29 marzo
2013
escrito por jurjo

Pátio

   

         Trabalho cooperativo e coordenado

                     

               Entrevista com JURJO TORRES SANTOMÉ

 

 Revista PÁTIO.  Ensino Médio, Profissional e Tecnológico

Ano V. nº 16.  Março / Maio, 2013

Pp.  18 – 21

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Minha trajetória profissional e investigativa é marcada pela tentativa de compreender por que os alunos não conseguem achar interessante e  apaixonante sua passagem pelas salas de aula”, diz o professor Jurjo Torres Santomé, catedrático de Didática e Organização Escolar na Universidade da Corunha. “É essa indagação que me leva a experimentar e propor alternativas para o trabalho curricular em sala de aula”, explica o espanhol.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele aborda a articulação entre disciplinas como uma dessas alternativas. “Estou iniciando um novo projeto de pesquisa, centrado em coligir as vozes dos alunos de educação secundária obrigatória (12 a 16 anos de idade), opinando sobre e valorizando o trabalho que fazem em sala de aula nas diferentes matérias”, conta. “Tenho interesse em ouvir suas vozes e, obviamente, suas sugestões e propostas. Creio que podemos aprender muito com eles, como, por exemplo, a trabalhar respeitando-os mais, algo que me parece muito necessário, urgente e justo”, diz.

Há muitos nomes para designar a integração das diversas áreas do conhecimento na escola, como transdisciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade. O senhor considera que existe diferença entre elas?

Esses três nomes referem-se ao tipo de relações de colaboração que as disciplinas ou corpus especializados do conhecimento estabelecem entre si. A mais elementar seria a multidisciplinaridade, uma colaboração entre especialidades, por exemplo, para enfrentar um problema, mas mantendo, cada uma delas, sua idiossincrasia, sua estrutura conceitual, metodológica, avaliativa, etc. Essa é a relação mais comum; supõe, em um primeiro momento, admitir que outras disciplinas também têm algo a dizer sobre um tema que se considera que seja competência de sua disciplina. A interdisciplinaridade já implica maior integração das disciplinas, que passam a compartilhar e intercambiar conceitos, terminologias, metodologias, com um claro propósito de colaborar, participar e trabalhar de igual para igual. A transdisciplinaridade supõe maior nível de integração de várias disciplinas. Seria como criar um modelo onicompreensivo no qual não haveria fronteiras nem disputas entre as especialidades disciplinares. É ir além das disciplinas e das disputas entre elas.

Qual a opção que melhor define a ideia de base para um currículo integrado?
Um currículo integrado apoia-se claramente em uma interdisciplinaridade do conhecimento. Admite-se, como ponto de partida, que tudo está interconectado. Por isso, propomos processos de ensino e aprendizagem nos quais os alunos visualizem e construam significados, conhecimentos significati­vos em que fiquem claras essas conexões entre diferentes disciplinas.

Quais os benefícios de um currículo integrado?
Um currículo integrado permite-nos introduzir temas novos e mais interessantes na sala de aula, cruzá-los com conceitos, saberes e procedimentos de diversas disciplinas, estimular uma maior curiosidade e espírito de exploração, investigação e inovação nos alunos; ajudá-los a captar e a considerar o maior número possível de pontos de vista para tomar decisões, para fazer julgamentos mais equilibrados acerca da importância e da necessidade de dominar determinados saberes que até então não viam como necessários. Essa aposta na interdisciplinaridade do conhecimento será de enorme utilidade para estimularmos os alunos a compreender a necessidade de colaborar, de trabalhar em equipe com outras pessoas, de entender as necessidades de outros povos, de manter um compromisso e um trabalho em favor da sustentabilidade do planeta.

Por que a concepção disciplinar foi dominante na escola do passado? 
No passado, havia alguma razão para que a concepção disciplinar fosse dominante: não precisávamos do controle de outras disciplinas para evitar consequências imprevistas ao pôr em prática o saber disciplinar. As disciplinas “disciplinam” a mente para selecionar, interessar-se, interpretar e valorizar unicamente aquela realidade ou aquelas questões que fazem parte de seus referenciais conceituais e metodológicos. A disciplinaridade das mentes funciona também para confrontar as disciplinas entre si, para convertê-las em rivais. Cada um de nós, como especialista, sempre pensa que tem muitas necessidades, que precisa de muito mais recursos que os outros, que é mais importante e indispensável para a formação dos alunos que as demais especialidades.

E por que essa concepção continua sendo dominante no presente?
Na última década, os obstáculos a um currículo integrado vêm aumentando de maneira bastante significativa, à medida que se consolidam políticas comparativistas para avaliar a qualidade dos sistemas educacionais dos diferentes países. Um exemplo é o que ocorre com provas como o PISA, promovido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A obsessão dos países é ter êxito nessas provas e, com isso, essas disciplinas submetidas à avaliação internacional são as que recebem cada vez mais atenção e recursos humanos e econômicos. O resultado dessas políticas comparativistas é que acabam convencendo a maioria dos professores — e, inclusive, as famílias — de que seu trabalho consiste em treinar os alunos para que tenham êxito nesses testes e alcancem as melhores posições possíveis nos rankings produzidos. É evidente que treinar os alunos para fazer avaliações é algo radicalmente distinto de educar cidadãs e cidadãos para entender, participar de e viver em sociedades mais democráticas, justas e solidárias.

Com a complexidade crescente do conhecimento nas diferentes áreas, é possível promover a interdisciplinaridade na escola?
É evidente que sim. Essa complexidade é o que está fazendo com que as universidades apostem em modelos de ensino mais interdisciplinares, com que todos os grupos de pesquisa sejam realmente interdisciplinares. Por isso, não é lógico pensar que nas etapas educativas anteriores não se trabalhe com essa mesma filosofia educativa capaz de confrontar os alunos com um conhecimento verdadeiramente relevante e significativo. É muito difícil que o currículo disciplinar ajude a responder às necessidades dos alunos de hoje, sobretudo se nos confrontamos com perguntas-chave que nos fazemos explicitamente há décadas, mas que incomodam a maioria dos governos que, por isso, tratam de silenciá-las: de que conhecimentos necessitam as novas gerações; quem deve participar da seleção; a que objetivos devem atender os conhecimentos selecionados; que metodologias são apropriadas para capacitar a uma cidadania verdadeiramente informada, comprometida e responsável com os assuntos públicos.

No ensino médio, etapa conclusiva da educação básica, o diálogo entre saberes é imprescindível. Na rea­lidade, porém, isso não acontece. Quais os principais entraves a essa conexão entre as disciplinas?
Basicamente os medos e a falta de confiança em nós mesmos. Temos medo de nos equivocar ou de que os outros descubram lacunas em nossos saberes, pois nos ensinaram que erros, dúvidas e falhas, medos e dificuldades são algo que merece punição ou castigo. Somos extremamente inseguros, o que em princípio é bom, se utilizamos isso para trabalhar com outras pessoas e somar saberes, indagar e arriscarmo-nos a inovar de maneira colaborativa. Se você é educado disciplinarmente, fica mais difícil atrever-se a uma inovação tão complexa como é o caso do currículo integrado.

O que é preciso para que haja uma mudança efetiva rumo à educação interdisciplinar?
Estimular uma mudança nessa direção implica convencer as instituições universitárias de formação e atualização dos professores de que o mundo atual requer que formemos professores comprometidos ativa e reflexivamente com o trabalho interdisciplinar. Mediante uma formação coerente com essa filosofia, promoveremos docentes comprometidos com princípios éticos como generosidade intelectual (reconhecimento do trabalho das demais especialidades e profissões); confiança intelectual (crença no fato de que todos os especialistas podem dar contribuições importantes e, mais do que isso, disposição a submeter o próprio trabalho à avaliação de “estranhos”); humildade intelectual (reconhecimento da parcialidade e da incompletude do conhecimento em que somos especialistas e, portanto, disposição para pôr em risco nossa autoestima e assumir que outras disciplinas o revisem criticamente e tentem completá-lo); flexibilidade intelectual (aceitação da mudança de nossas perspectivas e de nossos pontos de vista por sugestão e convencimento por outras disciplinas e áreas do conhecimento); integridade intelectual (desenvolvimento do seu trabalho de maneira responsável e séria, tentando sempre buscar a verdade e dando o melhor de si, sem medo das pressões de poderes autoritários).

Como um professor pode trabalhar de forma interdisciplinar e, ao mesmo tempo, aprofundar o conteúdo de sua disciplina específica?
Essa é uma questão essencial. O currículo interdisciplinar destina-se a promover uma forma mais completa de pensar, aprender e utilizar o conhecimento; implica ver além das barreiras mentais criadas pelas disciplinas; obriga-nos a enxergar os efeitos colaterais aos quais raramente prestamos atenção, já que nossas disciplinas também nos disciplinam a olhares mais seletivos e parciais. Cada disciplina realmente tem sua lógica interna, uma epistemologia dominante que revela seus frutos no constante avanço do conhecimento construído e reconstruído por seus pesquisadores. Em muitas disciplinas, existe uma hierarquia conceitual e/ou procedimental que obriga a organizar a aprendizagem dos alunos de determinado modo, respeitando essa estrutura interna. Entre os dilemas e prioridades a que o currículo escolar deve fazer frente, podemos citar: ou educar exclusivamente especialistas que dominem bem essas disciplinas históricas, um modelo claramente reprodutor, ou buscar uma melhor compreensão da realidade, desse mundo mais integrado e interdependente, apostando em uma maior socialização das novas gerações, como cidadãos que precisam ser conscientes e aprender a se mover nesses espaços “inter”; pessoas que devem ver-se como interdependentes, assumindo que têm obrigações, direitos e responsabilidades para com os demais.

Na escola, os saberes específicos contidos nas diversas disciplinas continuam estanques e incomunicáveis. O que é necessário para a construção de um currículo interdisciplinar?
Além de uma boa formação cultural e científica, precisamos de docentes com boa formação didática, sociológica e psicopedagógica. Contudo, também precisamos de uma administração educacional que compreenda essa necessidade e, por conseguinte, promova normas, incentivos e dotações apropriadas para realizar esse tipo de inovação educativa. Precisamos de docentes que aceitem que é preciso trabalhar colaborativamente com os colegas, de diretoras e diretores de escolas que promovam esse tipo de trabalho mais integrado. As velhas tradições e rotinas do professor sozinho em sua classe, decidindo e planejando sem nenhuma coordenação com os colegas, são um lastro do qual precisamos urgentemente nos libertar. Um currículo mais integrado requer uma política educacional claramente decidida a convencer a uns e outros de que todos somos imprescindíveis, embora trabalhemos de forma cooperativa e coordenada.

Qual é o caminho para alcançar tal objetivo?
A escola deve garantir o acesso ao conhecimento, mas a um conhecimento que sempre comporta níveis de aprofundamento. Esse conhecimento costuma ter uma organização disciplinar que nos possibilitou historicamente maiores avanços à medida que compreendíamos seus conceitos-chave, suas estruturas conceituais, procedimentos, metodologias de pesquisa e avaliação do novo conhecimento. Um conhecimento relevante para os alunos não pode prescindir dessas chaves, mas também precisa completá-lo com outros saberes que lhes permitam percebê-lo como significativo, útil, válido para entender o mundo com mais rigor e objetividade. Não podemos negar aos alunos as chaves que permitem ter acesso a esse conhecimento organizado de maneira disciplinar e às novas disciplinas que emergem constantemente de dinâmicas interdisciplinares, como bioquímica, eletroquímica, sociolinguística, bioética, biogeoquímica e etnomusicologia, entre outras.

A interdisciplinaridade é uma utopia na escola?
É uma meta, sempre aperfeiçoável, a se alcançar. São sempre possíveis maiores níveis de interdisciplinaridade. No entanto, é preciso estar consciente dos obstáculos. É preciso aprender a elaborar currículos mais equilibrados, nos quais as disciplinas não sejam definitivamente esquecidas, e sim coordenadas com propostas mais integradas, assim como tentamos integrar o global e o local.

 

 

 

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