pressões e normas vão tratar de avaliar a validade dos conhecimentos, assim como favorecer e obstaculizar a aparição, divulgação e utilização de determinados saberes e tecnologias.
Na ciência, a verdade está em disputa com muitíssima freqüência, assim como seus fundamentos metodológicos. Por conseguinte, podemos afirmar que são distintas condições sociais, econômicas, políticas, culturais, militares e religiosas, assim como os conflitos de interesse entre os desafios que vão se colocando para os distintos grupos sociais, etnias, gêneros que entram em jogo na construção de conceitos, categorias, procedimentos, metodologias, valores e, portanto, nas soluções que as ciências e os diferentes saberes vão poder enfrentar.
É imprescindível dar-se conta de que a consciência das pessoas historiadoras, cientistas, artistas, políticas, literatas está sempre condicionada pelo ambiente em que vivem, pelas práticas nas quais se vêem envolvidas, pelas normas que possibilitam o acesso a postos de trabalho e as condições de sua realização, pelos sistemas de valores, modos de perceber, saberes e racionalidades em que se apóiam.
Convém ter certa atitude de dúvida diante de teorias que aparecem com demasiada arrogância, escudando-se num excesso de frases feitas e slogans que funcionam para despolitizar realidades sociais conflitivas e acabam por se transformar em escudos protetores ante análises e propostas mais libertadoras, minuciosas e críticas.
Com muita freqüência, esquece-se que, também mediante processos discursivos e retóricos, contribui-se para dar forma ao pensamento hegemônico, à criação de um “sentido comum” que coopera para apresentar e pensar como normal, lógico, natural e único o que não passa de um modelo concreto de atuar, governar, pensar etc., entre outros possíveis. Isso já foi evidenciado por Michel Foucault (1990b, p. 198) quando, ao se referir às “práticas discursivas” deixa claro que estão sujeitas a “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, numa dada época e para uma dada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa”; ou seja, condicionam e limitam os temas a respeito dos quais se pode falar, analisar, classificar, explicar, nomear; promovem um leque limitado de significados.
É também mediante práticas discursivas que conceitos que até um determinado momento têm um determinado significado, uma vez que são frutos de outros discursos que lhes conferiam esse significado, ao intercalar-se em outras práticas diferentes, podem chegar a alterar por completo seu significado ou ficar reduzidos a meros slogans ou frases-fórmula. Em tais slogans “sua simplicidade proporciona uma embalagem de idéias com traçado verdadeiramente claro e sólido. Eles comunicam paradigmas, idéias modelo que podem ser aplicadas a novas ‘instâncias’, mas distanciando-se de seus referentes originais” (Fowler, 1991, p. 177-179).
Não podemos esquecer que a instituição escolar, através de suas práticas e ênfases, é coadjuvante na construção das maneiras de pensar, atuar, perceber e falar a respeito da realidade, do mundo de cada estudante e, por isso mesmo, de cada cidadã e cidadão. Na aprendizagem de matérias como história, matemática, física, geografia, literatura, idiomas etc., “constroem-se” possibilidades de perceber, interpretar e valorar a realidade; fomentam-se atitudes perante o mundo que nos rodeia e do qual temos alguma noção; influi-se na conformação de sentimentos e expectativas perante as pessoas com as quais convivemos e compartilhamos este planeta.
O forte peso do conservadorismo atual contribui para que as questões morais, políticas e socio-econômicas sejam aspectos que tendem a desaparecer do vocabulário e, portanto, da práxis curricular. Ainda se pode constatar o medo de reconhecer e assumir que educar é uma ação política, não um trabalho meramente técnico. Os discursos profissionalizadores, curiosamente, estão sendo utilizados como disfarce para despolitizar e desfigurar grande parte do trabalho sociocultural e educativo. Trata-se de discursos nos quais se faz notar que a única coisa importante são as preocupações por eficiência, controle, gestão, objetividade e “neutralidade”, o que é coerente com os discursos hegemônicos, oficiais, sobre o fim das ideologias.
É preciso recuperar a capacidade de contextualizar e historizar nossos discursos e práticas. Urge voltar a retomar algo que já parece um slogan vazio: conectar a instituição escolar com o meio. Do contrário, corremos o risco de construir um currículo fundamentalista, uma proposta de trabalho na qual se dá uma seleção fechada de conteúdos culturais a serem trabalhados nas classes, possibilita-se o acesso a uma única interpretação desses conteúdos culturais, uma só valoração e uma única resposta verdadeira.
Se as opções conservadoras continuam ganhando cotas de poder, há um risco importante de que os currículos fundamentalistas venham a se ver ainda mais favorecidos. Currículos cujas diferenças estarão no viés que desejam “vigiar” com maior atenção; é previsível que apareçam projetos curriculares obcecados por determinadas opções religiosas, econômicas (para promover um determinado modelo produtivo e de relações de trabalho de interesse para os grupos empresariais no poder), políticas, racistas, sexistas etc. Estamos cada vez mais diante de instituições de ensino que apenas vendem o “conhecimento oficial” (Apple, 1993). O que parece imperar é uma cultura da “objetividade”, entendida como uniformismo, como ataque à diversidade, com a finalidade de favorecer a articulação de sociedades “mono”: monoculturais, monolingüísticas, monoétnicas, monoideológicas etc. Pretende-se negar a diversidade para impor uma única cultura que se anuncia e se faz pública como “comum”, “consensual”, “valiosa” e “histórica (a de sempre)”.
Os coletivos de intelectuais, pesquisadoras e pesquisadores, artistas e docentes têm uma importante tarefa a desempenhar, ajudando a construir, a voltar a interpretar a história das sociedades levando em consideração as percepções e interesses daqueles que ficaram à margem e sofreram a história.
Apostar na democracia obriga a que conceitos como “justiça social”, “responsabilidade ética”, “participação”, “igualdade” não se transformem em fórmulas vazias, mas em modos de vida. Assim, a pedagogia tem uma função dual: ajudar a proporcionar os meios através dos quais os coletivos sociais oprimidos chegam a tomar consciência de sua opressão e servir como instrumento mediante o qual es- sas mulheres e homens lutem para encontrar métodos de transformação da realidade (Trend, 1995, p. 148).
É imprescindível estar atento a todo momento para que esse trabalho de ação social em prol de maiores cotas de democracia e justiça social se mantenha vinculado aos demais movimentos sociais que estão comprometidos nessa mesma direção de redistribuição de poder e dos recursos existentes na comunidade; movimentos que procuram em todos os momentos tornar viável uma autêntica e informada participação de todas as cidadãs e cidadãos nas tomadas de decisão que servem para configurar e determinar a sociedade. Isso está ficando cada vez mais difícil, dado o forte individualismo que impera nas sociedades pós-modernas e da informação que, por sua vez, facilita a reaparição de um notável culto às lideranças carismáticas. Uma prova disso, e na verdade preocupante, é a apatia para com o debate que surge no próprio seio de estruturas como partidos políticos e sindicatos e que tem como resultado o afloramento de apostas por uma espécie de “cesarismo”. Diante de um importante grau de atrofia dos mecanismos de participação e regulação democrática da vida no interior de muitos partidos políticos ou mesmo de governos, a figura do dirigente capaz de tomar as rédeas e o controle adquire um peso desmedido.
A constante denúncia de apatia com a qual se etiqueta a imensa maioria da população das sociedades pós-industriais, fruto das experiências pseudodemocráticas nas quais se encontram implicadas, corre o risco de servir de situação embrionária de novos fascismos ou autocracias mais invisíveis; nestas a democracia fica minimizada numas tantas formas e ritos externos, mas sem conteúdo. Os espaços de participação e controle democráticos estão tramados por figuras representativas do mundo econômico, militar e líderes do governo. Um panorama semelhante é também percebido por Paulo Flores D’Arcais (1996) quando escreve:
Estes são os dois modelos que aparecem no moderno obscurecer-se da promessa democrática: a partitocracia de partidos-máquina, cada vez mais parecidos entre si, acompanhados de seus respectivos engenheiros do consenso e o gigantismo de aparatos burocráticos e auto-referenciais. E o populismo taumatúrgico, com seus improváveis eleitos pelo senhor, seus insolentes vendedores de felicidade e o néscio estrondo do aplauso forçado. Os dois modelos não apenas não se excluem, como antes parecem celebrar em desconexa mestiçagem as bacanais pós-modernas em versão caótica. E assim em todo o mundo (p. 59-60).
Diante de uma perspectiva tão ameaçadora, torna-se prioritário recuperar para o maior número possível de cidadãos e cidadãs e, evidentemente, para o trabalho docente os papéis de ativistas contra-hegemônicos com fé no futuro; com suficientes doses de utopia entremeadas de realismo para configurar um futuro mais justo, democrático, numa palavra: humano.
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JURJO TORRES SANTOMÉ é Catedrático de Didática e Organização Escolar na Universidade da Coruña, Espanha. Trabalha com temas relativos a Sociologia da Educação, Política Curricular e Currículo Integrado. Entre suas obras se destacam: Globalización e interdisciplinariedad: el curriculum integrado, Madrid, Morata, 1996, 2a ed.; El curriculum oculto, Madrid, Morata, 1991.
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Política educativa, multiculturalismo e práticas culturais democráticas nas salas de aula
( pdf)
Reformas educativas como impulso a la consolidación del neoliberalismo y neocolonialismo
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Jurjo Torres Santomé
Conferencia impartida en la Maestria en Educación Comparada, organizada por el Ministerio del Poder Popular para la Educación Universitaria, del Gobierno Bolivariano de Venezuela.
Caracas, Venezuela. 14 de Abril, 2013
La educación en momentos de perplejidad
Jurjo Torres Santomé
Universidade da Coruña, España
Serendipia. Revista Electrónica del Programa de Cooperación Interfacultades –UCV (Universidad Central de Venezuela). Vol. 1, nº 1, (2012) págs. 113 – 124
En el momento presente una de las grandes obsesiones de los grupos conservadores y de los neoliberales es tratar de despolitizar tales conceptos con gran poder de movilización social, implicándose en una ingente tarea de resignificación, de vaciado de significado de tales conceptos, hasta reducirlos a meros eslóganes y muletillas con las que cualquier persona puede rellenar sus frases, pues en realidad no significan ni obligan a nada. En esta tarea se ven apoyados por la enorme red de medios de comunicación de la que son propietarios.
Esta estrategia es lo que le permite a estos grupos de la derecha disimular sus verdaderas intenciones, tratando de hacernos creer que se están modernizando, convirtiéndose en una “derecha más europea”, con lo que parece que esa modalidad de ideología y las políticas prácticas que proponen son menos reaccionarias. Cuando escuchamos expresiones como “derecha democrática”, “derecha modernizadora”, “modernización conservadora”, “pensamiento europeísta”,… puede parecer, a quien no se detenga a contextualizar esas palabras, que lo que los discursos de esas ideologías derechistas están haciendo es marcar su acercamiento a “posiciones centristas”; fenómeno que incluso podría hacernos pensar en que, si siguen “modernizándose” y “europeizándose”, podrían estar moviéndose tanto que incluso correrían el “riesgo” de llegar a convertirse en verdadera izquierda. En esta política de pseudo-movilidad, es preciso ser consciente de que también en algunos sectores de la izquierda se producen estos mismos corrimientos y, cosa llamativa, también con calificativos semejantes: “izquierda europea”, “posiciones europeistas”, … De este modo, “Europa” es presentada a los destinatarios del discurso como un ente monolítico, en el que toda su ciudadanía comparte los mismos análisis e ideologías. Pero tampoco debemos olvidar que esta idea de ocultar o de disfrazar la ideología es algo que ya personalidades del fascismo español han inventado ya en plena dictadura del Generalísimo Franco. Gonzalo Fernández de la Mora, un insigne falangista franquista, es autor de un libro que, en plena Dictadura, ya insistía en esta idea de la unicidad de las ideologías: “El crepúsculo de las ideologías” (Madrid. Rialp, 1965). Eso mismo es lo que pretenden que entendamos quienes, más recientemente, desde hace un par de décadas nos vienen diciendo que ya hemos llegado al fin de la historia, que murieron las ideologías o que se fundieron en una única; o sea, que vivimos en la época del pensamiento único y, por tanto, todos debemos pensar y actuar de la misma manera.
No obstante, ahora en esta maniobra de lavado de cara, añadir un calificativo de “europeidad” semeja incorporar el significado de “progresista”, de “modernidad”, … Ello quizás es debido a que todavía en la actualidad, en países como España y Portugal, en el inconsciente colectivo se tiende a equiparar derecha con fascismo, con dictadura, de ahí la obsesión por “suavizar” el sustantivo “Derecha”.
En nuestro ámbito continental, con esta estrategia de subrayar la “europeidad” deberíamos decir que lo que en el fondo se está defendiendo es un duro “eurocentrismo”; o sea, la ideología que desde finales del siglo XVIII sirvió para abanderar los grandes procesos de colonización del resto del planeta.
Es precisamente esta progresiva despolitización del pensamiento y que inmediatamente se traduce en los modos de funcionar de las instituciones públicas y privadas, lo que está detrás del incremento de las presiones mercantilistas sobre los sistemas educativos. Este tipo de reorientación se produce, la mayoría de las veces, de la mano de discursos catastrofistas acerca de lo que acontece en las instituciones escolares. Es la exageración de los datos y situaciones conflictivas que tienen lugar en las aulas lo que más contribuye a despertar a las personalidades autoritarias construidas como resultado de las políticas educativas, sociales, culturales y militares con las que la dictadura se perpetuó durante cuarenta años. Personalidades dormidas o, en muchos casos, un tanto amodorradas en estas tres últimas décadas de democracia, pero que ahora son despertadas violentamente por una derecha con muy fácil acceso a los medios de comunicación tratando de convencerles, con toda clase de manipulaciones, de que apoyen gobiernos y políticas de “mano dura”. Son los colectivos sociales con menos nivel cultural y más dificultades de acceso a la cultura quienes, en consecuencia, son más fácilmente seducibles por los sectores de la derecha política más populista y demagógica.
Es el avance de las ideologías conservadoras lo que explica el grado de aceptación de las políticas de fuerte recentralización y de control autoritario de las sistemas educativos (Jurjo TORRES SANTOMÉ, 2007). Políticas que se apoyan en una manipulación de palabras “biensonantes” como “eficacia”, “excelencia”, “calidad”, “competencia” … cual eslóganes bajo los que disfrazar medidas de recorte de la democracia. Las evaluaciones externas de los centros escolares, la imposición de un currículum cada vez más estandarizado de la mano de las grandes editoriales de libros de texto (algunas de ellas verdaderas empresas multinacionales a las que los gobiernos temen, por el entramado de negocios diversos con los que controlan las principales redes informativas de la sociedad: periódicos, cadenas de televisión, revistas, portales de internet, etc.), las intensivas políticas de privatización que sólo dedican a la red pública pequeñas inversiones, la fuerte presión que ejerce el mundo empresarial para poner a su servicio el sistema escolar, promoviendo sólo aquel conocimiento e investigación del que pueden sacar beneficio económico, etc.
Un análisis más detallado de las medidas que en las últimas décadas se vienen promoviendo desde las principales instituciones mundialistas encargadas de controlar a los gobiernos (como por ejemplo, la OCDE, el Banco Mundial, el Fondo Monetario Internacional, el G8, la Organización Mundial del Comercio, etc.) permitiría constatar con facilidad cómo los sistemas educativos parecen tener como principal e, incluso, único objetivo: preparar al alumnado para competir por puestos de trabajo en el actual mercado capitalista. Objetivo que se plasmaría en una reorientación de los contenidos y tareas escolares marcada por el recorte de los contenidos de las humanidades y artes, y por el contrario, por el reforzamiento de aquellos conocimientos y destrezas que capacitan mejor para encontrar un puesto de trabajo. Un sistema educativo destinado a producir “capital humano”, pero no seres humanos preocupados por los asuntos públicos: la justicia y la equidad en nuestras sociedades, las formas de discriminación y marginación, los modelos y estructuras de participación democrática, las repercusiones de determinados modelos de globalización, el calentamiento global, las guerras de petróleo, la opresión de determinadas etnias, el neocolonialismo cultural, político y económico, el hambre y las enfermedades en determinadas zonas del planeta, etc.
Una vez que las ideologías se disfrazan como idénticas, es más fácil disimular la destrucción de lo público, promoviendo con total claridad concepciones donde se apueste exclusivamente por las empresas privadas, de las que sólo unos pocos privilegiados van a sacar provecho. Los poderes coercitivos del Estado neoliberal son usados para facilitar las condiciones de operar de los capitales multinacionales, para allanar los obstáculos a la implementación de políticas neoliberales, y satisfacer las demandas ideológicas de los grupos conservadores. En consecuencia, se produce una subyugación de las finalidades de la educación pública a los intereses materiales, culturales e ideológicos de las grandes multinacionales y grupos sociales conservadores.
Es la desaparición o, mejor dicho, la ocultación de la política lo que dificulta enormemente la mirada hacia los objetivos que deberían regir las políticas educativas. Algo que explica la pobreza de los análisis del fracaso de las redes escolares públicas. Así, normalmente no se toman en consideración las condiciones en las que estas instituciones trabajan, la precariedad de sus recursos materiales y de profesionales, las características de la población que acogen, el contexto socioeconómico en el que viven las familias que allí envían a sus hijas e hijos. Esta falta de análisis es lo que explica el reduccionismo de las medidas de choque que las Administraciones acostumbran a proponer; la mayor parte de las veces centradas exclusivamente en prácticas disciplinarias, apoyadas con discursos culpabilizadores en exclusiva de ese alumnado, de sus familias y, por tanto, disculpatorias de quienes tienen verdadera responsabilidad política en esas situaciones de fracaso escolar y social.
Como uno de los frutos del avance de las políticas económicas neoliberales y de las ideologías conservadoras, la economía aparece como la ciencia directiva de lo que puede o no puede hacerse; algo que además se beneficia del relegamiento a planos muy secundarios de los discursos filosóficos, éticos y sociológicos y, asimismo, por el reforzamiento desde las instituciones escolares de políticas de fragmentación del conocimiento y de la investigación, de la organización en departamentos y áreas vigilantes de que ninguna interfiera o se cruce en las líneas de conocimiento de las que se consideran amos y jueces exclusivos. Es esta la política educativa que podemos fácilmente visualizar en la organización de los planes de estudio en asignaturas, como disciplinas independientes y, por tanto, con una notable ausencia de discursos y debates mucho más interdisciplinares. De este modo, también la asignaturización del conocimiento va a contribuir a facilitar una más difícil visibilidad de los intereses y funciones ideológicas y políticas que cumple el conocimiento con el que se entra en contacto (Jurjo TORRES SANTOMÉ, 2011).
Dificultar el conocimiento de la realidad en las instituciones escolares da lugar también a un fenómeno perverso como es el de la “infantilización de la juventud”; tarea que se lleva a cabo de la mano de programas y materiales curriculares como los libros de texto que los desaniman a interesarse por la comprensión de cómo funciona la sociedad, a reflexionar de qué modo sus actividades y conductas facilitan y reproducen las estructuras de poder opresivas de las que tanto acostumbran a quejarse. Con un currículum con contenidos y metodologías tan tradicionales y conservadoras el alumnado muy difícilmente alcanza a ver las posibilidades que tiene para apostar por otro conocimiento, de ejercer sus poderes cívicos y contribuir a actuar de modos más eficaces para construir otro mundo más democrático, justo y solidario. En este ambiente de confusión interesada, la educación acaba reduciéndose a entrenamiento, “training”, a domesticación en el sentido que denunciaba Paulo Freire. En el grado en que la educación cae en semejante reduccionismo, en ese mismo grado la democratización de nuestras sociedades se erosiona y termina por convertirse únicamente en una palabra vacía de contenido, en un estribillo o cantinela que no obliga a nada.
Estamos viendo cómo los ideales de la modernidad, del marxismo, del feminismo, de las ideas que guiaron las luchas de liberación y descolonización se relegan a un olvido interesado, lo que facilita el resurgir de fundamentalismos y “mesianismos”, por definición, intolerantes.
En las últimas décadas, el avance de las políticas mercantilistas en educación viene marcando el debate y las políticas educativas oficiales. Este tipo de medidas muy rara vez inciden en aquellas dimensiones que permitirían conformar un sistema educativo más democrático, al servicio, especialmente, de aquellos colectivos sociales más desfavorecidos y que, por consiguiente, precisan de mayor ayuda. La educación aparece como la clave para encontrar un puesto de trabajo y hacerse rico, prestando muy poca atención, o ninguna, a las dimensiones éticas, políticas y sociales que tiñen la vida cotidiana en las instituciones escolares. No debemos ignorar que pocos conceptos acaparan menos valoración que los derivados de las dimensiones políticas. Con reiterada insistencia la Derecha trata de convencer a la ciudadanía de que educación y política son dos rasgos que no tienen relación y, por tanto, que no deben plantearse juntos. Obviamente, en este ambiente oscurantista, el actual mercado capitalista y monopolista no se llega a poner nunca en cuestión; llegando a considerarse como fruto de ilusiones psiquiátricas o de ceguera intelectual a cualquier otra propuesta que se quiera presentar como alternativa a este capitalismo predatorio e inhumano.
Un buen ejemplo del avance de las lógicas mercantiles en educación son las políticas de libertad de elección de centros escolares. Al igual que se elige la tienda en la que compramos, el cine que deseamos ver, los conciertos a los que acudir, los bares y restaurantes, asimismo las políticas educativas vienen avalando y promoviendo que cada familia elija la educación que desea para sus hijos e hijas. Son los intereses de las clases medias y altas los que exigen esta clase de posibilidades presuponiendo que si eligen bien lo que hacen es garantizarse ventajas sociales y económicas para su prole. La libertad de elección les permite evitar que sus hijos e hijas tengan que compartir las aulas y demás instalaciones de los centros escolares con los “peligrosos y violentos” niños de las clases populares, de la etnia gitana y de otras minorías estigmatizadas en los medios de comunicación de masas como asociales, amorales y delincuentes.
En un mundo donde reina una meritocracia cuyas reglas definen las clases medias altas y la clase alta, el origen social todavía desempeña un papel fundamental en las posibilidades de acceder o no a una educación de calidad. Algo que, además, se viene acentuando en las últimas décadas en las que las clases medias viven cada vez más preocupadas por mantener su estatus social, debido a las crisis, a las grandes inestabilidades del momento presente y a las nuevas reglas dictatoriales de los mercados económicos.
En España, en la década de los setenta y, especialmente, después de la transición democrática en la que se produce un fuerte crecimiento de las clases medias, dada la expansión de los mercados económicos, junto con el predominio de ideologías progresistas que apostaban por una sociedad verdaderamente democrática; en un momento en el que los discursos sobre equidad y justicia se convirtieron en dominantes, la educación pública se contemplaba como la vía para avanzar en la construcción de sociedades más justas y democráticas. A partir de los años noventa, las crisis y recesión de los mercados, junto con las guerras del petróleo, volvieron a poner delante de los ojos la amenaza del desempleo y de la movilidad descendente.
Las clases medias habían acaparado un alto porcentaje de plazas en las universidades; sus descendientes tenían éxito y conseguían títulos universitarios que, contrariamente a lo soñado, no abrían tantas posibilidades de trabajo en un mercado que se encontró con un exceso de demanda para la oferta que se realizaba. En esta primera década del siglo XXI, los salarios de quienes entran en el mercado laboral con licenciaturas no están siendo los esperados. En consecuencia, las nuevas clases medias van a intentar, aunque todavía sin éxito, ir poco a poco diseñando otras reglas del juego con las que puedan llegar a tener más éxito. Es lo que explica, por ejemplo, la actual división de los centros escolares en dos redes: una concertada y privada, y otra pública. Fractura que, en realidad, es la mejor manera de visibilizar un sistema educativo en el que cada clase y grupo social y étnico se educa por separado. Las instituciones docentes privadas son exclusivamente instituciones de clase; al igual que la inmensa mayoría de los centros concertados, reservándose los centros públicos para las clases sociales populares y las minorías étnicas provenientes de países sin poder.
Hay, no obstante, también un sector de las clases medias, y es preciso subrayarlo, que sigue comprometido con la educación pública, pues mantiene todavía vivo un compromiso con la justicia social y con la construcción de otro mundo en el que las diferencias nunca se conviertan en factor de discriminación, en argumentos para legitimar desigualdades.
En una sociedad clasista y credencialista, las hijas e hijos acaban convirtiéndose en mercancía o en inversiones con las que las familias van a participar en el juego de la Bolsa de Valores. Son fondos que, dependiendo del éxito de las elecciones que durante su permanencia en el sistema educativo se vayan realizando, abrirán más o menos puertas y posibilitarán mejores o peores oportunidades en el mercado el día de mañana. Chicos y chicas son los seres en quienes se confía para hacer realidad sueños y aspiraciones de la familia. De este modo, en muchos casos acaban viviendo día a día en situaciones de gran estrés, dado que sus padres y madres les introducen en una dinámica fuertemente competitiva en la que entra en juego el “orgullo y honor” de la familia. El éxito escolar es visto también como el éxito de sus progenitores, pues supieron elegir bien el centro, el profesorado y los estímulos con los que incentivar cotidianamente a sus hijos e hijas. Y por el contrario, el fracaso escolar es percibido como una “mancha familiar”, un batacazo en el nivel de las aspiraciones, y que exige, a su vez, buscar a los culpables: el profesorado.
En este tipo de políticas sociales y educativas, las dimensiones estructurales, el rol del Estado Neoliberal queda siempre disculpado. Dado que de un modo insistente, al estilo del más eficaz de los anuncios publicitarios, se pregona que existe la posibilidad de elección del centro escolar, las responsabilidades pasan a transferirse exclusivamente a las familias. En consecuencia, y al igual que en el juego de la bolsa de valores, las posibilidades de éxito y fracaso van a ser el fruto de la información privilegiada de la que se dispone y, por tanto, de las elecciones que se vayan tomando, o sea, del centro escolar en el que se coloca la inversión, de la institución a la que envían a sus hijos e hijas. El marketing y la publicidad se convierten de este modo en la vía con la que manipular a la ciudadanía sobre la base de venderle “sueños” y promesas de satisfacción de sus ansiedades; algo que nunca se va a hacer realidad por completo en este nuevo contexto de vida líquida (Zigmunt BAUMAN, 2006); un mundo en el que las personas acaban reducidas a la dimensión de “homo eligens”, seres que en función de sus recursos económicos sólo estarían capacitados para elegir y consumir en el mercado de bienes de consumo.
No podemos olvidar que esta estrategia de conformación de un sentido común tan consumista y competitivo es indispensable para lograr el consentimiento de aceptación de las situaciones de injusticia y opresión en las que vive la inmensa mayoría de la población. Tengamos presente que “la dominación consiste en la presencia de condiciones institucionales que impiden a la gente participar en la determinación de sus acciones o de las condiciones de sus acciones. Las personas viven dentro de estructuras de dominación si otras personas o grupos pueden determinar sin relación de reciprocidad las condiciones de sus acciones, sea directamente o en virtud de las consecuencias estructurales de sus acciones. La democracia social y política en su expresión más completa es el opuesto de la dominación” (Iris Marion YOUNG, 2000, pág. 68).
En el momento presente, la estrategia de conservadores y neoliberales tendrá mayor o menor éxito en el grado en que son capaces de engañar a la ciudadanía, haciéndole creer que vivimos en momentos de postpolítica o postideología (Slavoj ZIZEK, 2001); vendiendo una “pretendida” muerte de la política en un mundo sin sustancia en el que las diferencias entre visiones políticas enfrentadas son sustituidas por una alianza entre «tecnócratas ilustrados». La política deja de ser el arte de lo posible, la vía para convertir en realidad las aspiraciones humanas, para acabar transformándose en un rastrero posibilismo, que imposibilita poner en funcionamiento innovaciones y arriesgarse a transformar la realidad. La política queda reducida a mera administración. La realidad pasa a estar dominada por la cínica frase que Giuseppe Tomasi di LAMPEDUSA (1991, pág. 45) pone en boca del joven aristócrata Tancredi, en la novela El Gatopardo: “si queremos que todo siga igual, es necesario que todo cambie”. En este ambiente “post” los cambios son simulacros, tienen como finalidad calmar y adormecer a quienes diagnostican las injusticias del presente, haciéndoles ver que sus reivindicaciones son escuchadas, y convencerles para que demoren sus exigencias de transformación a ver si con el paso del tiempo las olvidan.
Los sistemas educativos y, de modo muy especial, las instituciones universitarias precisan repensar con seriedad su responsabilidad política y, por tanto, sus posibilidades de sumarse a las luchas sociales que numerosos colectivos sociales vienen llevando para tratar de construir otro mundo más justo y solidarios. Las universidades tienen que ver que el mundo mercantilizado es una amenaza muy a corto plazo para una mayoría de estas instituciones, pues no están en condiciones de participar en pie de igualdad con aquellos centros de élite en los que las grandes multinacionales realizan sus inversiones; no podemos olvidar que quienes se benefician de este dinero en sus líneas de trabajo no van a poner en cuestión las repercusiones políticas, los efectos de sus investigaciones y patentes en la vida de las personas que pertenecen a países y colectivos sociales y étnicos más desfavorecidos. Es en esta línea de resistencia política a la globalización neoliberal que medidas como la apuesta por una “ecología de saberes” que promueve Boaventura de Sousa SANTOS (2005) debería estar en primera línea de la agenda universitaria. O sea, un compromiso real con la “promoción de diálogos entre el saber científico y humanístico que la universidad produce y los saberes legos, populares, tradicionales, urbanos, campesinos, provincianos, de culturas no occidentales (indígenas de origen africano, oriental, etc.) que circulan en la sociedad” (Boaventura de Sousa SANTOS, 2005, pág. 57).
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